Um governo bombardeado: o presidente Temer deve usar os próximos dois meses para reorganizar sua base no Congresso (Paulo Whitaker/Reuters)
Leo Branco
Publicado em 21 de junho de 2017 às 13h16.
São Paulo — A noite de 9 de junho foi de comemoração para o presidente Michel Temer. Perto das 23 horas, pouco depois de ser absolvido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) das acusações de caixa dois e abuso de poder político na campanha eleitoral para a Presidência em 2014, Temer participou do jantar de aniversário do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A festa incluiu música ao vivo e os tradicionais charutos que o presidente costuma sorver em momentos de descontração. Na saída, declarou a jornalistas que continuaria “pacificando o país”.
De fato, Temer tem motivos para respirar um pouco mais aliviado após o resultado favorável colhido na Justiça Eleitoral — e que deixou o país boquiaberto dado o farto material que depõe contra o presidente e sua antecessora e parceira de chapa eleitoral, Dilma Rousseff. Há três semanas, quando o Brasil inteiro assistiu apreensivo ao conteúdo da delação premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos do frigorífico JBS, a sensação generalizada era a de que o governo estava com os dias contados. Agora, com a absolvição de suas contas de campanha, o jogo virou — pelo menos por ora — em favor da permanência de Temer até o fim do mandato, em dezembro de 2018. Para a consultoria de risco político Eurasia, a chance de o presidente seguir adiante aumentou de 30% para 70%.
O encerramento do capítulo no TSE pode ser visto como a parte fácil dos muitos problemas a ser enfrentados por um governo bombardeado quase diariamente. Em Brasília, a expressão “fato novo” tornou-se uma das preferidas dos políticos. Eles se referem ao avanço das investigações da Operação Lava-Jato e das acusações vindas da Procuradoria-Geral da República, capitaneada por Rodrigo Janot. Nas próximas semanas, é dado como certo que Janot apresentará uma denúncia criminal contra Temer no Supremo Tribunal Federal (STF) em decorrência dos fatos relatados pelos irmãos Batista, com potencial de levar ao afastamento do presidente. Mas, para ser apreciada pela Corte, a denúncia precisa ser autorizada por dois terços da Câmara dos Deputados.
Por isso, é provável que Temer se dedique diuturnamente até o recesso parlamentar, em 17 de julho, às articulações necessárias para garantir que a denúncia seja rejeitada pelos deputados. No Palácio do Planalto, o ideal é angariar os 172 votos necessários para liquidar quanto antes a questão. A essa denúncia, outras acusações podem ser adicionadas. A prisão de Rodrigo Rocha Loures, ex-assessor de Temer, aumentou os boatos de uma possível delação premiada. O operador Lúcio Funaro, ligado ao ex-deputado Eduardo Cunha e ao PMDB, parece disposto a falar com as autoridades sobre o que sabe.
Há ainda “fatos novos” que, se não têm o poder de incriminar o presidente, causam grande constrangimento e antipatia popular, como a recente denúncia de que Temer e família teriam embarcado no jato particular dos irmãos Batista em 2011. “O dano à reputação desse governo é grande e deve continuar assim, porque há acusações contra o próprio presidente”, diz o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências.
O presidente sobrevive no Planalto como pode, mas dificilmente conseguirá recuperar o capital político anterior ao vazamento do conteúdo da delação dos irmãos Batista. Desde o dia 17 de maio, quando as gravações vieram a público, a base aliada no Congresso perdeu quatro partidos e 63 dos 374 deputados. Em reação, Temer montou uma extensa agenda de encontros com 67 deputados e 12 senadores, além de governadores, prefeitos, empresários e sindicalistas e o ex-presidente José Sarney. O governo também acelerou a liberação de emendas parlamentares na tentativa de comprar apoio político: nos quatro primeiros meses do ano, soltou quase 544 milhões de reais para atender aos interesses de deputados federais.
Apenas de 1o de maio a 8 de junho, outros 742 milhões de reais foram liberados, segundo um levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos, organização não governamental de Brasília especializada no acompanhamento de gastos públicos. É provável que abrir os cofres da União num ano pré-eleitoral ajude Temer a conquistar a simpatia de alguns deputados que buscam agradar a prefeitos e correligionários em seus redutos.
