Bandeira do Brasil (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 4 de julho de 2011 às 06h00.
São Paulo - Sigmund Freud, pai da psicanálise, passou boa parte da carreira tentando entender como traumas do passado podiam ser revividos continuamente e fazer com que o paciente perdesse a confiança no presente e no futuro.
Na psicanálise, esse comportamento é chamado de neurose. Se transportado para a teoria econômica brasileira, o medo de reviver o passado tem outro nome: indexação, o mecanismo que reajusta os valores no presente com base na inflação do passado.
Mesmo após 17 anos de estabilidade econômica, tanto contratos, aluguéis e investimentos como salários e aposentadorias permanecem atrelados a diferentes indicadores criados para recompor perdas em caso de corrosão inflacionária.
Os economistas até entendem as raízes de tal apego, mas lembram que já passou da hora de encarar esse tema espinhoso e superá-lo. “É difícil se desligar daquele desgraçado passado inflacionário”, afirma o economista Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real. “Mas não conseguiremos completar a estabilização se não desindexarmos a economia.”
A indexação é uma criação brasileira dos anos 80. Em outros países, quando o custo de vida saiu do controle, o que se viu foi a troca da moeda local por uma mais forte, geralmente o dólar.
Ao ser concebida, deveria proteger apenas uns poucos contratos empresariais, mas contaminou produtos e serviços até alojar-se em definitivo nos lares por meio do reajuste dos salários. Quando os estudiosos do tema perceberam que a indexação perpetuava a inflação, o país já estava viciado em olhar para trás.
O Plano Real previa a desindexação, mas o Congresso Nacional recusou-se a negociar qualquer medida que mudasse as fórmulas de reajuste. Nos anos de inflação relativamente controlada que se seguiram ao Real, o efeito perverso da indexação permaneceu às escuras.
Mas agora, quando se sabe que pelo segundo ano consecutivo a inflação pode encostar em 6%, bem acima do centro da meta de 4,5%, ela mostra seus malefícios.
Uma onda de reajustes de contratos, de preços e de greves por aumento salarial varre o país, com um estardalhaço que há muito não se via. O medo dos economistas, agora, é de uma nova espiral inflacionária (ainda que em ritmo nem de perto comparável a nosso pior momento).
Por isso, há consenso entre os economistas de que o ponto de partida para desindexar a economia é a mudança cultural: “O país precisa entender que a indexação é uma acomodação perversa à inflação e deve ser eliminada gradualmente”, diz o economista Eduardo Giannetti, professor do Insper, de São Paulo. “Isso só ocorrerá se a sociedade recuperar a confiança nas metas de inflação e na economia.”
O primeiro passo, numa agenda de desindexação, poderá ser dado no dia 30 de junho, quando o Conselho Monetário Nacional reúne-se para estabelecer a meta de 2013. Seria um bom começo reduzi-la para 4%.
Parte da insegurança de hoje vem do fato de a meta permanecer em 4,5% desde 2006, indicando falta de vontade de lutar por uma inflação realmente baixa. “Quanto menor é a meta que se persegue, menor a chance de a inflação passada alimentar a inflação futura”, diz o economista Raul Velloso.
As etapas seguintes dessa agenda passariam pela criação de uma meta de longo prazo (de 3% em 2020, segundo Bacha), pela gradual retirada dos índices de preço de contratos e tarifas e pelo desarme da bomba-relógio do salário mínimo, hoje atrelado à variação do PIB e ao INPC (estima-se uma alta do mínimo de 13% em 2012, um choque nas contas da Previdência).
Um ponto importante é mudar a cultura do mercado financeiro, eliminando a possibilidade de resgate diário dos títulos. A agenda da desindexação teria de passar pelo Congresso Nacional, depois de uma longa discussão — como são as melhores terapias em grupo.