Revista Exame

De pulseiras inteligentes a colares antidesmaio: o universo de dispositivos para idosos

De relógios inteligentes a botões de emergência na parede, tecnologias assistivas e preventivas evoluem para dar autonomia, independência e segurança a idosos

Inovação: idosos recorrem à tecnologia para estimular a audição e aprimorar habilidades comunicativas (PROBRAIN/Divulgação)

Inovação: idosos recorrem à tecnologia para estimular a audição e aprimorar habilidades comunicativas (PROBRAIN/Divulgação)

MG
Marcelo Gripa

Jornalista colaborador

Publicado em 12 de março de 2025 às 06h00.

Última atualização em 12 de março de 2025 às 10h10.

Imagine uma casa equipada com assistentes de voz capazes de atender às solicitações de pessoas com mobilidade reduzida. Por meio da fala, dispositivos eletrônicos são ativados para tarefas como acender luzes, abrir cortinas ou acionar redes de suporte médico e familiar. Na hora de sair da cama, a tecnologia fornece a inclinação adequada para que o morador se levante e vá ao banheiro com mais facilidade. Nesse mesmo local, um piso inteligente antiqueda monitora a cadência dos passos para determinar o risco de perda de equilíbrio e, caso haja dois andares, um mecanismo extra faz a locomoção de um ponto a outro.

Casas inteligentes como essa, repletas de tecnologias assistivas, podem ainda não ser facilmente encontradas, mas habitam o imaginário de quem busca viver com autonomia, conforto e segurança na velhice. Este desejo já tem até nome: aging in place (“envelhecer no lugar”, numa tradução livre). O conceito abrange a possibilidade de idosos viverem na própria casa, ou em qualquer local de sua preferência, mantendo a independência de outros tempos e com acesso à infraestrutura adequada para solicitar apoio quando necessário.

“Hoje em dia, existem diversas formas para que o idoso envelheça no ambiente desejado ou mude para um local que não seja uma instituição de longa permanência”, diz Egidio Dórea, diretor da Ativen, consultoria de inovação e longevidade, e coordenador do USP 60+, programa que oferece disciplinas e atividades culturais e esportivas para idosos. Entre os inúmeros recursos do cuidado assistivo, ele destaca o monitoramento remoto e o envio de informações em tempo real para médicos, profissionais de saúde em geral e familiares. “Isso torna a tecnologia assistiva um passo extremamente importante na promoção do envelhecimento saudável”, avalia. Dessa forma, complementa, é possível fazer o controle e o diagnóstico precoce de doenças crônicas e evitar complicações associadas.

Comodidade e praticidade: dispositivo para a realização de eletroencefalograma dispensa o uso de fios (Divulgação/Divulgação)

O fortalecimento desse mercado acompanha uma mudança demográfica significativa. O Brasil tem envelhecido em ritmo acelerado nas últimas décadas e terá a quinta maior população idosa do mundo em 2030, segundo previsão da Organização Mundial da Saúde (OMS). Daqui a cinco anos, essa fatia populacional deverá superar a de crianças e adolescentes pela primeira vez. E a curva segue ascendente. Em 2046, a população 60+ poderá ser a maior do país, 28%, de acordo com projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Atualmente, já há mais brasileiros idosos do que jovens de 15 a 24 anos (15,6% ante 14,8%), o que explica o crescente interesse de empresas no desenvolvimento de soluções voltadas para os mais velhos.

Dispositivos inteligentes

Tecnologias não faltam para melhorar os cuidados na terceira idade, cujo público é heterogêneo e composto de pessoas em fases distintas — da plena autonomia à necessidade de cuidados intensivos. Na camada preventiva, dispositivos vestíveis, como relógios, pulseiras e até anéis inteligentes, são usados para monitorar sinais vitais e identificar possíveis anormalidades no quadro de saúde, como arritmia cardíaca. Nos casos em que o risco é maior, sensores em forma de colar contra desmaios — projetados para detectar automaticamente uma queda abrupta ou a perda de consciência — podem ser usados em casa e até fora dela. Botões de emergência instalados em locais com maior incidência de quedas também ampliam a sensação de segurança para aqueles com o equilíbrio comprometido.

O universo de aplicativos dedicados a melhorar a qualidade de vida dos 60+ também é vasto. Tem para todos os gostos: desde lembretes para movimentar o corpo ou tomar água, jogos de memória, quebra-cabeças e sessões guiadas de meditação até soluções que aumentam o tamanho dos ícones na tela dos celulares. Não à toa, a chamada economia da longevidade, ou prateada (em referência aos cabelos grisalhos), já movimenta cerca de 1,6 trilhão de reais no Brasil, segundo estimativas.

