João Paulo Ferreira, presidente da Natura: “É possível conciliar conservação ambiental e desenvolvimento” (Leandro Fonseca/Exame)
Da Redação
Publicado em 7 de novembro de 2019 às 05h28.
Última atualização em 7 de novembro de 2019 às 10h03.
O óleo de palma é o óleo vegetal mais utilizado em todo o mundo. O insumo integra a fórmula de metade dos bens de consumo fabricados pelas indústrias alimentícia e de produtos de higiene e beleza. Mas está longe de ser uma unanimidade quando o assunto é sustentabilidade.
Sua cadeia produtiva, quando dissociada dos cuidados ambientais e sociais necessários, pode induzir ao desmatamento, à perda de biodiversidade, ao aumento dos gases de efeito estufa e à exploração de trabalhadores.
Esses riscos estiveram presentes na história recente da expansão do cultivo no mundo, especialmente em países como Indonésia e Malásia, que detêm 85% da produção global. Desde 2007, a principal resposta da indústria a esses riscos tem sido comprar de fornecedores certificados pela Mesa Redonda da Palma Sustentável, um padrão global que assegura as boas práticas. A Natura, além de exigir a certificação em todas as compras do insumo, vem trabalhando para consolidar um modelo de produção alternativo à monocultura. No sistema agroflorestal, a palma compartilha o terreno com cacau, açaí, andiroba, mandioca e pimenta.
São muitas as vantagens do modelo. “As espécies arbóreas ajudam na regulação do clima e no regime de chuvas e estabelecem corredores ecológicos. Além disso, os cultivos de ciclos mais curtos geram renda ao produtor antes mesmo de a palma começar a produzir, algo que acontece entre o terceiro e o quarto ano”, afirma Keyvan Macedo, gerente de sustentabilidade da Natura. Implantado em caráter piloto em uma área de 38 hectares no Pará, o modelo passou também no teste de produtividade, com índices por hectare semelhantes aos da monocultura ou até maiores.
O próximo passo é dar escala comercial ao modelo com sua expansão para outros produtores, prioritariamente agricultores familiares. O trabalho integra uma série de iniciativas da Natura na região amazônica, considerada estratégica para a empresa. “A floresta é uma fonte inestimável de recursos da bioeconomia, com imenso potencial para a inovação em diversas dimensões”, afirma João Paulo Ferreira, presidente da Natura.
“Nossa operação na Amazônia tem provado na prática que é possível conciliar conservação ambiental e desenvolvimento econômico.” Além das iniciativas localizadas de negócio, como o impulso aos produtores de insumos locais, a Natura fortalece os laços com a região e suas comunidades por meio da realização de diversos projetos que estimulam a geração de renda e o manejo sustentável dos ativos da biodiversidade local.
Depois de lançar uma água mineral cujo lucro é investido em projetos sociais, a Ambev cria uma linha de cervejas de mandioca para incentivar pequenos agricultores | Bruno Toranzo
A seca que castigou o semiárido brasileiro de 2012 a 2017 foi a pior da história da região, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia. Desde o começo dos registros, em 1845, nunca havia ocorrido um período de seis anos consecutivos de estiagem. Para ajudar a população atingida pela seca, a Cervejaria Ambev lançou há dois anos uma água mineral, batizada de Ama, cujo lucro é integralmente revertido para projetos de melhoria do acesso à água potável. “Até o fim deste ano, teremos 43 000 pessoas beneficiadas pelos projetos financiados pela Ama”, diz Carla Crippa, diretora de sustentabilidade da Ambev. Até o momento, a empresa destinou mais de 2 milhões de reais a 29 projetos de acesso à água em estados como Bahia, Ceará, Paraíba e Pernambuco.
Só na cidade paraibana de Itatuba, a construção, no ano passado, de uma cisterna na escola de ensino fundamental levou água potável para mais de 3 000 pessoas. A população — não somente os alunos — foi beneficiada pela obra, que contemplou também um sistema para reutilização da água.
Por meio dele, a água usada na cozinha é tratada e reaproveitada para regar hortas e pomares, também implementados pelo projeto. A frequência diária dos alunos à escola melhorou consideravelmente, com uma queda de 35% nas faltas. “Percebemos que a taxa de abstenção é alta nas escolas do semiárido”, afirma Carla. “As crianças vivem doentes porque sofrem com diarreia constante e outros problemas de saúde causados pelo consumo de água não potável.”