Mas, ainda assim, a força-tarefa para tirar o governo da enorme pane política não conseguiu evitar uma crise interna no PSDB, o maior aliado de Temer, sobre a permanência na base aliada. O partido marcou uma reunião extraordinária de seus caciques e, na noite de 12 de junho (data de fechamento desta edição), a decisão foi de manter o apoio ao governo — apesar de uma pesquisa ter mostrado que 76% dos eleitores do partido apoiam o desembarque do governo. Segundo declarou o senador paulista José Serra, uma revisão do posicionamento do PSDB não estaria descartada caso surgissem “fatos novos”.
Qual é o custo para a economia da continuidade do governo Temer em uma versão anêmica? Até a crise política deflagrada pelas gravações da JBS, Temer vinha colhendo resultados surpreendentemente positivos para um mandato tampão e posterior ao traumático processo de impeachment de Dilma Rousseff. A começar pela montagem de uma equipe econômica com competência reconhecida pelo mercado e que, com medidas como a aprovação de um limite aos gastos públicos e o estabelecimento de metas fiscais factíveis, foi responsável por resgatar a confiança dos investidores nos rumos de uma economia brasileira que estava com a reputação manchada por anos de mentalidade estatizante e pelas barbeiragens fiscais de Dilma.
Mais do que isso, o governo Temer estava em via de executar a mais ampla agenda de reformas desde o primeiro mandato do tucano Fernando Henrique Cardoso, encerrado em 1998. Pelo cronograma inicial do governo, o plano era aprovar no Congresso três mudanças abrangentes — da Previdência, tributária e trabalhista — até o primeiro trimestre de 2018, quando deputados e senadores já estarão com a cabeça na campanha eleitoral. O calendário, já considerado bastante apertado por deputados e analistas antes da crise política, ficou apertadíssimo após três semanas em que quase nada andou na área legislativa em Brasília.
O único avanço foi o da reforma trabalhista. Ela já havia sido aprovada na Câmara antes da crise causada pela delação de Joesley Batista, passou pela comissão de assuntos econômicos do Senado em 6 de junho e, ao que tudo indica, será aprovada no plenário em breve. O restante da agenda reformista subiu no telhado e não está claro se sairá de lá tão cedo. O problema é a menor disposição de congressistas para franquear apoio a um governo trôpego em projetos com alto custo político justamente à beira das eleições do ano que vem. “O país perdeu uma oportunidade histórica de avançar em temas importantes para voltar a crescer”, diz o cientista político Fernando Schüler, da escola de negócios Insper.
Provavelmente, a maior prejudicada pela debilidade do governo Temer seja a aprovação de uma reforma da Previdência que, de fato, diminua o fardo nas contas da União, de estados e de municípios. Pelo calendário inicial do Palácio do Planalto, o texto deveria estar na reta final de tramitação em junho. Antes da crise, analistas já previam que a aprovação só sairia no segundo semestre.
A dúvida se o governo cairia ou não parou as discussões do tema, que deverão ser retomadas somente em agosto. E, uma vez reiniciadas as conversas, a expectativa é que seja com um texto mais tímido do que o discutido antes da crise política no Congresso, que já havia diluído cerca de 30% da economia prevista na proposta original elaborada pela equipe econômica. A tendência é que se consolide uma reforma bem mais enxuta, calcada basicamente na aprovação da idade mínima para aposentadoria de 65 anos para homens e 62 para mulheres e numa regra de transição. “A articulação política vai ter de começar do zero”, diz o cientista político Juliano Griebeler, da consultoria Barral M Jorge.
Caso até mesmo a aprovação de uma versão mínima fique inviável, é provável que o governo Temer edite medidas provisórias para avançar nos trechos da reforma que independem de mudança constitucional, como regras mais duras para a concessão da aposentadoria rural e de contribuição de servidores inativos. Desse modo, o governo poderia aprovar os textos por maioria simples no Congresso — e não de dois terços dos congressistas, como é o caso de alterações na Carta Magna. As mudanças pontuais estariam longe de resolver o enorme rombo causado pela seguridade social nas contas públicas do país — em 2016, o déficit atingiu o recorde de 150 bilhões de reais. Ainda assim, elas poderiam trazer ganhos no longo prazo. Nas contas do banco Itaú BBA, se trechos da reforma passarem por medida provisória, o impacto em 2025, quando as medidas estarão em pleno vigor, será de 0,4% do PIB, algo como 44 bilhões de reais de economia para os cofres da União. Do jeito como está hoje no Congresso, a reforma traria um ganho de 1,4% do PIB, ou 155 bilhões de reais.
