Galaxy Fold, da Samsung: os smartphones com tela dobrável devem impulsionar o consumo de vídeo | Stephen Nellis/Reuters /
Lucas Agrela
Publicado em 28 de março de 2019 às 05h30.
Última atualização em 25 de julho de 2019 às 15h57.
Desde que o iPhone foi lançado, há mais de uma década, o visual dos smartphones mudou pouco. As telas até ficaram maiores e mais compridas, e os botões sumiram na parte frontal, dando lugar ao reconhecimento biométrico. Mas a característica física do display, em si, permaneceu essencialmente igual. Até 2019. Sem muito alarde, uma nova transformação começou a acontecer neste ano com o lançamento de smartphones com telas que podem ser dobradas ao meio. É como se a pessoa tivesse dois celulares, colocados um sobre o outro. Quando abertos na horizontal, eles formam uma única tela grande, que tem quase o tamanho de um tablet. Fechados, eles podem ser usados com uma mão só e cabem no bolso, como um celular qualquer.
A mudança não é apenas cosmética. Com a tela ampliada, a tendência é que os smartphones ganhem ainda mais funcionalidades. Será mais confortável assistir a filmes e séries, principalmente na companhia de outras pessoas. Também será possível usar mais de um aplicativo ao mesmo tempo (como e-mail, música e navegador de internet), porque eles podem ser abertos em janelas diferentes na tela grande. E os consumidores que gostam de games deverão ter acesso a jogos com gráficos ainda mais elaborados. Aparelhos assim podem até substituir o tablet de vez.
A tendência não surgiu da noite para o dia. Tudo começou com os celulares que traziam telas com uma pequena curva na lateral que avançava para a parte traseira. O primeiro modelo desse tipo foi o Galaxy Note Edge, lançado pela fabricante sul-coreana Samsung em 2014. O que possibilitava a curvatura no display era uma tecnologia que utiliza materiais orgânicos, conhecida como Amoled. Agora, a mesma Samsung apresentou seu primeiro celular com tela dobrável, o Galaxy Fold, lançado em fevereiro.
O executivo Antonio Quintas, vice-presidente da divisão de dispositivos móveis da Samsung no Brasil, conta que a criação surgiu para atender ao desejo dos consumidores, que mostraram interesse por telas mais amplas em pesquisas feitas pela empresa. “Queríamos fazer algo diferente, definindo um novo padrão em que a tela não é mais limitada pelo tamanho do dispositivo, e assim permitir aos usuários que façam, vejam, aprendam, criem e experimentem mais”, afirma Quintas.
A Samsung não está sozinha na empreitada. A fabricante chinesa Huawei apresentou seu smartphone com tela dobrável em fevereiro. Chamado de Mate X, ele tem um display um pouco maior do que o telefone da concorrente (8 polegadas ante 7,3 polegadas). José Luiz do Nascimento, diretor de vendas da Huawei no Brasil, afirma que o dispositivo chegará neste ano à Europa, mas o início das vendas aqui ainda não está definido. “É uma coisa tão nova que as possibilidades ainda não foram descobertas. Esse é um dispositivo para quem busca a mais alta tecnologia e inovação”, diz Nascimento.
Como qualquer tecnologia nova, as vendas de smartphones com tela dobrável devem ser pequenas no começo, mas tendem a crescer com o tempo. Elas devem passar de 1,6 milhão de unidades em 2019 para 66 milhões em 2023, segundo estimativa da consultoria americana Display Supply Chain Consultants, fornecedora de dados sobre telas para a indústria. A partir de 2020, espera-se que as telas flexíveis cheguem aos tablets e aos notebooks. Mas nenhum aparelho “dobrável” será tão popular quanto o smartphone — que, de fato, lidera a mudança de paradigma nas telas.
A chegada das telas flexíveis coincide com um momento de enfraquecimento do mercado de smartphones no mundo depois de uma década de ouro — que, por sinal, foi muito bem aproveitada por empresas como a Apple e a Samsung. Em 2009, quando o iPhone ainda era uma novidade, o número de aparelhos vendidos mundialmente estava na faixa dos 174 milhões. Em 2017, as vendas tinham saltado para 1,46 bilhão de unidades. De lá para cá, porém, os números vêm caindo. Para 2019, a expectativa é de uma retração de 0,7% das vendas no mundo e de 4,3% no Brasil, segundo a consultoria americana IDC. É uma prova de que até os mercados mais promissores têm um teto.
A maioria dos consumidores está em seu segundo, terceiro, quarto, quinto ou sexto smartphone. O nível de exigência com a qualidade subiu, e os preços também. A principal linha do iPhone, que custava 650 dólares nos Estados Unidos até 2016, passou a ser vendida por pelo menos 1.000 dólares. Os novos modelos com tela dobrável ficam acima dos 2.000 dólares. Com isso, há uma mudança de mentalidade das empresas do ramo. “As fabricantes não olham mais para as vendas, apesar de isso ainda ser importante. A demanda agora é saber como o consumidor quer receber seu próximo dispositivo. Os principais desejos são telas maiores, mais memória e câmeras melhores”, afirma Renato Meireles, analista sênior da IDC no Brasil.