Até o fim deste ano, a Ambev pretende lançar a água Ama em lata de 350 mililitros, em versões com gás e sem gás — será a primeira água mineral com essa embalagem no Brasil. A ideia é tirar proveito da ampla rede de reciclagem de latas de alumínio existente no país. O Brasil é líder mundial na reciclagem de latas de alumínio, com um índice de reaproveitamento de embalagens superior a 97%.
Em outra frente, a Ambev lançou no ano passado três cervejas que incluem um ingrediente bem conhecido dos brasileiros: a mandioca, comprada dos pequenos produtores de três estados do Nordeste. As cervejas são comercializadas com os rótulos Nossa (em Pernambuco), Magnífica (no Maranhão) e Legítima (no Ceará). “Além de garantir a compra da mandioca, damos assistência técnica aos agricultores para tornar o negócio mais sustentável”, afirma Carla. Nos três estados, 213 famílias participam do projeto — muitas delas não produziam mandioca anteriormente. Até agora, foi gerada uma receita de mais de 3 milhões de reais para esses pequenos produtores.
A fabricante e distribuidora de bebidas Brasal promove a coleta de embalagens plásticas em escolas públicas no entorno de suas operações | Pedro Marques
Presente nos estados de Goiânia e Minas Gerais e no Distrito Federal, a holding Brasal atua em várias frentes. Sua história começa em 1963, em Brasília, apenas três anos depois da inauguração da capital nacional, quando o empreendedor Osório Adriano Filho comprou a concessionária Brasília Serviços Automotores. De lá para cá, os negócios se expandiram para segmentos distintos, como distribuição de combustíveis, hotelaria, construção civil e fabricação e distribuição de bebidas e refrigerantes. Esta última divisão, criada em 1989, é responsável por mais da metade do faturamento. Também é nela que as ações relacionadas à sustentabilidade se destacam.
A Brasal Refrigerantes tem cinco centros de distribuição em Goiânia e em Minas Gerais. Nessas áreas, mais de 21 000 pontos de venda são atendidos pela companhia. Todo o volume resulta também numa quantidade considerável de garrafas de plástico tipo PET, que ainda representam um desafio para as empresas, pois esse tipo de embalagem não conta com uma cadeia de reciclagem estabelecida, como se vê no caso das latas de alumínio.
Para começar a reduzir o impacto desses resíduos no ambiente, a empresa lançou, em 2018, o Vem com a Gente, programa de logística reversa que procura engajar alunos de escolas do ensino médio e fundamental do Distrito Federal a destinar corretamente as garrafas. “O objetivo é mostrar que esse material tem valor”, afirma Rita Viana, gerente de qualidade da Brasal Refrigerantes.
A maneira encontrada para transmitir essa mensagem a crianças e adolescentes foi promover uma gincana entre as unidades de ensino. As escolas foram selecionadas e divididas em grupos de acordo com a quantidade de alunos. Em seguida, a Brasal instalou coletores nos prédios e promoveu ações educativas sobre a importância de reaproveitar as embalagens PET.
As escolas que recolhem mais garrafas são premiadas com um valor em dinheiro, que só pode ser usado na melhoria da infraestrutura das instituições ou na compra de bens. A brincadeira começou a ficar séria neste ano, quando o Vem com a Gente alcançou 15 instituições no primeiro semestre, que foram divididas em três grupos e tiveram três meses para coletar embalagens. Segundo a empresa, o resultado foi o recolhimento de 12,4 toneladas de PET. O programa continua com mais 15 escolas. “O número, por ora, é pequeno. Mas aos poucos vamos deixando um legado”, diz Rita. “Mais da metade das escolas quis manter o coletor, porque as crianças continuam recolhendo as garrafas e a cooperativa continua enviando o PET para reciclagem.”
Do consumo eficiente de água à formação de pequenos fornecedores na Amazônia, a Coca-Cola começa a gerar impactos positivos na cadeia de suprimentos | Pedro Marques
Maior produtora e distribuidora de bebidas do mundo, a americana Coca-Cola tem mais de 200 produtos no Brasil, entre chás, cafés, sucos e refrigerantes. Aproveitar ao máximo a água, sua principal matéria-prima, é essencial para os números da empresa. De acordo com Andrea Mota, diretora de sustentabilidade da Coca-Cola no Brasil, hoje a companhia usa 1,6 litro de água para cada litro de bebida produzida. A neutralidade hídrica, por sua vez, foi alcançada em 2015, o que quer dizer que a Coca-Cola devolve ao meio ambiente a mesma quantidade de água usada na cadeia produtiva. Isso se tornou possível com medidas de consumo eficiente e tratamento de água residual das fábricas.
