Construção de casas para consumidores de baixa renda em Fortaleza: o difícil é ganhar dinheiro
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.
Por décadas, as construtoras especializadas em imóveis dedicados a consumidores de baixíssima renda nem sequer podiam ser chamadas de construtoras. Esse mercado - voltado para famílias com renda que oscila de zero a três salários mínimos mensais - era populado por pequenas empresas especializadas em construir puxadinhos. A informalidade, claro, era total. E o crédito inexistia. Pois, nos últimos anos, essa realidade começou a se transformar. A expansão do mercado imobiliário, que começou na alta renda, impulsionou a construção de prédios comerciais e elevou preços por todo lado, chega, agora, às classes D e E. Onde havia barracos e informalidade, começa a aparecer dinheiro de verdade: as construtoras especializadas devem faturar cerca de 12 bilhões de reais em 2010. Como acontece em outros segmentos, esse dinamismo é movido a crédito. Nos últimos três anos, o volume de empréstimos imobiliários nesse mercado cresceu 360%. A última fronteira do setor imobiliário começa, finalmente, a ser desbravada.
O crescimento dos últimos anos foi compartilhado pelas quase 1 000 construtoras que disputam esse mercado, mas deu origem àquela que pode ser considerada a gigante da baixíssima renda - a mineira Direcional, que tem capital aberto na bolsa e vale 1,6 bilhão de reais. Fundada em 1981, a Direcional desenvolveu uma fórmula para operar no azul num segmento que, por definição, tem margens muito pequenas. Os compradores têm renda de no máximo 1 395 reais, e as prestações podem ser de no mínimo 50 reais mensais durante dez anos. Para chegar a um valor tão baixo, o governo fixa o preço de cada imóvel em no máximo 52 000 reais - ou seja, para a conta fechar, é preciso fazer milagre. O primeiro passo é concentrar os negócios em regiões com terrenos mais baratos. Longe dos grandes centros urbanos, portanto. Apesar de mineira, a Direcional encontrou seu crescimento nas regiões Centro- Oeste e Norte, em cidades como Manaus, Belém, Marabá e Porto Velho. A escala dos projetos precisa ser monumental: um empreendimento da Direcional em Manaus terá 9 000 unidades - aqui, as construtoras se espelham no modelo de habitação popular mexicano, no qual as empresas constroem verdadeiros bairros, com estação de tratamento de esgoto, escola e posto de saúde, tudo para baixar custos. Finalmente, as casas são construídas sem um tijolo sequer: as empresas usam formas de alumínio e concreto para levantar as paredes.
Até 2002, a Direcional tinha ambições e margens de lucro modestas. Os ventos que sopraram para todas as grandes construtoras brasileiras acabaram ajudando a empresa a sair do marasmo, o que atraiu o interesse do fundo de private equity Tarpon, que em 2008 comprou 25% da empresa com o investimento de 250 milhões de reais. Mas o que empolgou mesmo os investidores foi a entrada do governo federal no setor imobiliário. Em 2009, com o lançamento do programa Minha Casa, Minha Vida, o poder público criou incentivos ao crédito a famílias das classes D e E. O objetivo do programa é subsidiar a construção de 1,6 milhão de novas moradias para a baixíssima renda, que representa 90% das famílias sem habitação no país. As mudanças deram resultado: de um ano para cá, a Direcional dobrou de tamanho.
A forte presença do governo - como de costume - também traz problemas para quem quer ganhar dinheiro na baixa renda. Como a Caixa Econômica Federal é a única responsável pelo repasse de crédito, os executivos do setor não tardaram a encontrar problemas burocráticos para a liberação de empréstimos. Até agora, o banco aprovou pouco mais de 275 000 unidades no Minha Casa, Minha Vida, enquanto o número de propostas recebidas foi quase duas vezes maior. Destas, apenas 3 600 residências, ou 1,3% do total contratado, foram entregues até agosto, um ano e meio após o início do programa. A Caixa espera que haja um maior número de entregas a partir de outubro. O peso estatal também afasta as maiores construtoras, que ainda resistem a apostar num mercado extremamente regulado e, portanto, repleto de restrições. "A velocidade a que estamos acostumados é diferente da do poder público", afirma Eduardo Gorayeb, presidente da construtora Rodobens.
Entraves
Mas o que mantém os grandes longe é mesmo a dificuldade de lucrar num mercado tão complicado - enquanto outros segmentos vivem fases de ouro de expansão. Mesmo entre as construtoras especializadas na baixa renda, a dificuldade de lucrar no segmento de zero a três salários mínimos é brutal. A Jotanunes, construtora de Sergipe, que diz que fatura 200 milhões de reais ao ano, cresceu 180% nos últimos dois anos, impulsionada pelos projetos do governo. No entanto, com maior musculatura financeira, partiu para projetos mais rentáveis, voltados para a classe C. "Hoje, para tocar um projeto de baixíssima renda, vamos pensar duas, três vezes", diz Paulo Nunes, fundador da empresa. É o risco que corre quem desbrava mercados - não gostar do que encontra do lado de lá da fronteira.