A tecnologia dos telefones está avançando tão rapidamente que os smartphones praticamente engoliram o mercado de outros equipamentos eletrônicos. As vendas de câmeras digitais, por exemplo, caíram 84% de 2010 a 2018. Em número de unidades, isso significa um tombo de 121 milhões para 19 milhões, de acordo com a Associação de Câmeras e Produtos de Imagem. Smartphones como o novo Galaxy S10, lançado em março, têm cinco câmeras — sendo uma delas uma lente grande angular, que fotografa com amplitude de 120 graus, como fazem as câmeras da marca GoPro. As demais lentes são usadas para o zoom ou para criar retratos com fundo desfocado, mais estilizadas.
Mais recursos, mais velocidade
Com cada vez mais pessoas usando seus celulares para registrar — e, principalmente, enviar — fotos e vídeos, as empresas do ramo estão de olho em outra tendência: o 5G. Esse novo padrão de conexão móvel promete elevar a velocidade das redes para a casa dos gigabits por segundo (1 gigabit = 1.000 megas), ou dezenas de vezes mais rápido do que uma conexão 4G. A tecnologia ainda está em fase embrionária no mundo. No Brasil, nem mesmo as frequências de transmissão foram definidas, algo que deverá ficar para 2020. Já os Estados Unidos terão os primeiros serviços de 5G neste ano. Os primeiros smartphones 5G também já vão chegar ao mercado. O Mate X, da Huawei, e o Galaxy S10, da Samsung, são compatíveis com a conexão.
Assim como ocorre com as telas flexíveis, a esperança é que a tecnologia ajude a retomar as vendas. A previsão da consultoria americana Gartner indica que 65 milhões de smartphones 5G serão vendidos até o fim de 2020. A curva de crescimento, porém, será mais lenta do que a do 4G. “Em seus primeiros quatro anos, a tecnologia 4G já estava presente em 68% dos celulares. A previsão é que a 5G chegará a apenas 28% no mesmo período, por causa da complexidade da rede, do custo da implementação e do preço dos aparelhos”, diz Samir Vani, diretor no Brasil da MediaTek, empresa taiwanesa que projeta processadores para smartphones.
A MediaTek só apresentará seu modem 5G ao mercado em 2020. Já a rival americana Qualcomm, líder no mercado de processadores para smartphones, está mais animada. “A tendência é que, com a transição para o 5G, haja um aumento exponencial da qualidade dos smartphones. Isso vai criar um novo ciclo de crescimento”, diz Cristiano Amon, presidente da Qualcomm (leia entrevista abaixo).
Mas, até que o 5G tenha um impacto nas vendas, os smartphones terão de ficar mais acessíveis. Para isso, a Qualcomm se aliou à chinesa USI na implantação da primeira fábrica de semicondutores de alta densidade no Brasil, que ficará em Jaguariúna, no interior de São Paulo. O plano é produzir na fábrica um novo módulo de processamento, chamado de SiP 1, que acomoda mais de 400 componentes para celulares em uma única placa. A primeira marca a abraçar a iniciativa é a taiwanesa Asus, que utiliza o módulo em dois smartphones. A tecnologia libera espaço no interior do celular para outros componentes, como baterias e câmeras.
Ainda que os celulares 5G e com tela dobrável sejam o futuro da telefonia móvel, as duas tecnologias ainda devem levar tempo para se popularizar. “Elas precisam avançar muito para atender a todos os públicos. Precisam ter mais apelo para ser usadas”, afirma Tina Lu, analista de telecomunicações da consultoria Counterpoint Research, uma das principais da China. Grande parte dos consumidores já utiliza atualmente smartphones bastante avançados. E, como os aparelhos estão mais caros, os usuários tendem a ficar por mais tempo com o mesmo celular.
Há dois anos, as pessoas trocavam de smartphone, em média, num período de 18 a 24 meses. Hoje, o intervalo está entre 24 e 30 meses. A tendência é que a periodicidade continue alta. É provável que o rápido crescimento do mercado de smartphones não volte a se repetir tão cedo. No entanto, para o consumidor, o lado bom é que ele terá telas cada vez maiores e uma conexão mais veloz em seus aparelhos.
Para Cristiano Amon, presidente da maior fabricante de chips para smartphones, o impacto das redes 5G vai além da indústria de telefonia móvel | Filipe Serrano
Formado em engenharia elétrica na Unicamp, Cristiano Amon é um dos executivos brasileiros mais bem-sucedidos da indústria de tecnologia hoje. Como presidente da Qualcomm, ele responde apenas a Steven Mollenkopf, que é o presidente executivo global. A Qualcomm é hoje a maior fabricante de processadores para smartphones do mundo e fatura 22 bilhões de dólares ao ano. Em março, Amon esteve no Brasil para o anúncio da instalação de uma fábrica no interior de São Paulo, num investimento de 220 milhões de dólares em conjunto com a chinesa USI. A EXAME, ele falou sobre as redes 5G e os novos smartphones com telas dobráveis.