Além dos domínios de suas linhas de produção, a companhia criou, em 2017, o projeto Água+ Acesso, com participação de concorrentes diretos, como Ambev e PepsiCo. Entre as metas do programa está levar água potável para comunidades rurais. No primeiro ano, a iniciativa contou com nove parceiros e chegou a três estados, beneficiando 4 000 pessoas. De lá para cá, a Coca-Cola investiu 13 milhões de reais no projeto, ampliando o alcance para 75 000 beneficiados. Para o próximo ano, a expectativa é aportar mais 2 milhões de reais e incluir mais 25 000 pessoas.
Outro ponto que recebe atenção especial na operação brasileira da Coca-Cola são insumos como frutas, que entram na composição de várias bebidas. Entre elas, o guaraná, usado em oito refrigerantes, é um dos mais importantes. Desde 2017, a empresa investe num sistema de rastreabilidade para garantir que 100% da fruta seja proveniente da Amazônia. Os dados ainda são validados pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), que também ajudou a desenvolver o sistema de rastreabilidade. A Coca-Cola não revela o volume de compra de guaraná por ano, mas afirma que metade da quantidade utilizada já vem de pequenos produtores, participantes do projeto Olhos da Floresta. Nessa iniciativa, técnicos do Imaflora ensinam os agricultores a plantar e cuidar das mudas da árvore de guaraná.
A fabricante de bebidas garante a compra de toda a produção, a preço de mercado. “O mais óbvio seria comprar de um único fornecedor. Mas nem sempre as decisões seguem apenas a lógica financeira, mas também a do desenvolvimento sustentável”, afirma Andrea. O projeto Olhos da Floresta já beneficia 242 famílias, que formaram oito cooperativas em 12 municípios pequenos. Em 2020, a cadeia de produção de guaraná deverá envolver 300 famílias e 15 municípios da região amazônica.
Na criação de uma rede de catadores ou de produtores familiares de orgânicos, a Danone tenta aliar objetivos do negócio a um impacto social e ambiental positivo | Judith Mota
No caminho da produção aos pontos de distribuição e consumo, o plástico, o papelão e o papel das embalagens servem para acondicionar, proteger e facilitar o transporte de iogurtes, leites e águas.
Uma vez consumido o produto, essas funções deixam de ter sentido, e o que era solução pode se tornar um problema, como a destinação inadequada dos resíduos. Para evitar que isso ocorra, a Danone segue o conceito de economia circular, que prevê que os resíduos pós-consumo retornem ao ciclo produtivo como matéria-prima. Hoje, 87% das embalagens usadas pela companhia francesa mundialmente podem ser recicladas, reutilizadas ou passar por compostagem. A meta é chegar a 100% até 2025.
No Brasil, com o apoio a cooperativas de catadores, a empresa assegura a recuperação de um volume equivalente a 78% das embalagens que coloca no mercado. Foram quase 40 000 toneladas recuperadas em 2018, junto com 1 400 catadores de 76 cooperativas em Minas Gerais e São Paulo.
Ao estimular os negócios entre recicladoras locais, seus fornecedores de embalagens e essas cooperativas, a Danone começa a fechar o ciclo dos materiais no próprio setor. “Assim aumentamos a possibilidade de renda dos cooperados porque deixa de existir a figura do atravessador”, afirma Lígia Camargo, líder de sustentabilidade da Danone no Brasil. De 2012 a 2018, a renda média dos cooperados subiu de 490 para 1 200 reais. A compra de PET pós-consumo, por exemplo, é feita por recicladoras do sul de Minas Gerais, e o material entra também na composição das garrafas de 2,25 litros de água comercializadas pela Danone, que desde 2017 já eram feitas com 25% de matéria-prima reciclada. Diante da demanda real de uma recicladora, identificada com a ajuda da Danone, umas das cooperativas viu seu volume mensal de comercialização aumentar de 200 quilos para 9 toneladas.
Com o mesmo impacto de geração de renda, o projeto Kiteiras forma uma rede de vendedoras porta a porta de “kits” de iogurtes em comunidades de baixa renda em cinco estados. Ao buscar desenvolver o empreendedorismo feminino, o projeto já envolve 3 000 mulheres que vendem os produtos da marca como uma alternativa de renda. A empresa estima que 180 000 famílias tenham sido impactadas no ano passado. Outro projeto, o Caruanas, pretende converter 250 agricultores para produção orgânica famíliar no estado do Rio de Janeiro, em Nova Iguaçu e Duque de Caxias, com duplo objetivo: aumentar a renda da população local e proteger a nascente de água na região, onde está uma fábrica de água mineral Bonafont.
