Revista Exame

Todos contra o BB

Com apetite voraz, o Banco do Brasil conquistou a liderança no mais cobiçado mercado de crédito do país — mas uma série de ações na Justiça pode acabar com a festa

Comércio de eletrônicos em São Paulo: acusação de monopólio (Alexandre Battibugli/EXAME.com)

Comércio de eletrônicos em São Paulo: acusação de monopólio (Alexandre Battibugli/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

No início deste ano, Ricardo Bianchini, um pouco conhecido advogado paulistano de 40 anos, começou uma peregrinação com petições debaixo do braço e a missão de enfrentar um adversário poderoso. Numa série de viagens país afora, Bianchini visitou desembargadores para argumentar pessoalmente contra o que enxerga como abuso de poder e prática de monopólio por parte de uma das maiores e mais influentes instituições financeiras do país, o Banco do Brasil. O desafio era derrubar a exclusividade pedo BB na concessão de empréstimos consignados a servidores públicos, conquistada em 2008 em acordos com vários governos estaduais e municipais. No consignado, o pagamento do empréstimo é feito por desconto em folha. Como o risco de calote é muito menor, os bancos babam pela clientela — não à toa, essa é a modalidade de crédito que mais cresce no país. O BB avançou sobre esse mercado com um apetite descomunal. Nos últimos dois anos, o banco assinou dezenas de contratos com estados e municípios; o número total não é revelado. Esse poder todo, porém, está ameaçado pela reação de concorrentes e servidores, todos sedentos por tirar a exclusividade do BB e restaurar a competição. Tramitam hoje no país pelo menos 30 ações contra a exclusividade, 19 delas a cargo do advogado Bianchini, que representa servidores públicos. Até agora, 20 resultaram em liminares suspendendo os contratos.

O BB, claro, reagiu à investida contra seu filão. E, até meados de outubro, vinha obtendo algumas vitórias judiciais. Em Brasília, o Superior Tribunal de Justiça derrubou três liminares que haviam suspendido a exclusividade na cidade de São Paulo, no Piauí e no Espírito Santo. O problema, para o banco estatal, é que a maré virou no dia 20 de outubro. Naquela quarta-feira, uma nova decisão judicial, talvez a mais importante até agora, abriu caminho para a derrubada da exclusividade em todo o país. Por unanimidade, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul acatou as denúncias do banco BMG, vice-líder do mercado de consignado, e da Associação Brasileira de Bancos, que reúne instituições de médio porte, e derrubou a exclusividade no contrato entre o governo do estado e o BB. A diferença é que, desta vez, foi julgado o mérito da questão, e não uma simples liminar. Os juízes concluíram que o acordo de exclusividade “violou os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência previstos na Constituição”. “Desta vez, os juízes disseram quem tem razão”, afirma o advogado Bianchini. Segundo ele, a decisão pode ser replicada nos demais tribunais, inclusive nas instâncias superiores. O tempo dirá.


Qual é o risco dessa avalanche de ações judiciais para o BB? O potencial de danos é grande. O consignado, segundo cálculos de analistas, representade 8% a 10% do lucro líquido anual do banco — o que corresponderia a cerca de 1 bilhão de reais, considerando os resultados de 2009. Desde a criação do consignado, em 2004, as concessões desse tipo de crédito aumentaram mais de 800% no país. Em agosto, o saldo de empréstimos era de 129 bilhões de reais, dos quais 86% eram devidos por funcionários públicos, o filão no centro da atual disputa judicial. A carteira de crédito consignado do BB tinha saldo de 40 bilhões de reais em junho, 40% do total de crédito à pessoa física concedido pela instituição. O pedoso ajuda a explicar a defesa ferrenha que o Banco do Brasil faz dos contratos com exclusividade no consignado. “Estamos totalmente dentro da legalidade”, afirma Paulo Rogério Caffarelli, vice-presidente de negócios de varejo do BB. Ele diz que os juros cobrados pelo banco estão entre os mais baixos do mercado — embora, no conjunto do crédito à pessoa física, o banco esteja em 41o lugar entre os mais baratos. Em vez de sossegar os descontentes, o argumento de Caffarelli inspira uma pergunta nos adversários do BB: se o banco é competitivo, por que precisa de exclusividade? Caffarelli diz que o consignado é parte de um pacote de administração da folha de pagamentos, gestão de caixa, assessoria tributária e uma série de outros serviços. Segundo ele, os próprios entes públicos solicitam a exclusividade no consignado a fim de garantir uma administração única, mais segura e eficiente, que se traduza num melhor atendimento dos funcionários. A turma do contra, evidentemente, não concorda. “É como se o Estado impedisse seus funcionários de comprar um carro mais caro, se assim quisesse”, diz o promotor Luiz Antonio Baeta, do Ministério Público de Minas Gerais. Baeta ganhou status de ídolo entre os adversários do BB ao modificar, em abril, o decreto que introduziria a exclusividade no consignado em Minas. Alertado por associações de servidores, o promotor se reuniu com secretários do então governador Aécio Neves e avisou que poderia denunciar o governo criminalmente por violar o princípio constitucional da livre concorrência. O Estado cedeu.

Diante do impasse atual, não há final pacífico à vista para as disputas em torno dos contratos com dezenas de governos estaduais e municipais em Mato Grosso do Sul, Amazonas, Sergipe, Paraíba, Bahia, Rio Grande do Norte, Pará, Tocantins, Rondônia, Sergipe, Maranhão, Goiás e no Distrito Federal. Desde junho, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e o Banco Central também analisam uma denúncia de monopólio apresentada em nome da Fesempre, federação que reúne servidores estaduais e municipais de 12 estados. É pedrada de todo lado. O BB insiste que a exclusividade no consignado é apenas um detalhe de um atraente pacote de serviços escolhido pelo freguês — estados e municípios. Isso não impediu, no entanto, a recente decisão do banco público de tirar essa cláusula de contratos assinados após o início da guerra de liminares. O vice-presidente, Caffarelli, explica a decisão: “Já que esse assunto tem gerado tanta polêmica, estamos optando por não colocar mais essa cláusula nos contratos novos. O que importa é conquistar mercado com taxas e produtos competitivos”, afirma. Nesse ponto, todos parecem concordar.

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