Plataforma da Statoil: a empresa norueguesa, segunda maior produtora do Brasil, está fora do leilão de Libra (Øyvind Hagen/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 21 de outubro de 2013 às 15h28.
São Paulo - As primeiras regras para a exploração de petróleo no Brasil, na década de 30, eram muito parecidas com as que vigoram hoje. Definiu-se então que o subsolo seria patrimônio da União, mas poderia ser explorado pelo setor privado em regime de concessão. O modelo durou pouco — uma campanha nacionalista culminou em 1953 na criação da Petrobras, que passou a deter o direito exclusivo de exploração.
Quatro décadas depois, em 1997, o monopólio foi extinto, com a abertura do setor às multinacionais. O modelo adotado, de concessão de blocos para exploração, atraiu investimentos bilionários de grupos como a britânica BG e a americana Chevron. Só nos últimos dez anos o setor foi responsável pelo ingresso de 29 bilhões de dólares no país.
Apesar do sucesso, o anúncio da descoberta do pré-sal em 2007 levou o governo a rediscutir a relação com as petroleiras. No dia 21 de outubro, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) fará a primeira licitação do pré-sal sob novo marco regulatório: a partilha.
Apenas 11 operadoras se habilitaram para a disputa da área de Libra, na bacia de Santos, com reservas estimadas em 12 bilhões de barris — volume quase igual ao total que o país dispõe nas jazidas de petróleo já comprovadas. O número de participantes inscritos para o leilão, um quarto do que esperava o governo, deixa no ar uma dúvida: estaríamos trocando o certo pelo duvidoso?
Ficarão de fora do leilão estrelas do setor como Statoil, Chevron, Exxon Mobil, BG e BP. Essas petroleiras são donas de alguns dos maiores planos de investimento em curso no Brasil. Quando uma empresa vence uma licitação, traz para o país muito mais do que pagou ao governo pelo direito de explorar.
Precisa investir na operação, cumprir metas de compras locais, pagar royalties e impostos e empregar 1% da receita em pesquisa. Só a britânica BG anunciou que deverá gastar 34 bilhões de dólares no país até 2018. É quase três vezes o valor dos investimentos programados de 2005 a 2014 pelas quatro maiores montadoras de automóveis, setor mimado com incentivos. Embora não vá disputar Libra, a BG já atua no pré-sal no campo de Lula, na bacia de Santos, licitado ainda por concessão.
Desde 1999, quando foi realizada a primeira rodada de licitações da ANP, mais de 700 blocos foram concedidos para exploração. Entre as operadoras que participaram ativamente desde os primeiros leilões, a anglo-holandesa Shell é uma das poucas habilitadas para Libra. Ela já investiu no país 4,5 bilhões de dólares, mesmo montante aplicado pela Chevron.
A norueguesa Statoil, por sua vez, já é a segunda maior produtora de petróleo no país, só atrás da Petrobras. As multinacionais fizeram investimentos desse vulto graças ao modelo de concessão, testado por elas em 11 licitações. A última, em maio, realizada após intervalo de cinco anos, resultou em uma arrecadação recorde de 2,8 bilhões de reais para o governo — a BG, por exemplo, comprou dez blocos.
Parte da explicação para a perda do apetite de muitas gigantes em relação a Libra, considerado um filé-mignon pelo alto volume de óleo com baixo risco geológico, está na mudança do marco regulatório. “A concessão tem regras mais claras e estáveis. Como a partilha é uma novidade, gera incertezas e insegurança jurídica”, diz Paulo Niemeyer Neto, diretor da gestora de riscos AON para a área de óleo e gás.
O sistema brasileiro de concessão é conhecido como um dos mais eficientes do mundo. Inspirou outros países, como a Colômbia. Em 2004, o país vizinho passou a fazer leilões regulares num modelo de concessão parecido com o do Brasil.
Conseguiu atrair investidores internacionais e ainda fortaleceu sua estatal, a Ecopetrol, que vai disputar Libra. Em janeiro, o valor de mercado da colombiana superou o da Petrobras, que produz três vezes mais.
O México discute uma reforma do setor e mandou executivos da estatal Pemex ao Brasil para conhecer a regulação. Na nossa contramão, os mexicanos cogitam trocar a partilha pela concessão.
“A possibilidade de um modelo mais favorável no México e o risco político no Brasil pesaram na decisão das operadoras que desistiram de Libra”, diz o consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura. “Isso pode tirar investimentos do Brasil e até fazer o pré-sal valer menos.”
Intervenção demais
Três anos após a descoberta do pré-sal, em 2010, o governo Lula mudou a regulação para a partilha, a fim de elevar os ganhos da União na exploração das novas reservas. Na concessão, vence quem paga mais pelo direito de explorar e usa mais equipamentos e serviços brasileiros.
No modelo de partilha, o governo estabelece um valor mínimo pela área oferecida: para Libra, 15 bilhões de reais. A União fica com pelo menos 41,6% do petróleo extraído, mas vencerá o leilão quem ampliar mais essa fatia.
Esse regime é conhecido das empresas em países como Angola, Arábia Saudita e Emirados Árabes, onde funciona bem. O problema é que o modelo brasileiro é cheio de anomalias. Uma delas é a obrigação de a Petrobras ser operadora única, com participação mínima de 30% no consórcio.
Com isso, a estatal terá de arcar com ao menos um terço do investimento. Essa obrigação aumenta a descrença na capacidade de a Petrobras manter seu ambicioso plano de expansão. Em 3 de outubro, bem na data de seu aniversário de 60 anos, a estatal teve a nota rebaixada pela agência de classificação de risco Moody’s, devido ao alto endividamento.
“Ser operadora obrigatória é uma armadilha para a Petrobras e para o investidor”, diz Luiz Quintans, professor de direito do petróleo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. “É como obrigar alguém a casar com quem não conhece.”
O modelo brasileiro tem outra particularidade. O governo criou uma nova estatal, a Pré-Sal S.A., cujo papel é decisivo daqui para a frente. Ela terá metade dos assentos do comitê operador do consórcio que vencer Libra. É o comitê operador que definirá os custos e os investimentos a ser feitos na exploração.
Na prática, a Pré-Sal S.A. vai mandar, pois terá poder de veto nas decisões. “Ninguém sabe quanto a Petrobras e a PPSA vão influenciar na velocidade da produção”, diz um executivo de uma petroleira que preferiu ficar de fora do leilão. Apesar das dúvidas, Manuel Fernandes, sócio da consultoria KPMG, vê chance de o modelo dar certo.
“O novo sistema tem defeitos e o agravante de não ter sido testado, mas não ameaça a atratividade do setor no Brasil”, diz. “Basta o governo seguir respeitando os contratos.” Sobre isso, vale lembrar que, recentemente, a presidente Dilma Rousseff achou por bem afirmar diante de investidores internacionais, em Nova York, que o Brasil é um país onde os contratos são sagrados. Ótimo. Agora falta abandonar a crença de que, sem a tutela estatal, o setor privado não pode gerar riquezas para o Brasil.