Com o uso de biomassa e outros materiais, a fabricante de bebidas Diageo eliminou 60% das emissões de carbono no último ano — acima do objetivo global | Carla Aranha
Líder mundial em bebidas destiladas, a britânica Diageo vem conquistando resultados expressivos no Brasil. No último ano fiscal, a empresa reportou em seu relatório de resultados global um aumento de 11% nas vendas no país, quase o dobro do crescimento no mundo, de 6,1% — embora o valor da receita local não seja revelado. A empresa registrou mundialmente um faturamento de 12,9 bilhões de libras e um lucro operacional de 4 bilhões no último ano. A procura pelo gim Tanqueray cresceu mais de dois dígitos no Brasil de julho de 2018 a julho de 2019. Outras marcas conhecidas da empresa, como o uísque Jonnhie Walker, a vodca Smirnoff e a cachaça Ypióca, também puxam a expansão do negócio.
Além de estratégias bem boladas para estimular o crescimento econômico, a Diageo tem dado atenção especial à questão da sustentabilidade. Em 2014, foram estabelecidas as metas globais para a redução do consumo de água, das emissões de gases de efeito estufa e da quantidade de resíduos enviados a aterros sanitários. A Diageo liderou a criação de um programa de reaproveitamento de garrafas de bebidas alcoólicas — em quase uma década do projeto, batizado de Glass is Good, foram recicladas 28 000 toneladas de vidro. Outro objetivo é promover o uso de energia renovável.
A operação no Brasil destaca-se em quase todos esses quesitos. “Neste ano, começamos a utilizar para a geração de energia resíduos de árvores que são podadas, medida que é ainda mais sustentável”, diz Daniela De Fiori, diretora de relações corporativas e sustentabilidade da Diageo. A utilização de biomassa de bagaço de cana na unidade de Messejana, também no Ceará, e melhorias nos sistemas de produção, permitiram outra importante conquista. No último ano fiscal, as emissões de gás carbônico caíram 60% no Brasil, acima da meta global de corte de 50%.
No mercado de bebidas alcoólicas, consumidas cada vez mais precocemente pela população, o aspecto social também representa um foco de atenção. Em abril deste ano, a Diageo lançou um programa, em conjunto com o governo do Ceará, estado em que tem forte presença, para conscientizar estudantes de 180 escolas públicas sobre os malefícios do álcool. A empresa precisará avançar mais nesse aspecto para fazer valer, de fato, o pacto de sustentabilidade.
Na promoção da diversidade entre os funcionários, o destaque neste ano é a adoção, desde julho, da nova política global de licença familiar. Mulheres e homens passaram a ter direito à licença de seis meses com salário integral. A novidade vale para todos os níveis hierárquicos.
Fabricante de produtos de higiene e cosméticos, o Grupo Boticário faz parcerias na cadeia de insumos para reduzir o impacto das fórmulas nas embalagens que utiliza | Judith Mota
A cada produto que coloca no mercado, o Grupo Boticário considera uma série de atributos para assegurar que seu desempenho em sustentabilidade seja superior ao dos produtos ou versões anteriores. O check-list é amplo e cobre todo o ciclo de vida do portfólio do grupo, dono das marcas de produtos de higiene e beleza O Boticário, Eudora, Quem disse, Berenice?, The Beauty Box, Vult e Multi B.
Redução do consumo de recursos naturais, uso de matérias-primas com menor impacto ambiental, ingredientes veganos, diminuição de riscos a ambientes aquáticos e reciclabilidade pós-consumo das embalagens são alguns dos aspectos levados em conta. De modo rotineiro, eles impulsionam a inovação nas etapas de concepção do produto, pesquisa de matérias-primas, relacionamento com a cadeia de suprimentos, produção e distribuição.
Nesse esforço, o Boticário lançou neste ano o primeiro perfume brasileiro com álcool de segunda geração, produzido do resíduo vegetal da fabricação tradicional de álcool, o bagaço da cana-de-açúcar e a palha. “Desafiamos nosso fornecedor a aproveitar o bagaço para mais uma rodada de produção de álcool. O próximo passo é ampliar a aplicação em mais produtos”, afirma Eduardo Fonseca, diretor de assuntos institucionais do Grupo Boticário.
