Operação da Vale, no Pará: minério de alta qualidade vem obtendo prêmio alto (Germano Lüders/Exame)
Da Redação
Publicado em 20 de dezembro de 2018 às 05h50.
Última atualização em 20 de dezembro de 2018 às 05h50.
Riqueza natural abundante sempre foi predicado para descrever a Amazônia brasileira. Nas últimas décadas, a região se tornou foco de grandes investimentos em mineração, geração de energia hidrelétrica e infraestrutura logística — de ferrovias a portos por onde passa boa parte da produção de minério e de grãos do Brasil. O retrato do desenvolvimento nos estados amazônicos, porém, não mudou na mesma proporção da chegada desses grandes empreendimentos. A renda per capita de seus habitantes é cerca de um terço menor que a média nacional.
Se considerado o Índice de Desenvolvimento Humano, o cenário não é melhor: é na Região Norte que estão os dez municípios com as piores notas do país. O quadro de vulnerabilidade que ainda persiste destoa do potencial econômico que se encontra por ali. O Pará responde por 45% da exportação de minério do país. De janeiro a julho deste ano, as indústrias de mineração e de transformação mineral no estado faturaram 6,2 bilhões de dólares com as vendas externas. Ainda assim, o nível de pobreza no estado é o dobro da média nacional.
“Dinheiro contribui, mas não resolve o problema”, afirma João Meirelles, diretor executivo do Instituto Peabiru, uma ONG que se dedica a projetos de desenvolvimento local no Pará junto a companhias de diversos setores, inclusive o mineral. “O que gera transformação social é visão de longo prazo, boa governança e gestão eficiente de recursos.” O especialista foi um dos debatedores do EXAME Fórum Amazônia, realizado no dia 7 de dezembro em Belém, reunindo 130 pessoas em torno da temática do desenvolvimento sustentável da região.
A máxima da governança mencionada por Meirelles ainda é um desafio latente entre as mineradoras que operam na região amazônica. O volume de recursos repassados por lei às comunidades que vivem ao redor das áreas de exploração — e também às prefeituras municipais — é alto. Mas a relação entre dinheiro e desenvolvimento socioeconômico é mais complexa do que se supõe. A mineradora americana Alcoa, que desde 2009 opera uma mina de bauxita na região de Juruti, no norte do Pará, sabe bem disso. Ao longo da última década, a empresa já repassou cerca de 52 milhões de reais à comunidade agroextrativista que é titular da terra em que opera.
Até então, a companhia não tinha nenhuma ingerência sobre a destinação desse montante, cerca de 6 milhões de reais anuais, cuja administração e uso são de inteira responsabilidade da associação que representa a população local. Mas, desde 2015, um arranjo inédito mudou o cenário. A Alcoa propôs à comunidade a criação de um fundo independente que pudesse concentrar, no longo prazo, recursos de diversas fontes, não apenas os repasses da empresa. A ideia é garantir sustentabilidade financeira à comunidade mesmo após a saída da mineração daquele território. “A chegada da mineração a uma área gera um salto de renda e, do mesmo modo, a saída da mineração de uma área pode causar um colapso financeiro”, afirma Fabio Abdala, gerente de sustentabilidade da mineradora Alcoa.
O fundo Juruti Sustentável, como foi batizado, ainda está em fase-piloto, mas já tem 3,5 milhões de reais. Cerca de 2 milhões foram doados pelos braços de investimento social da Alcoa: o Instituto Alcoa, que tem atuação nacional, e a Alcoa Foundation, com atividades em todo o mundo. O restante foi captado por meio de projetos voltados para a conservação da biodiversidade, com o fomento de organizações nacionais e internacionais. Por ora, a empresa e o Ministério Público do Estado do Pará estão auxiliando a comunidade a constituir uma fundação, que será a figura jurídica responsável pelo fundo. Mas o objetivo é que a gestão esteja calcada numa agenda coletiva.
Tendo isso em vista, a Alcoa também ajudou a criar um conselho composto por companhias que atuam na região, governo, comunidades e ONGs que, juntos, vão definir as prioridades de investimento, sejam elas em saúde, educação ou emprego. “Com a definição de metas claras e a participação de todos os atores, será mais fácil entender onde estamos e para onde queremos ir com esses recursos”, afirma Abdala. Estratégia semelhante está em curso na região de Oriximiná, também no Pará, onde a Mineração Rio do Norte, associação de oito empresas que inclui Alcoa, Vale e Hydro, está fazendo estudos preparatórios para a extração de bauxita. A ideia é estabelecer também lá um fundo para comunidades quilombolas, titulares em potencial de terras com reservas minerais. A ideia segue a mesma premissa de fundos nacionais soberanos criados com base em recursos gerados por petróleo e mineração em países como Noruega e Chile, mas ganhou configuração inédita com a abordagem voltada para territórios de exploração mineral na Amazônia.
