Sonic – O Filme: mudanças na aparência do personagem após decepção dos fãs (Medios y Media/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 28 de abril de 2022 às 05h47.
Última atualização em 29 de abril de 2022 às 18h51.
Por: Miguel Icassatti
Quando a Paramount Pictures lançou o primeiro trailer de Sonic — O Filme, em abril de 2019, os fãs do ouriço azul que havia surgido no mundo dos videogames nos anos 1990 estavam numa expectativa enorme. Mas, conforme o público assistia ao trailer, a espera foi se transformando em decepção para os fãs e em apreensão para o estúdio.
A repercussão do trailer foi a pior possível: as principais críticas atingiam a aparência do personagem, que apareceu na tela caracterizado com traços humanos, dotado de braços e pernas longos. O assunto tornou-se trending topic do Twitter. Diante desse cenário, o estúdio resolveu redesenhar o personagem — a partir do zero. E em novembro do mesmo ano, quando o segundo trailer foi liberado, o bichinho surgiu completamente diferente, com um visual mais fidedigno ao do jogo criado pela Sega para fazer frente ao Super Mario, da Nintendo.
A alteração de rota na produção do filme se concretizou em pouco mais de seis meses, depois que as filmagens em live action, técnica que mistura atores reais interagindo com animações, estavam em estágio avançado. Num primeiro momento, o estúdio perdeu um bom dinheiro. Mas, depois de ter ouvido a opinião pública, recebeu as boas notícias: arrecadação de 58 milhões de dólares no primeiro fim de semana de exibição e recorde de melhor estreia de filme inspirado em videogame nos Estados Unidos.
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A corajosa decisão de mudar se deu graças ao feedback da comunidade de fãs do Sonic, cujos comentários em redes sociais, além das reportagens em sites especializados em cinema e games, foram consolidados por técnicas e ferramentas de social listening utilizadas pela Paramount.
Social listening, numa tradução livre, quer dizer “escuta social” ou “escuta ativa” e é uma prática que monitora o que as pessoas falam sobre uma marca ou empresa em diversos espaços digitais, ou seja, redes sociais, blogs, portais de notícias e canais de atendimento ao cliente. E, a partir desse monitoramento de informações relevantes, as marcas analisam os dados recolhidos e os transformam em ações para melhorar a relação com sua comunidade e alcançar novos consumidores.
Essa escuta social vai além das redes sociais, cujo monitoramento é uma dinâmica reativa, ou seja, os seguidores interagem e a marca responde, no espaço restrito daquela rede, e tudo tende a se encerrar com uma curtida ou um emoji. Já o social listening pressupõe que toda interação é uma oportunidade para a marca gerar uma iniciativa, seja uma pesquisa de hábitos, seja a coleta de uma opinião a respeito de um produto, seja a criação de algo em seu portfólio. “As redes sociais são uma árvore; e o social listening, uma floresta”, diz Mayer Mirmovicz, sócio-diretor da Social Tailors, agência de publicidade especializada em entretenimento, cultura e lifestyle. “Ou seja, o social listening permite que as empresas ouçam tanto sua comunidade como o público que não a segue, e isso é muito importante porque abrange as tendências do setor e as mudanças de comportamento das pessoas.”
Um exemplo de como o social listening pode ajudar na criação de novos produtos é o da multinacional de cosméticos L’Oréal, que usa informações capturadas nas redes sociais para acompanhar comentários de consumidores e transformações do mercado. Um exemplo disso é o lançamento, no ano passado, de um protetor solar facial com cor para peles escuras. Desenvolvido pela Garnier — uma das marcas do grupo —, o produto específico para pele negra contou com a cocriação da cantora Iza e pôde ser testado, em primeira mão, por 70 “brand lovers”, consumidoras identificadas pelo alto grau de engajamento com o perfil da marca no Instagram.
Executiva de contas da YouScan, plataforma de inteligência de mídia social alimentada por inteligência artificial, Elizabeth Menshikova destaca que a L’Oréal percebeu que abordagens convencionais, como pesquisas e questionários, poderiam trazer distorções ao oferecer respostas prontas, ou mesmo gerar constrangimento diante de um entrevistador. O mesmo, diz ela, não acontece nas redes sociais. “Quando alguém deixa uma avaliação online, está em um ambiente confortável, usa sua própria linguagem para se expressar.”
Mayer Mirmovicz concorda e reforça que as ferramentas de social listening colocam à disposição das marcas um mundo disposto a dar opiniões de forma espontânea. “Dispor de ferramentas que acompanham em tempo real o que se está falando dá às empresas mais agilidade e permite a elas que criem ou reformulem um produto, um serviço ou um posicionamento.”
Na era do cancelamento, essa agilidade é fundamental, sobretudo no gerenciamento de crises. Que o digam os patrocinadores do Flow, um dos podcasts mais escutados do país. Em um episódio do início de fevereiro, o então apresentador do canal, Monark, declarou durante um debate que defendia o direito à criação de um partido nazista “legalizado” no Brasil.
