Nova York: os moradores gastam uma parte cada vez maior do salário com o aluguel | Gary Hershorn/Getty Images / (Gary Hershorn/Getty Images)
Filipe Serrano
Publicado em 12 de março de 2020 às 05h30.
Última atualização em 12 de março de 2020 às 05h30.
Para muita gente, viver numa grande cidade globalizada, como Nova York, Londres, Paris ou São Francisco, é o passaporte para uma vida de sucesso. Com algumas das melhores e mais prestigiadas universidades do planeta, bem como escritórios de multinacionais e uma vida multicultural, essas metrópoles mundiais se estabeleceram como os centros econômicos mais dinâmicos e prósperos do mundo. Por causa de sua riqueza, elas nunca foram lugares baratos de viver, é claro.
Na região de São Francisco, na Califórnia, onde estão sediadas grandes empresas de tecnologia, o aluguel de um pequeno apartamento de dois quartos custa 3.600 dólares por mês (cerca de 16.700 reais). É o aluguel mais caro do país e o valor está fora de cogitação até para a maioria dos americanos. Embora sempre tenha sido alto, o custo da moradia tem subido num ritmo tão acelerado e acima da inflação que, agora, cresce a preocupação sobre como essas cidades podem continuar sendo atraentes e, ao mesmo tempo, acessíveis.
Em qualquer país capitalista, o custo da moradia é definido pelas forças do mercado. Se existem pessoas dispostas a pagar caro por um apartamento num bairro bem localizado, a tendência é que o valor dos imóveis suba. No entanto, os moradores que não têm condições de arcar com o aumento, especialmente os de renda média e baixa, são forçados a se mudar para outras regiões.
Em São Francisco, menos de 1% das residências à venda têm preços acessíveis para professores de ensino fundamental e médio, que ganham cerca de 78.000 dólares por ano (362.300 reais), segundo um estudo recente do site de imóveis Trulia.
Embora ainda haja mais gente chegando a São Francisco do que saindo da cidade, o número de pessoas que buscam outro lugar para viver aumentou. De acordo com o site de imóveis Redfin, quase 27.000 moradores deixaram São Francisco no terceiro trimestre de 2019. Os destinos mais procurados são Sacramento, também na Califórnia, e Austin, no Texas, cidades que têm um custo de vida menor.
Um ponto que chama a atenção é a diferença de perfil entre os novos e os antigos moradores. As pessoas que se mudaram para a meca da tecnologia entre 2010 e 2016 tinham uma renda quase 19.000 dólares superior à dos habitantes que saíram de lá, ocasionando uma gentrificação da cidade.
O aumento dos custos de moradia não prejudica só as famílias de renda média e baixa. Os mais ricos também são afetados pela escalada dos preços. Com aluguéis mais altos, uma parcela maior do salário é comprometida com a moradia. Em Nova York, 34% dos moradores de renda média alta (que ganham de 45.000 a 74.999 dólares por ano) gastam de 30% a 50% do salário com moradia.
Outros 14% comprometem mais de 50% da renda. É um grupo de pessoas classificado como “sob grave pressão financeira” pelo Joint Center for Housing Studies, um instituto da Universidade Harvard especializado em estudos sobre habitação. O número de Nova York é maior do que a média nacional.
Diante dessa situação, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa tem ganhado força a ideia de controlar a variação dos preços dos imóveis por meio de lei. Pela primeira vez na história, a Califórnia adotou uma legislação estadual para limitar o aumento dos aluguéis.
Desde 1º de janeiro, os proprietários de imóveis estão proibidos de elevar o preço acima de 5% ao ano mais a inflação. Já no estado de Oregon, que adotou uma lei parecida, o limite é de 7% mais a inflação. É a primeira vez que regulações estaduais desse tipo entram em vigor nos Estados Unidos.
Fora do país, a moda do controle de aluguéis também está crescendo. A Espanha limitou o aumento dos preços à taxa de inflação. O governo da Catalunha foi além: aprovou um decreto definindo um preço de referência para os imóveis localizados nos bairros mais cobiçados de Barcelona, cidade onde o aluguel médio alcança 2.300 euros por mês, um dos mais altos da Europa.
Agora, o valor da locação nesses bairros não poderá passar de 10% acima desse valor de referência municipal. Em Paris, onde o custo de moradia subiu 50% em 15 anos, a prefeitura adotou uma regra semelhante. Desde julho, o limite para os novos aluguéis é de 20% acima do valor de referência da cidade.
Mas em nenhum lugar uma medida para controlar o preço de moradia foi tão drástica quanto em Berlim, na Alemanha. Desde 23 de fevereiro, os aluguéis na cidade estão simplesmente congelados e não poderão ser corrigidos pelos próximos cinco anos. A medida vale para imóveis construídos antes de 2014 e cobre cerca de 1,5 milhão de apartamentos. Depois de 2025, a correção dos aluguéis será limitada à inflação. O proprietário que infringir a regra poderá ser multado em 500.000 euros.