A tecnologia entra em cena: aparelho promove novas conexões neurais e recuperação da função motora (Neurobots)

Entraves para tecnologias assistivas

Mesmo com tantas possibilidades, especialistas alertam para o descompasso entre a oferta e a adesão às soluções nesse setor em ascensão. “Temos uma série de entraves que fazem com que as tecnologias assistivas não sejam utilizadas em sua plenitude para auxiliar e promover o envelhecimento saudável”, observa Dórea. As principais barreiras apontadas por ele para essa lacuna são a desigualdade de acesso e do nível educacional no Brasil, a falta de políticas públicas apropriadas e de letramento digital.

A dificuldade no trato com a tecnologia pelas pessoas acima dos 60 anos é apontada também por Camila Hernandes, gerente de inovação e parcerias com startups do Hospital Israelita Albert Einstein. “Quantos idosos efetivamente fazem uso desses dispositivos vestíveis e conversam com a Alexa?”, questiona. “Ainda não é uma rea­lidade no Brasil e, quando é, poucos têm acesso, por causa de um conjunto de fatores: há a questão financeira, já que essas tecnologias ainda não são de baixo custo, a barreira cultural e certa resistência ao uso”, analisa. 

À frente da Digitalidade, plataforma de assistência, suporte e capacitação tecnológica para idosos, David Villalva reforça a importância do letramento digital em um mundo com cada vez menos opções de interações offline. “O idoso que domina o uso de aparelhos e aplicativos conquista mais autonomia para agir em benefício próprio, sem depender de terceiros ou expor sua privacidade em atividades que exigem o uso de tecnologia, como nas relações de consumo e na gestão das finanças”, opina. Além disso, ele destaca que a relação saudável com as soluções digitais pode ajudar a manter a mente ativa e incentivar novas amizades por meio das redes sociais para o convívio com outras pessoas, um dos aspectos-chave da longevidade.

Daí a importância de recursos que facilitem essa jornada, como a lupa que altera o tamanho e o contraste da tela do celular para facilitar a leitura dos idosos ou de pessoas com baixa acuidade visual. A iPlace, loja de produtos Apple, também se destaca ao promover o acesso a jogos para estimular a memória desse público, como Tetris e 2048, além de kits para simplificar a conexão com as tecnologias.

David Villalva, da Digitalidade: letramento digital dá independência a idosos e evita riscos relacionados à privacidade (Digitalidade/Divulgação)

Teleassistência para emergências

A TeleHelp atende 15.000 idosos por meio de dispositivos eletrônicos inteligentes — como botões de emergência fixos (instalados em casa), dispositivos móveis com GPS e vestíveis que se conectam a uma central disponível 24 horas por dia. Esses equipamentos permitem ao usuário solicitar e receber ajuda em situações adversas, como quedas ou acidentes domésticos, de maneira simples e imediata.

Quando o sistema é acionado, informações críticas sobre o usuário, como condições de saúde, medicamentos em uso e localização, são enviadas automaticamente para a central de atendimento. Em até 60 segundos, a equipe entra em contato pelo dispositivo, avalia a situação e toma as devidas providências, como comunicação com contatos de suporte, transferência para orientação médica ou envio de ambulância.

“Em caso de emergência, a rapidez na resposta limita o agravamento da situação e a necessidade de intervenções adicionais, reduzindo custos e aumentando as chances de recuperação”, conta Bruno Mouco, CEO da TeleHelp. Segundo ele, 88% dos acionamentos nessas situações são resolvidos remotamente em resposta a queixas e dúvidas. Com isso, apenas os casos que exigem intervenção médica especializada são encaminhados para unidades de saúde.

O plano da empresa para 2025 prevê a expansão do uso dos dispositivos eletrônicos e a adição de inteligência artificial ao monitoramento de sinais vitais para análises mais precisas e preditivas. A fim de ampliar a acessibilidade, a TeleHelp planeja oferecer teleassistência por comando de voz, além do acionamento manual dos equipamentos. Até 2030, de acordo com a consultoria Data Bridge Market Research, o mercado global de monitoramento remoto de idosos deve dobrar de tamanho e movimentar 6 bilhões de dólares.

Camila Hernandes, do Einstein: o uso de soluções assistivas por idosos ainda é restrito no Brasil (Fábio H. Mendes/Einstein/Divulgação)

Prevenção de quedas com apoio da IA

Fundada há seis anos para dar escala a atendimentos fisioterapêuticos e promover tratamentos preventivos, a ­TechBalance é uma startup dedicada à longevidade que utiliza inteligência artificial. A empresa faz a triagem do risco de saúde a partir de três etapas: questionário, autoavaliação física e programa de exercícios fornecido por meio de aplicativo. Funciona assim: segurando o celular, a pessoa realiza uma série de movimentos indicados automaticamente e recebe um laudo com a classificação de risco e a prescrição automática de fisioterapia, com até 32 sessões. No caso de idosos, a prescrição pode sugerir o fortalecimento das pernas, com exercícios como sentar e levantar da cadeira, ou caminhadas na ponta dos pés. Ao final do tratamento, o usuário repete o teste e recebe um novo laudo. Segundo a TechBalance, a melhora física observada é de 50% a 68%.

