Painel em Tóquio mostra a queda das ações americanas: será o fim de um ciclo de alta? |Toru Hanai/REUTERS /
Filipe Serrano
Publicado em 25 de outubro de 2018 às 05h38.
Última atualização em 25 de outubro de 2018 às 05h38.
A economia dos Estados Unidos e a do Brasil passam por momentos muito diferentes. O desemprego entre os americanos está no nível mais baixo dos últimos 50 anos e o crescimento anual do produto interno bruto deve bater os 3% neste ano — um ritmo que não era visto desde 2005. Já os brasileiros, como se sabe bem, ainda convivem com uma recuperação lenta da economia, depois de uma forte recessão, e enfrentam desemprego alto, que atinge 12,7 milhões de pessoas.
Com esse retrato positivo para os Estados Unidos e negativo para o Brasil, os principais índices de ações das empresas americanas e brasileiras tiveram em outubro um comportamento também de sinais trocados — mas que foi o inverso do que seria lógico pelos dados acima. Nos Estados Unidos, o índice Dow Jones registrou quedas consecutivas e, até o dia 22, acumulava perda de mais de 5% no mês. Já no Ibovespa aconteceu o inverso. Também até o dia 22 o índice registrava um ganho de 7,8% no mês. Pelo menos nesse período, o Brasil se descolou do restante do mundo.
A origem de movimentos tão diferentes no mercado de ações está numa mudança nas expectativas para a economia. No Brasil há, por ora, uma confiança dos investidores de que, caso eleito, Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência, fará um controle maior dos gastos públicos do que seu adversário, Fernando Haddad, do PT. Como Bolsonaro é favorito, depois de ter recebido 46% dos votos no primeiro turno e continuar à frente nas pesquisas, os preços das ações passaram a refletir a crença de que o país terá um governo reformista. Ações de empresas de energia, como Eletrobras, Cemig e Petrobras, e também da varejista Magazine Luiza subiram de 30% para 40% do fim de setembro a meados de outubro, segundo dados da consultoria Economatica.
Já nos Estados Unidos os investidores estão cada vez mais preocupados com uma desaceleração em 2019, algo que pode levar a uma redução dos lucros das companhias e a mais queda das ações. Os incentivos fiscais concedidos pelo governo de Donald Trump no fim de 2018 devem perder força no ano que vem. Além disso, a baixa taxa de desemprego sugere que a inflação deve acelerar, levando a um aumento na taxa básica de juro e encarecendo o crédito para as empresas.
Por fim, até agora não existe nenhum sinal de que a guerra comercial dos Estados Unidos com a China vá arrefecer no curto prazo. As tarifas de importação adotadas tanto pelo presidente Trump quanto pelo líder chinês Xi Jinping elevam os custos das empresas, reduzindo seu lucro, e prejudicam o desempenho da economia global. “O mercado está olhando para todos esses riscos e resolveu realizar os ganhos dos últimos anos. Mas consideramos que essa é apenas uma correção. Não é uma reversão de tendência de alta no mercado americano, porque os lucros vão continuar vindo fortes e devem ser suficientes para sustentar o patamar atual das bolsas”, diz Ronaldo Patah, estrategista de investimentos do banco suíço UBS.
A dúvida agora é saber até quando a realização de lucros deve provocar uma queda da bolsa americana — que antes vinha batendo recorde atrás de recorde. Já faz alguns anos que os economistas vêm alertando para uma eventual valorização excessiva dos papéis. Um indicador muito acompanhado para saber se o mercado está sobreaquecido é o que compara o preço das ações com os lucros das companhias ajustado aos ciclos econômicos.
Segundo a medida, criada pelo prêmio Nobel Robert Shiller, só em um momento na história as ações estiveram mais sobrevalorizadas do que hoje: foi antes do estouro da bolha da internet no fim dos anos 90. Nesse período, o indicador chegou a bater os 44 pontos. Hoje, ele está em 31. “Isso indica que estamos chegando ao fim de um ciclo de alta. E, tipicamente, esses ciclos no mercado americano acabam com uma alta nas taxas de juro”, diz Clemens Nunes, professor de economia na Fundação Getulio Vargas.
Para o Brasil, essa é uma notícia que pode prejudicar. No momento em que o juro nos Estados Unidos sobe, investidores estrangeiros saem de países emergentes e procuram investimentos mais seguros, como os títulos de longo prazo do Tesouro americano. Porém, essa fuga pode ser amenizada se a economia brasileira entrar numa trajetória de crescimento acelerado. “A bolsa brasileira ainda está muito reprimida, principalmente em comparação com os preços em dólar, e isso indica um espaço para uma valorização maior”, diz Evandro Buccini, economista-chefe da gestora Rio Bravo.
Mas, para isso acontecer, é necessário que o próximo governante de fato consiga promover reformas para reduzir os gastos públicos excessivos. Por isso, os analistas preveem que a bolsa continuará sendo influenciada pelo ambiente político mesmo depois das eleições, de olho na escolha da equipe econômica, na formação da base do futuro presidente no Congresso e em sua disposição de emplacar as reformas já no início do mandato. Com um ambiente externo desfavorável, uma demora é tudo de que o país não precisa.