“A última vez que as medidas de controle de aluguel fizeram parte da agenda internacional foi no pós-guerra e no período de alta inflação na década de 1970”, diz Sebastian Kohl, economista do Instituto Max Planck, na Alemanha, e especialista em políticas de habitação. “Acredito que, agora, o que está por trás dessas medidas sejam os altos preços crescentes das residências.”
Embora Berlim tenha um custo de vida inferior ao de outras capitais europeias, o aluguel médio dobrou em dez anos com a chegada de novos moradores. Nos últimos 20 anos, a população cresceu de 3,3 milhões para 3,7 milhões. E a previsão é que a cidade ganhe outros 250.000 habitantes até 2030, segundo a estimativa do banco Deutsche Bank. “Por muitos anos, os preços dos imóveis e dos aluguéis ficaram estagnados. Mas desde a crise financeira de 2008 isso mudou. A imigração e as taxas de juro em queda fizeram os preços subir”, diz o economista alemão Clemens Fuest, diretor do Centro de Estudos Econômicos da Universidade de Munique.
Para quem mora em Berlim, o aumento do custo de moradia é visível. O brasileiro Daniel Chinellato, que se mudou para a capital alemã em 2017 para fazer um doutorado, diz que o aluguel de seu apartamento subiu quase 9% — e isso é muito para um país com inflação na casa de 1% ao ano. Ele procura um novo apartamento, mas os lugares mais em conta ficam longe da universidade. “Todo mundo que conheço está buscando alternativas, mas não está fácil encontrar lugares para morar”, diz.
As medidas adotadas em Berlim e em outras cidades mundo afora são controversas. Estudos de economistas mostram que o controle de aluguel é o tipo de política bem-intencionada que acaba causando mais problemas do que soluções. Com o preço limitado, a tendência é que construtoras se sintam desestimuladas a lançar novas unidades, fazendo a oferta de imóveis cair e elevando ainda mais o preço de outros apartamentos e casas que não têm o preço regulado. Outro problema é que os proprietários deixam de fazer reformas e melhorias nos imóveis, pois terão dificuldade de obter retorno.
Para Fuest, da Universidade de Munique, o ideal seria investir em políticas para a baixa renda, construir mais casas e melhorar a infraestrutura das cidades, facilitando a mobilidade nos bairros mais afastados. “Entendo que as famílias de baixa renda são sobrecarregadas pelos aluguéis altos. Mas o controle é a resposta errada, pois levará a um declínio na oferta de moradias, piorando o problema”, diz.
O diagnóstico está correto: as grandes cidades ficaram caras demais. Mas a solução seguida até aqui pode complicar mais a situação de quem precisa de moradia. n globalizada, como Nova York, Londres, Paris ou São Francisco, é o passaporte para uma vida de sucesso. Com algumas das melhores e mais prestigiadas universidades do planeta, bem como escritórios de multinacionais e uma vida multicultural, essas metrópoles mundiais se estabeleceram como os centros econômicos mais dinâmicos e prósperos do mundo.
Por causa de sua riqueza, elas nunca foram lugares baratos de viver, é claro. Na região de São Francisco, na Califórnia, onde estão sediadas grandes empresas de tecnologia, o aluguel de um pequeno apartamento de dois quartos custa 3.600 dólares por mês (cerca de 16.700 reais). É o aluguel mais caro do país e o valor está fora de cogitação até para a maioria dos americanos.
Embora sempre tenha sido alto, o custo da moradia tem subido num ritmo tão acelerado e acima da inflação que, agora, cresce a preocupação sobre como essas cidades podem continuar sendo atraentes e, ao mesmo tempo, acessíveis.
Em qualquer país capitalista, o custo da moradia é definido pelas forças do mercado. Se existem pessoas dispostas a pagar caro por um apartamento num bairro bem localizado, a tendência é que o valor dos imóveis suba. No entanto, os moradores que não têm condições de arcar com o aumento, especialmente os de renda média e baixa, são forçados a se mudar para outras regiões.
Em São Francisco, menos de 1% das residências à venda têm preços acessíveis para professores de ensino fundamental e médio, que ganham cerca de 78.000 dólares por ano (362.300 reais), segundo um estudo recente do site de imóveis Trulia.
Embora ainda haja mais gente chegando a São Francisco do que saindo da cidade, o número de pessoas que buscam outro lugar para viver aumentou. De acordo com o site de imóveis Redfin, quase 27.000 moradores deixaram São Francisco no terceiro trimestre de 2019. Os destinos mais procurados são Sacramento, também na Califórnia, e Austin, no Texas, cidades que têm um custo de vida menor.
Um ponto que chama a atenção é a diferença de perfil entre os novos e os antigos moradores. As pessoas que se mudaram para a meca da tecnologia entre 2010 e 2016 tinham uma renda quase 19.000 dólares superior à dos habitantes que saíram de lá, ocasionando uma gentrificação da cidade.