O senhor é um dos poucos brasileiros que lideram empresas de tecnologia no exterior. O que o fez sair do país?
Até o fim dos anos 80, o Brasil tinha uma reserva de mercado na área de eletrônica e havia desenvolvimento e pesquisa. Mas a indústria parou de se desenvolver e muitos saíram do país. Sou parte dessa diáspora dos anos 90. Muita gente da minha turma da Unicamp está fora, porque não havia oportunidades para trabalhar na área de pesquisa e de tecnologia de ponta.
O país continua sendo prejudicado pela falta de oportunidades na área?
Sim. Essa diáspora de mão de obra capacitada não é boa. Veja o exemplo da Qualcomm. Nós temos um investimento acumulado em pesquisa de 56 bilhões de dólares. E essa pesquisa é realizada em vários centros no mundo. Nos Estados Unidos, na Europa, em Taiwan, na China, no Japão e até na Índia. Mas o Brasil não é um destino natural para esses investimentos. Espero que isso mude, porque o Brasil tem oportunidades a ser exploradas, inclusive na área de 5G.
Como o 5G pode nos beneficiar?
Se olharmos a história, algumas tecnologias tiveram uma aplicação muito mais ampla do que seu uso inicial, como o motor a vapor ou a combustão. Essas tecnologias provocaram uma mudança em vários setores da sociedade. Outro exemplo é a eletricidade. Ninguém discute para que serve a eletricidade. Assume-se que ela está lá e é parte da infraestrutura básica. Com o 5G, é a primeira vez que uma tecnologia de telecomunicação vai exceder, em muito, a própria indústria de telecomunicações. É uma tecnologia que transcende a telefonia móvel.
Transcende para quais áreas?
Um exemplo é a manufatura. As fábricas hoje estão ficando mais automatizadas e mais conectadas. Essas máquinas todas, em vez de ser controladas apenas por um software comum, vão se conectar com a nuvem, com os sistemas de operação. E elas precisam ter conectividade 99,999% do tempo. A conexão não pode falhar. O 5G vai permitir essa estabilidade. Meu ponto é: com o 5G, a telecomunicação passa a ser ainda mais fundamental para a sociedade.
É por isso que o 5G é um assunto tão politizado?
Sim. O 5G virou um assunto de importância estratégica para os governos porque não se trata apenas de transmitir dados dos usuários, mas de máquinas, de indústrias. É o que vai fazer diferença se um país vai ter empresas competitivas ou não. É por isso que nenhum país quer ficar para trás. Quando o 4G foi lançado, a Europa levou dois anos depois dos Estados Unidos para instalar suas redes. Essa é uma das razões de a Europa não ter empresas como Amazon, Facebook, Uber. Hoje, os governos entendem a importância.
Qual sua opinião sobre o modo como o Brasil trata o assunto?
No Brasil, é muito comum as pessoas dizerem: “Mas nós nem temos o 4G direito. Como vamos ter 5G?”, e esse tipo de conversa. O problema é que, agora, a questão é diferente. Não se deve olhar única e exclusivamente para a aplicação na telefonia móvel, mas para a aplicação industrial e comercial. Toda vez que há uma transição tecnológica, há uma oportunidade de o Brasil identificar setores para os quais o país tem vocação e fazer o possível para atingir uma posição competitiva não só no cenário nacional mas no global.
E estamos atrasados?
O Brasil não faz parte do grupo de países que estão lançando o 5G em 2019, como Estados Unidos, China, União Europeia, Inglaterra, Austrália, Japão e Coreia do Sul.
Hoje alguns fabricantes estão lançando smartphones com telas flexíveis. Como essas tendências estão conectadas?
A velocidade de conexão, seja 4G, seja 5G, e a capacidade de processamento dos smartphones já são muito maiores do que o tamanho da tela suporta hoje. A tela é o limite do que se pode fazer. Com a tela flexível, as possibilidades de uso dos smartphones aumentam. As telas grandes vieram para ficar.
As vendas de smartphones pararam de crescer. O 5G e as telas flexíveis vão reverter a estagnação?
A tendência é que, com a transição para o 5G, haja um aumento exponencial da qualidade dos smartphones. Isso vai criar um novo ciclo de crescimento. Os aplicativos terão mais recursos — sejam eles redes sociais, serviços de streaming ou games —, e vai aumentar a necessidade de fazer um upgrade do smart-phone. A gente volta a ter um ciclo de crescimento de 2 dígitos, o que a gente espera ver em 2020.
No Brasil também?
O contexto no Brasil é diferente porque o país não vai ter 5G em 2019. Mas o Brasil não está tão distante de outros mercados em desenvolvimento, como a China e a Índia. As pessoas sempre querem um telefone melhor do que o anterior. E a diferença tecnológica entre um smartphone de entrada, mais simples, para um topo de linha está diminuindo, o que é positivo para empresas como a Qualcomm.