Para as usinas produtoras, o aproveitamento do bagaço pode significar um aumento de até 50% na produtividade por hectare e uma redução de 35% na emissão de gases de efeito estufa. A tecnologia do álcool de segunda geração é fruto de pesquisas do próprio setor sucroalcooleiro, mas o novo mercado, criado pela demanda do Boticário por melhorias ambientais no insumo, é fundamental para a produção ganhar escala e alcançar competitividade comercial.
Em outro exemplo de parcerias com fornecedores, a empresa simplificou a composição de plásticos usada nas cápsulas de batom. Em vez de uma mistura de seis ou sete polímeros, cada um com densidade e características específicas, algo que dificultava a reciclagem, agora utiliza um mesmo polímero em toda a embalagem. A novidade já foi incorporada na principal linha de batons do grupo. Todos os anos, o grupo lança cerca de 2 600 produtos no mercado. No balanço parcial de 2019, 88% dos novos itens apresentam melhorias em sustentabilidade. “É um caminho sem volta na gestão do portfólio”, diz Fonseca. “A ecoeficiência — redução do consumo de água e energia na produção — já faz parte do nosso dia a dia. Agora estamos mais focados para a transformação e para a inovação a fim de impactar de fato toda a cadeia.”
Com metas de eficiência e responsabilidade, o Grupo Malwee é o único integrante brasileiro do pacto pela sustentabilidade mais relevante do setor no mundo | Pedro Marques
Sustentabilidade é um tema especialmente crítico entre as empresas de moda, no Brasil e no mundo. O problema que mais aparece é o trabalho análogo ao escravo na cadeia produtiva, quando os fornecedores contratados para produzir as peças submetem seus funcionários a condições degradantes e a baixos salários.
Outro desafio é o alto consumo de água desde a produção do algodão no campo até as linhas de produção. Segundo estudo da Fundação Ellen MacArthur, ONG especializada na economia circular, a produção de roupas dobrou no mundo desde os anos 2000 com a ascensão do conceito de fast fashion, que estimula o consumo e o descarte rápido de peças.
Para tentar reverter esse cenário, foi anunciado em agosto, durante o encontro do G7, no balneário francês de Biarritz, o Fashion Pact, acordo entre 32 empresas que têm cerca de 150 marcas, como Adidas, Chanel e Prada, para reduzir o impacto do setor no meio ambiente.
Do Brasil, até o momento, apenas o catarinense Grupo Malwee é signatário do pacto. “Temos compromissos nesse sentido há muito tempo”, diz Guilherme Weege, presidente do Malwee. Em 2015, a empresa lançou o Plano Sustentabilidade 2020, com metas como a redução do consumo de recursos naturais e das emissões de gases de efeito estufa. Muitos desses objetivos foram cumpridos, de acordo com Taise Beduschi, gestora de sustentabilidade do grupo.
Em 2017, o Malwee investiu 7 milhões de reais para substituir a caldeira de gás natural por biomassa, e obteve uma redução de 68% nas emissões de gases de efeito estufa. “Tivemos ganhos ambientais e econômicos”, diz a executiva. Na questão da água, o patamar de consumo considerado ideal só virá com uma nova lavanderia, que estará em operação no ano que vem. “Nossas peças de jeans terão uma redução de 99% no uso de água”, afirma Taise.
O trabalho digno na cadeia produtiva é outro ponto que demanda atenção. A companhia trabalha com cerca de 70 oficinas de costura terceirizadas, mas apenas 46% delas têm o certificado que atesta condições dignas de trabalho. “Já tivemos 76% dos fornecedores certificados, mas com a crise esse número caiu. Nossa meta é chegar ao final do ano com 60% deles e, em 2020, com 100%”, diz Taise.
Para atingir esse objetivo, o Grupo Malwee oferece consultoria às oficinas terceirizadas e cobre os custos da certificação. No próximo ano, a companhia deve apresentar seu novo plano de sustentabilidade para o decênio 2020-2030. Entre os aspectos que serão considerados estão o uso de tecidos sustentáveis e o prolongamento da vida útil das roupas.
A fabricante de cosméticos L’oréal tem a meta de, até 2020, tornar 100% das embalagens reutilizáveis, recicláveis ou compostáveis, além de zerar as emissões de carbono | Carla Aranha
Maior fabricante de cosméticos do mundo, a L’oréal estabeleceu, em 2013, um compromisso interno no Brasil para diminuir o impacto ambiental de suas operações. Com um faturamento global de 26,9 bilhões de euros no ano fiscal encerrado em agosto de 2019 e com operações em 150 países, a empresa francesa está prestes a cumprir boa parte das metas estabelecidas. Chegar a esse ponto exigiu disciplina.