“Fazemos uma inteligência com base na gestão populacional. Eu não espero você bater na minha porta e dizer que está com dor nas costas; eu bato na sua porta e digo: ‘Você está na idade de fazer este teste aqui’. Se o resultado for bom, o exercício pode ser feito em casa. Se não for, indicamos o tratamento para evitar internação por causa de um problema na coluna, por exemplo”, explica a cofundadora e CEO, Fabiana ­Almeida, que é fisioterapeuta.

O tratamento personalizado é possível por meio da combinação de dados e inteligência artificial. Segundo Almeida, o sistema coleta pelo menos 70 informações específicas de cada pessoa, desde o histórico de saúde até hábitos nutricionais e aspectos psicológicos. Ao combinar os resultados da avaliação com perfis semelhantes na base de dados da empresa, a tecnologia direciona os exercícios que compõem o protocolo de cuidado sem que seja necessária a presença de um profissional. Mas a executiva alerta: o uso da IA é restrito. “A inteligência artificial trabalha apenas em cima dos conteúdos fechados e não pode sugerir nada da cabeça dela”, esclarece.

Mais de 40.000 pessoas já foram atendidas pela TechBalance, e a população acima de 50 anos constitui 60% do público. O carro-chefe da empresa são os contratos com planos de saúde, que recorrem à plataforma para fazer diagnósticos preventivos e evitar custos com casos de poderiam evoluir para internações. A economia chega a ser de 70% em comparação com o tratamento tradicional de fisioterapia, segundo a executiva. 

O fim do emaranhado de fios

A Epistemic Medical nasceu para combater crises epiléticas preventivamente e expandiu o escopo para doenças crônicas em geral. Um dos produtos da startup é o Aurora, dispositivo vestível indicado para pessoas que precisam fazer um eletroencefalograma (EGG), exame que registra a atividade elétrica do cérebro. Só que, em vez de um emaranhado de fios, todo o processo é realizado por um equipamento facilmente ajustado à cabeça e que se comunica via bluetooth.

O Aurora armazena dados e mede temperatura, oximetria e frequência cardíaca. A simplicidade de seu manejo permite que seja usado para exames em casa, por pacientes com mobilidade reduzida (mediante prescrição), ou em regiões remotas onde não há estrutura ou especialistas habilitados. “A tendência para o futuro é se cuidar em casa e conseguir medir os sinais vitais para procurar um médico caso algo esteja errado e, então, fazer exames aprofundados. Principalmente nos casos de doenças crônicas, em que ter o histórico é muito importante para um tratamento melhor”, diz Paula Gomez, cofundadora e CEO. 

Ainda em fase de desenvolvimento, o dispositivo vestível da Epistemic vai passar por testes clínicos antes de chegar ao mercado. Nos experimentos feitos até agora apresentados pela empresa, a precisão dos sinais medidos foi maior do que o de aparelhos usados atualmente.

O desafio do ecossistema automatizado de cuidados 

Se por um lado as opções de software e hardware são fartas, por outro a fragmentação das informações ainda é uma barreira para a visualização da saúde do paciente em 360 graus. Na prática, a coleta de sinais vitais por um relógio inteligente não leva necessariamente ao diagnóstico prévio de doenças ou gera prescrição individualizada de tratamento com base em análises inteligentes. Para que isso aconteça, é preciso haver um movimento orquestrado e complexo que envolva a padronização de protocolos de saúde, a organização, o compartilhamento e a segurança dos dados dos pacientes. O Open Health, modelo aberto de compartilhamento de dados em saúde proposto pelo governo, é uma tentativa de avançar nessa direção, mas, na visão dos especialistas consultados, ainda não tem evoluído na velocidade que deveria.

A inteligência artificial, porém, caminha a passos largos e desponta como uma das principais avenidas rumo ao envelhecimento saudável. “A tendência é que as tecnologias, principalmente a IA, trabalhem para tornar uma pessoa autônoma bem assistida”, prevê a CEO da ­TechBalance. O uso de algoritmos com grande poder computacional pode levar a diagnósticos mais precisos e antecipar doenças e complicações por meio de modelos preditivos com base em padrões determinados por análises de dados. Para Camila Hernandes, do Einstein, esse pode ser o combustível para viabilizar um cenário menos focado na remediação das doenças e mais na prevenção e na promoção da qualidade de vida. “A inteligência artificial é um caminho sem volta e nós continuamos olhando ‘a todo vapor’ para ela”, resume.

