Enalta: o desafio é replicar o sucesso dos canaviais no setor de papel e celulose (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 29 de abril de 2014 às 12h10.
São Carlos - A década de 90 estava no fim quando o engenheiro elétrico Cleber Manzoni, de Ariranha, pequena cidade no oeste paulista, decidiu transformar o bico que fazia em negócio. Durante o dia, ele trabalhava em uma companhia de energia de Catanduva, vizinha de sua cidade natal.
À noite, para complementar a renda, Manzoni consertava máquinas agrícolas usadas em canaviais da região. Naquela época, as lavouras de cana-de-açúcar estavam começando a passar pelo processo de mecanização. “Descobriram que eu era engenheiro e que entendia de eletrônica”, afirma Manzoni.
A demanda foi tamanha que, em pouco tempo, Manzoni deixou o emprego para fundar sua empresa. Hoje, a Enalta, uma das mais bem-sucedidas startups brasileiras, desenvolve sistemas de gestão de colheitas que recebem em tempo real informações de sensores de precisão e de aparelhos de GPS acoplados a máquinas agrícolas dos setores de cana-de-açúcar e de papel e celulose.
“É como um Big Brother, só que, em vez de câmeras, há dezenas de sensores que analisam à distância se a operação das máquinas está sendo feita corretamente”, afirma Manzoni. Entre seus clientes estão Odebrecht Agroindustrial, produtora de etanol, e International Paper, do setor de papel e celulose.
Funciona assim: um computador central estabelece padrões de operação para cada máquina agrícola, como a rota a percorrer e a velocidade para cada trecho. Esses padrões variam de acordo com o relevo, o tipo de solo e até a produtividade da lavoura. Se uma área é mais produtiva, é preciso rodar numa velocidade mais baixa para que a máquina não fique sobrecarregada.
Um software cruza os dados recebidos com os critérios estabelecidos. Se houver divergência, o sistema dispara um aviso para a central, que imediatamente alerta a equipe. “Tivemos uma redução de 15% nos gastos com manutenção e de 12% com combustível”, afirma Américo Ferraz, diretor de tecnologia da Odebrecht Agroindustrial, que usa os sistemas da Enalta desde 2010.
Contratos como o da Odebrecht, que investirá 40 milhões de reais num projeto de automação de frota até 2014, fizeram a receita da Enalta saltar de 1,7 milhão de reais em 2009 para 12 milhões em 2012. Também ajudaram a empresa a ser reconhecida internacionalmente.
No início do ano, a Enalta apareceu no tradicional ranking das 50 companhias mais inovadoras do mundo, publicado pela revista americana Fast Company, por “contribuir com a indústria de biocombustíveis do Brasil com tecnologias que aumentam a produtividade”.
Para construir o ranking, a revista mede o impacto do investimento em inovação em determinado ano no faturamento do ano seguinte. No caso da Enalta, cerca de 60% da receita de 2012 veio de produtos lançados em 2011.
A trajetória de sucesso de Manzoni coincide com uma década em que a agricultura brasileira viveu seu maior salto de produtividade da história recente.
Segundo um estudo publicado em junho pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, a produtividade da agricultura brasileira quase quadruplicou nos últimos 35 anos — e o maior avanço ocorreu entre os anos de 2000 e 2010, quando houve a incorporação de inovações como os transgênicos e os sistemas de agricultura de precisão.
Entre as potências mundiais na produção de alimentos, o Brasil é a única a desenvolver uma agricultura tropical de larga escala. Chegar a essa condição exigiu o desenvolvimento de tecnologias específicas, o que desmente o mito amplamente aceito de que a produção de recursos naturais anda junto com pouca inovação.
A ascensão do cerrado como polo global de produção de grãos deveu-se à adoção da técnica do plantio direto, da correção do solo e do desenvolvimento genético.
Para Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getulio Vargas, a agroindústria serve como um bom exemplo para outros setores da economia brasileira que não experimentaram o mesmo ganho de produtividade e hoje estão estagnados.
“Com a abertura econômica do início dos anos 90, os grandes produtores do agronegócio precisaram investir em tecnologia e inovação para poder competir”, diz Rodrigues. “Esse é um caminho certeiro para ter maior relevância.” Na agricultura, o país conseguiu criar um ambiente que permite o surgimento de empresas como a Enalta.
Logo nos primeiros anos, Manzoni trabalhou em parceria com a Embrapa. Mais tarde, recebeu 3,8 milhões de reais do fundo de investimento Criatec, que ficou com 43% da companhia. O próximo passo é atrair mais dinheiro.
“Estamos em fase final de negociação para um aporte de um fundo de capital privado”, afirma Francisco Jardim, gestor do Criatec Ventures. Com a nova injeção de capital, a Enalta pretende replicar seu modelo Big Brother em outras áreas, como as de milho e de café. Guardadas as proporções, a versão brasileira mais próxima do Vale do Silício está mesmo no campo.