Em 2017, a subsidiária brasileira começou a trabalhar com um programa que avalia o perfil social e ambiental dos produtos, por uma série de parâmetros. Um do índices mais relevantes, nesse contexto, é o da biodegradabilidade das fórmulas.
Quanto mais fácil a decomposição dos produtos depois de usados — xampus, sabonetes ou protetores solares —, pela ação natural de microrganismos, menor é o impacto causado no meio ambiente. Hoje, o índice de biodegradabilidade dos xampus é de 91% e o de géis de banho chega a 89%.
Um dos pilares da inovação e da sustentabilidade da L’Oréal também está calcado na forma como são testados os produtos. Eles são examinados e avaliados em pele humana reconstituída, desenvolvida por meio de uma tecnologia que permite a multiplicação das células em laboratório. Em 2018, a companhia começou a compartilhar a prática com centros de pesquisa no Brasil. Em meados deste ano, o tecido humano cultivado em laboratório passou a ser vendido para outras instituições e empresas. “Queremos fomentar o desenvolvimento científico e de cunho sustentável”, diz Maya Colombani, diretora de sustentabilidade da L’Oréal no Brasil.
A empresa ainda tem desafios pela frente. Até 2020, 100% das embalagens terão de ser reutilizáveis, recicláveis ou compostáveis. Para isso, marcas como a Colorama passaram por uma revisão. Hoje, as embalagens dos esmaltes são feitas de material plástico reciclado.
No quesito das emissões de carbono, a L’Oréal conquistou um marco histórico no Centro de Distribuição de Santa Rita, no Rio de Janeiro. Com uma gestão mais eficiente na refrigeração dos produtos e o uso de fontes de energia renováveis, a unidade conseguiu zerar as emissões de carbono em 2018.
Outras unidades seguem o mesmo caminho. As fontes alternativas de geração de eletricidade, como painéis solares e biomassa, já representam mais de 60% da necessidade de consumo nas fábricas e nos centros de distribuição. No ano passado, a L’Oréal alcançou 68% de redução das emissões de gases de efeito estufa em suas fábricas e centros de distribuição no país em relação a 2005. A meta é zerar as emissões até 2020.
Para dar velocidade à busca de novos materiais e ampliar a reciclagem de embalagens, a fabricante de alimentos Nestlé tem usado uma plataforma de inovação aberta | Carla Aranha
Em janeiro, a suíça Nestlé decidiu eliminar no mundo todo o uso de canudo de plástico em suas embalagens até 2025. O produto deve ser substituído por similar de papel. O desafio da empresa é grande. “Ainda não há um número suficiente de fornecedores nem de opções de materiais”, afirma Cristiane Vieira, gerente de sustentabilidade ambiental da Nestlé no Brasil. Para resolver problemas como esse, a fabricante de alimentos passou a atuar como uma aceleradora de startups.
Para isso, a Nestlé lançou um desafio em sua plataforma global de inovação aberta. O vencedor, de Fortaleza, foi acelerado pela Nestlé para a implantação de um protótipo de Nescau Prontinho com canudo acoplado para dobrar, do mesmo material da embalagem atual. Em outra frente, a Nestlé firmou uma parceria com o aplicativo Cataki, criado em 2017, que mostra os pontos de coleta de lixo e os catadores mais próximos ao local. No Brasil, a média de aproveitamento de materiais recicláveis é de menos de 4%. “Facilitar a destinação correta do lixo é importante para aumentar esse índice”, diz Cristiane.
Uma das metas mais ambiciosas de sustentabilidade da companhia já foi atingida. A Nestlé conseguiu zerar o descarte de resíduos de suas fábricas em aterros sanitários. A empresa tem centrado esforços em incentivar os consumidores a separar e descartar o lixo corretamente. O investimento em materiais que possam ser reaproveitados também segue firme e forte. As cápsulas do café Nespresso já são totalmente recicláveis.
A Nestlé mantém hoje mais de 100 pontos de coleta das embalagens, feitas de alumínio. As taxas de reciclagem das cápsulas vêm crescendo. No ano passado, o índice foi de 21%. De janeiro a setembro deste ano, chegou a 23%. O café é destinado para compostagem orgânica e o alumínio é enviado para reciclagem, quando volta a ser matéria-prima básica. No ano passado, a empresa começou a receber visitas de consumidores em seu centro de triagem, em São Paulo, com o objetivo de aumentar a conscientização sobre o tema.
