Fernandes, presidente da Anglo American: setor em xeque (Leo Drumond/NITRO/Exame)
Da Redação
Publicado em 10 de maio de 2018 às 05h00.
Última atualização em 10 de maio de 2018 às 05h00.
Num intervalo de duas semanas, entre os dias 12 e 29 de março, dois vazamentos ocorridos na maior operação da britânica Anglo American no Brasil derramaram cerca de 1 000 toneladas de polpa de minério de ferro por 11 quilômetros do Ribeirão de Santo Antônio do Grama, no interior de Minas Gerais. Boa parte do material já foi dragada, e o fornecimento de água dos moradores, normalizado. O prejuízo para a mineradora, no entanto, pode se estender até o final do ano. Entre relatórios e avaliações do Ibama, a expectativa mais otimista é que as operações sejam retomadas no último trimestre. Por ora, 766 funcionários estão em férias coletivas. Os executivos da empresa, instalada há mais de quatro décadas no país e com faturamento de 3 bilhões de reais em 2017, estimam a perda de 400 milhões de reais com a paralisação da produção no local — equivalente ao lucro operacional gerado em 2017 pela operação, até então deficitária. As consequências podem ser piores caso a inspeção em andamento ao longo dos 529 quilômetros de tubulações aponte falhas capazes de gerar novos acidentes. Trata-se do maior mineroduto do mundo, que conecta uma mina de ferro em Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerais, ao Porto do Açu, no Rio de Janeiro.
Inúmeros percalços já surgiram no caminho do empreendimento, idealizado pelo empresário Eike Batista e comprado ainda em obras pela Anglo American em 2008. Dificuldades na obtenção de licenças ambientais e negociações atrapalhadas com donos de terras pelas quais a tubulação precisou passar empurraram a estreia três anos além do previsto, o que só ocorreu em 2014. O custo superou três vezes a projeção inicial — e ficou cerca de 7 bilhões de reais acima do esperado. Em 2017, o saldo da operação havia sido, enfim, positivo: 16 milhões de toneladas produzidas — o equivalente a 2,5% de toda a produção nacional do minério.
O acidente joga luz sobre um cenário de fragilidade — em alguns casos, fatal — da segurança do setor de mineração no Brasil. Não existem estatísticas claras sobre acidentes envolvendo vazamentos de minério no Brasil nos últimos anos — um sintoma da falta de acompanhamento desse tipo de risco ambiental no país. Os casos passaram a chamar mais a atenção após o gigantesco desastre ocorrido com o vazamento de rejeitos da mineradora Samarco em 2015, também em Minas Gerais, que causou danos ambientais e destruiu cidades inteiras em dois estados, além da morte de 19 pessoas. “A credibilidade do setor tem sido colocada à prova. E é preciso aprender com isso”, afirma Ruben Fernandes, mineiro de 53 anos, que fez carreira em outras áreas da mineradora no país e assumiu a presidência da operação brasileira em setembro de 2016. Fernandes falou a EXAME sobre como a empresa pretende lidar com a crise e evitar que o pior cenário se concretize.
Quais foram as causas do acidente?
Foi um defeito numa solda, e temos a hipótese de que tenha sido ainda na fabricação do tubo. Estamos investigando os detalhes ao lado de equipes da Universidade Federal de Minas Gerais e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, da Universidade de São Paulo.
Logo após o primeiro vazamento, ocorreu outro. Como garantir que, daqui para a frente, não haverá mais incidentes?
Após o primeiro incidente, verificamos as tubulações adjacentes com um ultrassom externo e nada foi detectado. Também pressurizamos o mineroduto com água por três dias, a fim de garantir que não houvesse outro problema no restante da linha, e só então pedimos autorização ao Ibama para voltar a operar. Nesse ponto, veio o segundo vazamento. O cenário se complicou, e vimos que a situação era mais séria do que imaginávamos. Agora vamos passar um equipamento especial por dentro de todos os 529 quilômetros de tubulação. Até julho, completaremos a inspeção. A produção ficará parada até lá, até termos certeza do que houve. Passamos no começo da operação, em 2014, e passaríamos de novo em 2019. Mas adiantaremos o procedimento em razão dos vazamentos.
Em meio a um histórico conturbado, o projeto agora está paralisado. Qual é o prejuízo para a empresa?