Diante da estapafúrdia declaração, o público imediatamente começou a cobrar, por meio da menção dos perfis nas redes sociais, um posicionamento das marcas que apoiavam o canal. E elas tiveram de se mexer: Flash Benefícios e Cariocão Betfair anunciaram imediatamente o cancelamento do patrocínio. Puma, Mondelēz e Wise Up emitiram nota de repúdio e esclareceram que haviam feito ações pontuais e que descartavam qualquer relação comercial com o canal.
De acordo com o instituto de pesquisas Nielsen, essas e outras marcas patrocinadoras do Flow estiveram entre os perfis mais citados no Twitter naquele dia. O perfil do público que se engajou com o assunto era formado majoritariamente por homens jovens: 83,4% tinham entre 18 e 34 anos.
“Quando a situação exige urgência, as marcas têm de se posicionar para não serem tachadas de cúmplices. A geração Z é muito preocupada com propósito e valores e dá atenção a isso antes de consumir”, diz Elisa Pequini, diretora de planejamento da Social Tailors.
“Hoje, ninguém está imune ao cancelamento. Por isso é preciso ter escuta aberta, humildade e tratar as questões de forma genuína.” Isso não significa que as marcas tenham de se posicionar em relação a tudo. Para Pequini, no afã de “lacrar”, as marcas acabam dando opinião sem terem lugar de fala. Nesses casos, ela aconselha às empresas que avaliem o contexto e vejam se determinado posicionamento tem conexão com seus valores. Caso contrário, o risco de receber um feedback negativo na internet e influenciar outras pessoas será enorme.
Por falar em influência, é aí que outro benefício do social listening entra em cena: o monitoramento das menções à marca, sejam negativas, sejam positivas. Segundo Elisa Pequini, algumas marcas já têm recorrido, em suas estratégias de social listening, aos chamados genuinfluencers, um novo nicho de influenciadores digitais, que estão mais interessados em compartilhar sua opinião autêntica do que em promover um produto ou serviço.
Mais do que atrair as marcas por sua legião de seguidores, os genuinfluencers são interessantes porque geram discussões e até cocriam produtos e serviços com as marcas, tornando-se seus embaixadores. “É importante que as empresas entendam seus valores e tentem promover um volume de conversa que permita deixar claro que o que está sendo dito é genuíno”, aconselha Mayer Mirmovicz.
Para o sócio-diretor da Social Tailors, o ideal é que a marca introduza o social listening em seus processos como uma prática constante, o que muitas delas fazem inserindo em seus organogramas uma área de community management, ou “gerência de comunidades”. “Quanto mais profissionais diversos e com habilidades relacionadas ao comportamento humano e à sociologia alinhados à estatística e à matemática, melhor”, diz Mirmovicz. Assim, e com o auxílio de ferramentas automatizadas de marketing digital, é possível responder e dar suporte aos clientes e, ao mesmo tempo, gerar conversas, observar tendências e acompanhar o que a concorrência anda fazendo.
A SulAmérica Seguros, por exemplo, utiliza o Social Studio, ferramenta que faz o gerenciamento de mídias sociais, como Twitter, Instagram, Facebook, LinkedIn e YouTube. O monitoramento é realizado pela área de experiência do cliente com o envolvimento e o comprometimento de outros diversos times, de forma multidisciplinar. Dessa forma, a empresa consegue administrar a própria estratégia de marketing nos diferentes canais de mídia social em contato com o cliente, além de acompanhar em tempo real o que é falado sobre a marca, seus produtos e serviços. “Ignorar o que os clientes comentam sobre seus produtos e serviços, ou a oferta de experiência, pode provocar uma crise de imagem e, consequentemente, a evasão de clientes. Ao contrário, uma boa experiência compartilhada de forma espontânea pode trazer grandes resultados”, afirma Alessandro Cogliatti, diretor de experiência do cliente da SulAmérica.
Outras ferramentas conhecidas são também a Hootsuite Insights — que, entre outros recursos, organiza em um único hub toda a comunicação nas redes sociais, gera relatórios e análises automáticos e em tempo real — e a Sprout Social, que é capaz de planejar e organizar os dados obtidos nas redes sociais para descobrir tendências, identificar influenciadores e fazer comparações com a concorrência. “As ferramentas são muito importantes, mas é o ser humano que tem de utilizá-las para interpretar as interações”, diz Mayer Mirmovicz.
Nesse novo modelo de relação em tempo real ditado pelo social listening, as marcas não poderiam se tornar reféns das redes sociais? Elisa Pequini, da Social Tailors, entende que não. “A opinião dos consumidores sempre existiu, apesar de vieses. O que acontece agora é que as pesquisas de mercado em tempo real permitem as mudanças em escala global”, explica. “As marcas passam a ter uma chance de interagir com o público em um volume capaz de representar uma parcela maior da realidade.” E que parcela de realidade! No segundo fim de semana de abril de 2022, o filme Sonic 2 estreou nos cinemas dos Estados Unidos e quebrou o recorde que pertencia ao título anterior, tornando-se a melhor estreia de um longa-metragem inspirado em videogames naquele país. O ouriço azul faturou mais 71 milhões de dólares. Nada mau!