Em relação ao uso de energias alternativas, outro compromisso importante da Nestlé, os resultados também são expressivos. Há dois anos, toda a energia utilizada em suas fábricas, escritórios e centros de distribuição é gerada por fontes renováveis, como biomassa, eólica, solar e hidrelétrica. A operação brasileira foi a primeira a realizar essa conquista. De 2010 a 2018, a empresa reduziu quase à metade no país as emissões de gases de efeito estufa. O consumo de água caiu 37% no mesmo período.
Perto de zerar o envio de lixo a aterros sanitários, a fabricante de bebidas e alimentos Pepsico reaproveita 100% dos resíduos em sete das dez fábricas no brasil | Pedro Marques
Presente em mais de 200 países e territórios ao redor do mundo, a americana PepsiCo estabeleceu metas ambiciosas em relação a seu impacto no meio ambiente. Hoje, a fabricante de bebidas e alimentos afirma se posicionar globalmente para construir um sistema alimentar mais sustentável, algo que envolve ações em diversas áreas, como agricultura, eficiência hídrica, diminuição de sódio dos alimentos, redução das emissões de gases de efeito estufa em sua cadeia produtiva, diversidade e reaproveitamento de resíduos.
E é no último item que a empresa vem concentrando esforços no Brasil. Em 2015, a PepsiCo lançou mundialmente a iniciativa Zero Aterro, cujo objetivo é reaproveitar tudo o que for possível e acabar com o envio de lixo a aterros sanitários até 2025. A operação brasileira deve cumprir a meta bem antes do prazo estabelecido. Das dez fábricas locais, apenas três ainda não atingiram o índice de 100% de reaproveitamento dos resíduos. Isso deve acontecer até o final de 2020. “Quando começamos o projeto, há quatro anos, 10% de nossos resíduos eram enviados a aterros sanitários. Hoje, o índice é de 0,7%”, diz Eudes Costa, gerente de sustentabilidade ambiental, saúde e segurança da PepsiCo Brasil.
Nas fábricas brasileiras, nada é desperdiçado. Restos de salgadinhos, biscoitos e batata transformam-se em ração. O material orgânico de restaurantes, lodo e jardinagem viram adubo. A gordura vegetal é aproveitada para fazer sabão, enquanto embalagens e potes de plástico se tornam baldes e sacos de lixo. O amido é usado para fazer goma para a indústria têxtil. Até o lixo do banheiro e de varrição das fábricas tem destino: vira energia e matéria-prima para indústrias de cimento. Neste ano, a PepsiCo evitou que 39 000 toneladas de resíduos fossem enviadas a aterros, uma redução de 93% em relação ao volume de 2016.
A PepsiCo tem outras ações ligadas à sustentabilidade, como o programa Ready to Return, que procura recolocar em vagas de gerência e coordenação profissionais que estão há mais de dois anos fora do mercado. “Buscamos pessoas com perfil de liderança”, diz Glaucia Nogueira, diretora de desenvolvimento organizacional. Lançado em 2017 nos Estados Unidos, o projeto foi implantado na filial brasileira no ano passado. E é bastante concorrido. Em 2018, mais de 2 000 pessoas inscreveram-se, mas apenas três foram selecionadas. As escolhidas passaram por três meses de treinamento e mentoria e, ao final do processo, foram efetivadas. Neste ano, o número de vagas subiu para cinco. “Nos próximos anos devemos abrir mais vagas”, afirma Glaucia.
A Procter & Gamble conseguiu superar metas globais para a redução do consumo de água potável na fábrica — e ampliou o acesso em regiões onde o recurso é escasso | Velma Gregório
Neste ano, a americana Procter & Gamble, uma das maiores fabricantes de bens de consumo do mundo, superou a meta global de diminuir o uso de água potável ao atingir uma redução de 27%, 7 pontos percentuais acima do patamar que havia fixado. A operação brasileira contribuiu para o resultado com o reúso de 100% dos rejeitos de água em três de suas quatro unidades no país, localizadas em Louveira, no interior de São Paulo, no Rio de Janeiro e em Manaus. Antes da implementação do projeto, em 2017, apenas 20% dos rejeitos eram submetidos ao tratamento de água.