Para além do desafio que se apresenta entre empresa e comunidade, há ainda o desafio de articular as diferentes empresas que atuam num mesmo território (mineradoras, comercializadoras de grãos e outras) e entre essas empresas e os governos locais. A articulação falha desses atores ajuda a explicar indicadores sociais baixos — e estacionados ao longo dos anos —mesmo após a chegada de grandes empresas e empreendimentos. Não raramente, falta aos governos estaduais o controle da aplicação dos repasses obrigatórios feitos pelas empresas. E as prefeituras, por sua vez, direcionam os recursos para emergências, sem nenhum tipo de planejamento.
“Parte desse dinheiro deveria ser investido na diversificação econômica dessas regiões ou em ciência e tecnologia, de modo que elas não dependam somente do retorno da mineração, que um dia vai acabar”, afirma Maria Amélia Enriquez, secretária adjunta na Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Mineração do Pará. Para a secretária, a despeito da falta de planejamento dos municípios, a Lei Kandir, que estabelece a desoneração de imposto para as exportadoras de bens primários, como grãos e minério, piora o cenário. “Essa distorção tributária acaba por aprofundar a desigualdade entre os estados, e a Amazônia arrecada menos do que poderia”, diz ela. Na visão do prefeito de Belém, Zenaldo Coutinho, o impacto econômico é grande e a legislação precisa ser rediscutida: “A Lei Kandir é absolutamente agressiva aos estados produtores de produtos primários e semielaborados, como o nosso”.
Na tentativa de estreitar o laço entre as empresas, e entre empresas e governos, surgiu no ano passado a Plataforma Parceiros pela Amazônia. A iniciativa, apoiada pela Usaid, agência dos Estados Unidos para o desenvolvimento internacional, pretende criar um ambiente favorável de diálogo e ação entre as empresas e os governos, a fim de facilitar a construção de soluções inovadoras para a região, mais especificamente nos estados do Amazonas e do Pará. Entre as participantes estão a cervejaria Ambev e a fabricante de cosméticos Natura. Agora, a plataforma quer reunir mineradoras no Pará. O objetivo é favorecer parcerias simples, mas de impacto escalável. “Direcionar produtos da agricultura familiar a restaurantes de grandes fábricas da região, por exemplo, poderá dar um impulso inédito a pequenos produtores e mudar a realidade de áreas rurais”, afirma João Meirelles, do Instituto Peabiru, responsável por fazer a plataforma funcionar.
A premissa é gerar desenvolvimento de forma sistêmica e integrada, e não segmentada, de acordo com as políticas corporativas de cada empresa. Afinal, o território é um só. Isso inclui considerar também o agronegócio, atividade em franco crescimento no Pará. Atualmente, o estado tem o terceiro maior rebanho de bovinos do país, com 20 milhões de cabeças. Para a atividade agropecuária, o desafio está em conciliar produtividade e manutenção da floresta em pé. E não só pelo cumprimento da lei, manifesta no Código Florestal, mas também pela garantia de clima favorável e água que a vegetação oferece à produção, e pela expectativa crescente de mercados no exterior a respeito da proteção do meio ambiente em áreas produtivas. “Hoje, a sustentabilidade ambiental gera valor para o produto perante consumidores internacionais, e desmatar mais só tem peso negativo para esses mercados”, afirma Valdecir Tose, presidente do Banco da Amazônia.
Tose se refere a uma prerrogativa do Código Florestal, legislação que rege as autorizações de desmatamento legal no país. O novo texto da lei, aprovado em 2015, determina que só 20% das propriedades rurais podem ser desmatadas no bioma Amazônia. A restrição, porém, poderia ser flexibilizada com base em um mecanismo previsto pelo próprio Código, mas ainda não regulamentado: o de cotas de reserva ambiental. Ele permite que uma propriedade cuja área aberta ultrapassa o limite da lei possa compensar seu passivo sem interromper a produção. A ideia é que a compensação ocorra numa outra área, desde que ela tenha mais floresta do que o exigido, dentro do mesmo bioma. Ganha o produtor que tem mais floresta, ganha o agricultor que foi além do permitido e teria de reconverter a área.
“A ideia é fantástica, falta conseguirmos materializar”, afirma Altair Burlamaqui, pecuarista de Castanhal, no Pará. O tema vem ganhando cada vez mais apelo em todos os estados que compõem a Amazônia. “Discutir sustentabilidade aqui é urgente. Representamos 60% do território nacional, temos o bioma mais importante do mundo em termos de recursos ambientais. E são os serviços ambientais que a Amazônia presta que garantem o agronegócio do país”, diz Eduardo Tavares, secretário de Planejamento do Amapá. Fato é que, cada dia mais, as empresas têm consciência de que o desenvolvimento sustentável deve ser uma base para fazer negócios, e que a ação conjunta, incluindo o poder público, é mais eficaz que a isolada. Bom para a Amazônia, bom para o Brasil.
No EXAME Fórum Amazônia foram discutidas as melhores estratégias de articulação entre governos, empresas e Terceiro Setor para o desenvolvimento da região | Fotos: Bruno Carachesti