O aumento dos custos de moradia não prejudica só as famílias de renda média e baixa. Os mais ricos também são afetados pela escalada dos preços. Com aluguéis mais altos, uma parcela maior do salário é comprometida com a moradia. Em Nova York, 34% dos moradores de renda média alta (que ganham de 45.000 a 74.999 dólares por ano) gastam de 30% a 50% do salário com moradia.
Outros 14% comprometem mais de 50% da renda. É um grupo de pessoas classificado como “sob grave pressão financeira” pelo Joint Center for Housing Studies, um instituto da Universidade Harvard especializado em estudos sobre habitação. O número de Nova York é maior do que a média nacional.
Diante dessa situação, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa tem ganhado força a ideia de controlar a variação dos preços dos imóveis por meio de lei. Pela primeira vez na história, a Califórnia adotou uma legislação estadual para limitar o aumento dos aluguéis.
Desde 1º de janeiro, os proprietários de imóveis estão proibidos de elevar o preço acima de 5% ao ano mais a inflação. Já no estado de Oregon, que adotou uma lei parecida, o limite é de 7% mais a inflação. É a primeira vez que regulações estaduais desse tipo entram em vigor nos Estados Unidos.
Fora do país, a moda do controle de aluguéis também está crescendo. A Espanha limitou o aumento dos preços à taxa de inflação. O governo da Catalunha foi além: aprovou um decreto definindo um preço de referência para os imóveis localizados nos bairros mais cobiçados de Barcelona, cidade onde o aluguel médio alcança 2.300 euros por mês, um dos mais altos da Europa.
Agora, o valor da locação nesses bairros não poderá passar de 10% acima desse valor de referência municipal. Em Paris, onde o custo de moradia subiu 50% em 15 anos, a prefeitura adotou uma regra semelhante. Desde julho, o limite para os novos aluguéis é de 20% acima do valor de referência da cidade.
Mas em nenhum lugar uma medida para controlar o preço de moradia foi tão drástica quanto em Berlim, na Alemanha. Desde 23 de fevereiro, os aluguéis na cidade estão simplesmente congelados e não poderão ser corrigidos pelos próximos cinco anos. A medida vale para imóveis construídos antes de 2014 e cobre cerca de 1,5 milhão de apartamentos. Depois de 2025, a correção dos aluguéis será limitada à inflação. O proprietário que infringir a regra poderá ser multado em 500.000 euros.
“A última vez que as medidas de controle de aluguel fizeram parte da agenda internacional foi no pós-guerra e no período de alta inflação na década de 1970”, diz Sebastian Kohl, economista do Instituto Max Planck, na Alemanha, e especialista em políticas de habitação. “Acredito que, agora, o que está por trás dessas medidas sejam os altos preços crescentes das residências.”
Embora Berlim tenha um custo de vida inferior ao de outras capitais europeias, o aluguel médio dobrou em dez anos com a chegada de novos moradores. Nos últimos 20 anos, a população cresceu de 3,3 milhões para 3,7 milhões. E a previsão é que a cidade ganhe outros 250.000 habitantes até 2030, segundo a estimativa do banco Deutsche Bank.
“Por muitos anos, os preços dos imóveis e dos aluguéis ficaram estagnados. Mas desde a crise financeira de 2008 isso mudou. A imigração e as taxas de juro em queda fizeram os preços subir”, diz o economista alemão Clemens Fuest, diretor do Centro de Estudos Econômicos da Universidade de Munique. Para quem mora em Berlim, o aumento do custo de moradia é visível.
O brasileiro Daniel Chinellato, que se mudou para a capital alemã em 2017 para fazer um doutorado, diz que o aluguel de seu apartamento subiu quase 9% — e isso é muito para um país com inflação na casa de 1% ao ano. Ele procura um novo apartamento, mas os lugares mais em conta ficam longe da universidade. “Todo mundo que conheço está buscando alternativas, mas não está fácil encontrar lugares para morar”, diz.
As medidas adotadas em Berlim e em outras cidades mundo afora são controversas. Estudos de economistas mostram que o controle de aluguel é o tipo de política bem-intencionada que acaba causando mais problemas do que soluções. Com o preço limitado, a tendência é que construtoras se sintam desestimuladas a lançar novas unidades, fazendo a oferta de imóveis cair e elevando ainda mais o preço de outros apartamentos e casas que não têm o preço regulado.
Outro problema é que os proprietários deixam de fazer reformas e melhorias nos imóveis, pois terão dificuldade de obter retorno. Para Fuest, da Universidade de Munique, o ideal seria investir em políticas para a baixa renda, construir mais casas e melhorar a infraestrutura das cidades, facilitando a mobilidade nos bairros mais afastados.
“Entendo que as famílias de baixa renda são sobrecarregadas pelos aluguéis altos. Mas o controle é a resposta errada, pois levará a um declínio na oferta de moradias, piorando o problema”, diz. O diagnóstico está correto: as grandes cidades ficaram caras demais. Mas a solução seguida até aqui pode complicar mais a situação de quem precisa de moradia.