A água reaproveitada representa hoje 15% de todo o volume do recurso usado na linha de produção. A medida trouxe uma redução no consumo de água potável equivalente a 80 metros cúbicos por dia. O investimento total no projeto até o momento foi da ordem de 2 milhões de dólares. No caso da gestão de resíduos, todas as fábricas brasileiras conseguiram alcançar, ainda no ano passado, o objetivo global de zerar o envio de resíduos do processo de fabricação a aterros, o que havia sido fixado para até 2020. Para atingir esse marco antecipadamente, o processo passou pela mudança de mentalidade dos empregados, de modo que eles começassem a enxergar valor no que estaria sendo descartado.
Em parceria com uma equipe global da área de compras, os funcionários foram estimulados a desenvolver maneiras criativas de dar nova vida aos materiais que seriam descartados. Por exemplo, em vez de mandar ao aterro espumas que não atendem às especificações, passaram a vendê-las para postos de lavagem de carros. Sobras de produtos de cuidados femininos viraram caixas de areia para gatos. Tambores de transporte antigos são reaproveitados como lixeiras e bancos escolares, entre outros produtos.
A companhia também mantém uma série de atividades para exercer impacto positivo fora de suas unidades de produção. Em uma delas, a P&G criou em seus laboratórios de inovação um sachê que purifica 10 litros de água em 30 minutos de uma forma simples para o usuário. A descoberta gerou uma tecnologia social de purificação que se transformou em projeto de acesso à água potável para famílias privadas de saneamento básico e que, por isso, enfrentam um alto índice de mortalidade infantil por doenças infectocontagiosas, como a diarreia. Desde 2004, a P&G forneceu mais de 15 bilhões de litros de água potável para pessoas necessitadas de todo o mundo. No Brasil, cerca de 36 000 moradores de comunidades ribeirinhas no Amazonas, no extremo sul da Bahia e no Vale do Jequitinhonha foram atendidos desde 2014.
Frascos feitos de materiais totalmente novos e produtos baseados em ingredientes veganos fazem parte dos esforços mais recentes da Unilever | Carla Aranha
Escovas de dentes de bambu e desodorantes com embalagens de papel-cartão são alguns dos novos produtos lançados pela fabricante de bens de consumo anglo-holandesa Unilever. Inéditos na história da companhia centenária, e por enquanto disponíveis apenas na Europa, eles revelam os esforços para reduzir o uso de plásticos.
A Unilever também vem investindo em materiais 100% reciclados na confecção de embalagens e em outros elementos essenciais para auxiliar a reciclagem dos frascos dos produtos, como colas de rótulos que podem ser retiradas com mais facilidade.
As metas globais se desdobram nas operações locais — e, no Brasil, a companhia já adota uma série de iniciativas. A Unilever vem se esforçando para substituir o plástico virgem por resinas recicladas nas embalagens. Os frascos de marcas como as de cuidados pessoais Seda, TreSemmé e Clear já têm mais da metade da composição advinda desse tipo de material. Outra ação da companhia — uma das líderes em diversas categorias de produtos de cuidados pessoais, limpeza da casa e alimentos — tem sido investir na pesquisa e no lançamento de produtos veganos, biodegradáveis e não testados em animais.
É o caso da linha de produtos de cuidados pessoais Love, Beauty and Planet, de higiene pessoal, lançada neste ano no Brasil, e dos produtos de limpeza que levam a marca Sétima Geração. “São as chamadas ‘marcas com propósito’, que reforçam os princípios do plano de sustentabilidade”, diz Antonio Calcagnotto, diretor de assuntos corporativos e de sustentabilidade da Unilever. Em 2018, elas cresceram 69% mais depressa do que o restante do negócio e corresponderam a 75% da expansão da empresa.
Além disso, programas de eficiência energética possibilitaram uma redução de 28% no consumo de energia e de 50% nas emissões de gás carbônico na última década no Brasil. Cerca de 80% das metas do plano de sustentabilidade global, lançado em 2010, foram cumpridas. A arrancada final pela conquista dos 20% restantes, cuja data-limite é 2020, vai exigir esforços ainda maiores.
Na frente da relação com a comunidade, as metas também são ousadas. Até o ano que vem, a Unilever pretende melhorar a saúde e o bem-estar de 1 bilhão de pessoas no mundo. Um dos projetos nesse sentido, no Brasil, é o Ciclo Brilhante, programa de capacitação e incentivo ao empreendedorismo feminino. Sob a marca de produtos de cuidados para roupas Brilhante, o projeto em parceria com a Aliança Empreendedora e Escola de Você já treinou mais de 274 000 mulheres no país de 2015 a 2017.