Na esteira dessa evolução, a hiperpersonalização surge como alternativa para resolver a complexidade do olhar integrativo para a saúde. À medida que os dispositivos vestíveis se tornarem mais acessíveis, a enorme quantidade de dados coletados abrirá as portas para o desenho customizado da jornada do paciente. “Do lado do medicamento, a hiperpersonalização pode chegar a conseguir entregar a molécula na quantidade certa para dar o tratamento adequado para cada pessoa. Na parte de análise de amostras de sangue coletadas em locais diferentes, a inteligência artificial poderá acumular informações, entender o mapeamento genético e cruzar os dados para dizer: ‘Apesar de a sua TGP [transaminase glutâmico-pirúvica] estar alta, isso é um histórico da família que nunca matou ninguém”, exemplifica Fábio Longo, sócio-líder de Healthcare e Chief Staff Officer na Weme, estúdio de produtos digitais.

Mas, para Egidio Dórea, da Ativen, o desenvolvimento de novas tecnologias precisa vencer o problema da “homogeneização da dor”, quando o mercado propõe soluções genéricas para um contingente diverso de pessoas. “É importante perceber quão heterogênea é essa população para conseguir definir as necessidades específicas, que muitas vezes não estão sendo adequadamente contempladas”, ressalta. O antídoto para a sub-representação é incluir o público 60+ desde o início da concepção de produtos e serviços. “A dor do seu avô não vai ser a mesma sentida por milhares de pessoas”, pontua.

Segundo Longo, a jornada holística de saúde e as decisões orientadas por dados nas empresas do setor são outras tendências. Ele explica que, com tantos dados sendo coletados e armazenados, a expectativa é que as organizações consigam entender os diferentes perfis de pacientes para sugerir tratamentos adicionais que ampliem a capacidade de cura. Um exemplo são as terapias digitais validadas cientificamente e aprovadas pela Food And Drug Administration (FDA), a agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos. Do combate a sintomas de ansiedade ao controle da diabetes, essa categoria de aplicações pode ser usada de forma autônoma por meio do celular. “Tudo isso combinado vai levar as grandes empresas do setor de saúde a adotar a cultura de tomar decisões com base em dados, algo que ainda hoje não é a regra comum”, complementa.


De olho no futuro

Startups apoiadas pelo hub Eretz.Bio, do Hospital Albert Einstein, que podem ajudar a promover o envelhecimento saudável

Neurobots

Especializada em nanotecnologia, a empresa oferece soluções que atuam em processos de reabilitação, como em pacientes que sofreram acidente vascular cerebral (AVC). Por meio de um exoesqueleto que controla o cérebro e estimula a neuroplasticidade, o dispositivo promove a formação de novas conexões neurais que apoiam a recuperação da função motora comprometida. Outro exemplo é uma tecnologia de biofeedback portátil voltada para desafios enfrentados no diagnóstico e no tratamento de condições que afetam a musculatura, tão comprometida na terceira idade.

ProBrain

A empresa utiliza tecnologia para capacitar a mente a fim de interpretar e se comunicar com clareza, tendo como objetivo promover um nível mais profundo de compreensão. A plataforma Afinando o Cérebro estimula as habilidades comunicativas, de memória e atenção, com jogos interativos e educativos. Outra aplicação da empresa usa inteligência artificial para estimulação auditiva a partir de uma triagem que identifica áreas de aprimoramento. Segundo a ProBrain, os transtornos do processamento auditivo central afetam 20% da população brasileira e podem aumentar em cinco vezes o risco de demência.

Wecare Skin

Empresa brasileira que desenvolve produtos para cuidados da pele e mucosa oral de pacientes em tratamento oncológico. Um deles substitui o sabonete comum, sendo indicado para a limpeza e prevenção do ressecamento da pele causado pela quimioterapia e pela radioterapia. Já a loção para corpo e rosto minimiza os efeitos do ressecamento e auxilia no clareamento de manchas na pele derivadas do tratamento. Mais de 55.000 pessoas já usaram as soluções da empresa.


Rotina de cuidados a um toque

O uso de tecnologias assistivas também está em expansão nas Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs), popularmente conhecidas como casas de repouso. A plataforma Gero360, por exemplo, centraliza informações dos pacientes em um sistema com interface amigável e documenta a rotina de cuidados para a gestão completa das necessidades. “Esse é um mercado muito carente de informação organizada. Quanto mais conhecemos os dados de cada indivíduo e suas necessidades, mais conseguimos estabelecer um plano de cuidado individualizado, mesmo num ambiente coletivo”, afirma o CEO, Leônidas Porto.


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