Um impacto de 300 milhões a 400 milhões de dólares em perda de lucro operacional. No ano passado, o grupo gerou 8,8 bilhões de dólares de lucro operacional no mundo. O mineroduto no Brasil é, portanto, uma parcela pequena, mas importante. Neste ano, a produção alcançaria 13 milhões de toneladas, mas vamos ficar só em 3 milhões. Dependendo do resultado da inspeção, pode ser que consigamos voltar a operar um pouco antes do previsto. As definições deverão ocorrer a partir de julho. Ainda assim, estamos contando com o pior cenário financeiro.
A tragédia ocorrida com o estouro de uma barragem de rejeitos da Samarco em 2015 acendeu uma luz amarela para outras empresas do setor? A preocupação em ampliar níveis de segurança se disseminou?
A indústria de mineração passa por um momento delicado. De fato, nossa credibilidade tem sido colocada à prova. E é preciso aprender com isso. O incidente da Samarco ensinou muito a todo o setor. De lá para cá, visito regularmente nossa barragem em Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerais, para me certificar dos controles. A Anglo American, por operar em vários países e estar submetida a legislações diferentes em cada um deles, elevou a barra dos parâmetros técnicos e de segurança para ter uma uniformidade nas operações. Passamos por auditorias internas mais rigorosas do que o requerimento da legislação brasileira, e isso nos dá algum conforto.
Há um grupo da Anglo baseado em Johannesburgo, na África do Sul, que cuida de inovação na mineração no sentido de ter mais segurança e gastar menos recursos. Como minerar com menos água? Como gastar menos energia? Estamos respondendo a essas perguntas. O consumo de energia na etapa de moagem da rocha já diminuiu 30% com a utilização de equipamentos mais modernos — e isso é feito a seco, o que reduz o risco de vazamento de materiais. Sabemos que é preciso investir mais, em tecnologias mais custosas e mais seguras, como as barragens secas. É uma prioridade de investimento para a companhia.
Como os efeitos do vazamento estão sendo minimizados?
O material atingiu diretamente uma área pequena de 6 hectares, uma só fazenda, que está sendo limpa. Estive lá para checar. Agora, a próxima etapa é plantar o pasto de novo, e o problema estará totalmente sanado. O minério correu por 11 quilômetros de rio. Desses 11, já limpamos uma extensão de 5 quilômetros, onde estava concentrado o material. Isso significa uma recuperação de 80% a 85% do volume despejado, a um custo de 60 milhões de reais. Até o dia 30 de maio encerraremos a limpeza.
A população será indenizada pela interrupção do fornecimento de água?
As indenizações ocorrerão e serão individualizadas. Ainda assim, conseguimos resolver o problema rapidamente com caminhões-pipa e água mineral. Já enviamos equipes a cada uma das propriedades rurais da região, cerca de 23, para verificar que tipo de transtorno tinha sido causado, ainda que indiretamente. A maioria dos proprietários resolveu confinar o gado para que não bebesse a água do ribeirão, e isso acarretou um aumento do consumo de ração pelos animais. Os produtores serão ressarcidos pela Anglo. Na parte urbana, fomos de porta em porta perguntando sobre impactos a padarias, cabeleireiros, que ficaram nesses dias sem produzir ou atender o público.
Um grupo de moradores tem se manifestado na internet frontalmente contra a Anglo — e relata ameaças ligadas à empresa. O que a companhia já investigou sobre isso?
Sabemos dessas denúncias e vamos contratar uma auditoria para apurá-las. Repudiamos qualquer tipo de ameaça. Isso não faz parte dos valores da Anglo, uma empresa com 100 anos de história. De todo modo, temos apoio grande em Conceição do Mato Dentro. Aliás, o índice de desenvolvimento humano aumentou em torno de 40% na região desde que começamos a operar. Isso tem conexão com nossos programas de sustentabilidade, que, entre outras coisas, privilegiam fornecedores locais. Todo empreendimento complexo, como é o caso do mineroduto, gera percepções distintas. O que a gente precisa ter é diálogo.
Antes do vazamento, a Anglo American aguardava licenças ambientais para ampliar a capacidade de produção do complexo para 26,5 milhões de toneladas por ano a partir de 2020. As autorizações podem ser mais difíceis de obter agora?
São processos independentes. O mineroduto é licenciado pelo Ibama, enquanto o licenciamento da mina é da Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais. Lá, conseguimos a licença prévia e a licença de instalação, uma etapa maior de licenciamento que inclui fatores como infraestrutura e compensação florestal. Tudo isso já foi analisado e há um relatório aprovado pela secretaria. Até a licença de operação, temos de cumprir as condicionantes negociadas — construir os diques de contenção e fazer o alteamento da barragem. Os prazos estão mantidos e, em 2019, vamos acelerar o ritmo de produção.