Uma segunda estratégia que o governo Temer provavelmente usará na tentativa de recuperar o vigor reformista é investir numa agenda de microrreformas que enfrentam menos resistência de congressistas. São medidas que, entre outros objetivos, vão mirar na expansão da produtividade da mão de obra. Previsto inicialmente para maio, um pacote de medidas nessa linha está em gestação no Ministério da Fazenda, sob a batuta do economista João Manoel Pinho de Mello, doutorado pela Universidade Stanford, nos Estados Unidos, e que era professor titular na escola de negócios Insper e professor convidado na Universidade Harvard antes de ir para o governo (leia a entrevista na pág. 45). Estão nos planos, também, iniciativas para reduzir o desemprego, como o aumento na concessão de crédito do BNDES a pequenas e médias empresas, maiores geradoras de postos de trabalho.
Em meio às dificuldades adicionais que um governo Temer mais fraco vai trazer ao país até 2018, uma coisa é certa: a economia deve continuar longe do precipício em que se encontrava em 2015, em meio à crise política que culminou no impeachment de Dilma. “O mercado se apoia na tese de que a equipe econômica já entregou bons resultados e está isolada da crise do resto do governo”, diz o economista Celso Toledo, diretor da consultoria LCA.
Um bom termômetro de como os investidores até agora estão com os nervos controlados é a volatilidade do risco de investir no Brasil medido pelo CDS, um seguro pago sobre a venda de títulos no exterior. Logo após a revelação da delação da JBS, o risco aumentou de 60 pontos para 265. De lá para cá, vem caindo — estava em 238 pontos em 12 de junho. A cotação do dólar, que bateu 3,43 reais em 18 de maio, agora já flutua na casa dos 3,30 reais, nível mais perto ao de antes da crise política, que era de 3,10 reais.
A relativa calma pode virar uma tormenta mais séria, caso ocorram novas denúncias comprometedoras contra Temer. Um alento é saber que, mesmo nos cenários mais pessimistas para os próximos anos, os indicadores econômicos são melhores do que os dos dois últimos anos. “De qualquer forma, a economia continua com vetores positivos: há queda da taxa de juro e da inflação, liberando alguma renda para ativação do consumo e de setores hoje parados”, diz Pedro Passos, sócio da fabricante de cosméticos Natura. “Tenho a impressão de que essa inércia continua, mas depende do prolongamento da crise política.” Para a consultoria 4E, numa hipótese de que novas denúncias provoquem a queda de Temer, e um novo líder não consiga unir o país em prol da agenda reformista, a queda do PIB seria de 0,5% em 2017 e de 0,4% em 2018. É sem dúvida um mau desempenho, mas melhor do que a média de 3,5% de contração dos dois últimos anos.
Num cenário mais provável, de manutenção de Temer e de uma modesta agenda reformista, com alguma melhora na Previdência, a economia cai 0,1% neste ano e volta a crescer 0,4% em 2018. Na premissa otimista, em que Temer mantém a base política e segue o calendário de reformas pré-crise, há uma expansão acumulada de 2,9% do PIB até o final do ano que vem.
É improvável que o presidente Temer consiga transformar os sinais mais robustos da economia em capital político para vitaminar seu governo. Há, no entanto, razões para crer que o próximo presidente continue o que se tenta fazer agora. “A agenda de reformas vai seguir com mais força depois de 2018”, diz o cientista político Bolívar Lamounier. A combinação de despesas públicas crescentes com a lei para limitar a expansão real dos gastos deverá pressionar os políticos eleitos em 2018 a pensar em maneiras de tornar o Estado brasileiro mais eficiente e menos perdulário.
Problemas como o rombo na Previdência e as dificuldades causadas às empresas por um sistema tributário bizantino raramente foram discutidos de forma tão intensa por cúpulas partidárias e pela sociedade como nos últimos 12 meses. “Países frequentemente passam por ciclos reformistas e, muitas vezes, as falhas de um governo formam as bases para que o próximo governante retome a agenda de reformas”, diz Christopher Garman, diretor da consultoria Eurasia.
A disposição de Temer em fazer de tudo para recuperar o capital político e não ser desalojado antes da hora pode ser uma má notícia para quem torce pela celeridade na modernização da economia brasileira. Mas, para além de 2018, a vontade de fazer mudanças estruturais no país tem tudo para prosseguir.
Com reportagem de Flávia Furlan