Concessionária da Renault: o Brasil virou o segundo maior mercado da empresa (Fabiano Accorsi/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 17 de outubro de 2012 às 09h39.
São Paulo - Na última década, o mercado automotivo brasileiro mudou para continuar exatamente do mesmo jeito. O número de montadoras no país passou de 15 para 43 com a entrada de companhias coreanas, japonesas e chinesas. Mas, em meio a essa transformação toda, as líderes de mercado permaneceram as mesmas.
Nada muda no topo: desde 2001, Fiat, Volkswagen, General Motors e Ford ocupam as quatro primeiras posições do ranking, exatamente nessa ordem. Mas esse clubinho está, finalmente, ameaçado — e não por uma faminta montadora asiática, mas pela francesa Renault.
A empresa aumentou suas vendas em 210% desde 2007 e mais que dobrou sua participação de mercado, para 6,7%. Ninguém cresceu tanto. No caminho, deixou para trás sua conterrânea Peugeot e a japonesa Honda para assumir o quinto lugar. Agora, os franceses se aproximam de seu novo alvo: a Ford.
A disputa mais intensa da indústria automotiva brasileira, portanto, não é pelo primeiro, pelo segundo ou pelo terceiro lugar. É na briga pela quarta posição que o bicho está pegando. A diferença chegou a 0,8 ponto percentual em agosto, mas voltou a crescer para 1,7 ponto percentual em setembro.
Cada ponto representa 50 000 unidades vendidas num ano. Há apenas dois anos, a diferença entre as empresas era de 4,2 pontos percentuais. Os franceses já ultrapassaram a Ford em três estados — Rio de Janeiro, Paraná e Roraima — e no Distrito Federal. O objetivo declarado da empresa é alcançar 8% de participação de mercado até 2015.
Virando o jogo
O crescimento recente se torna impressionante quando contrastado com a situação vivida pela Renault no país há sete anos. Após anos de prejuízo, a matriz cogitou fechar as portas da fábrica, instalada no Paraná, e deixar o Brasil. Com uma linha de produtos pequena e modelos que não emplacaram, a linha de produção ficava ociosa — a empresa perdeu dinheiro no país até 2008.
Mas, entre abandonar o país e redobrar a aposta, a matriz decidiu pela segunda opção. Com modelos adaptados ao mercado brasileiro e ancorada pelo volume do popular Sandero, a Renault voltou a dar lucro em 2009 (o montante não é revelado) e, sobretudo, a crescer. Dez anos atrás, a subsidiária brasileira era a décima maior da Renault no mundo. Hoje, é a segunda, atrás apenas da França.
O curioso é que, para crescer tanto a ponto de encostar na Ford, a Renault lançou produtos que atingiram a montadora americana como um míssil teleguiado. Primeiro, no segmento popular. Até 2007, a Ford era uma das líderes nesse mercado com o Ka e o Fiesta, que vendiam 98 000 unidades por ano.
A Renault, que só tinha o popular Clio, lançou em 2007 o Sandero, uma rara novidade num segmento dominado por marcas antigas, como Gol e Mille. O modelo foi um sucesso. Em 2011, a Renault vendeu 148 000 carros populares, ante 121 000 da Ford. No fim do ano passado, a montadora desferiu seu ataque mais direto à montadora americana com a chegada do utilitário esportivo Duster.
Desde seu lançamento, em 2003, o EcoSport, da Ford, vendeu mais de 700 000 unidades e liderou com folga o segmento. Com o Duster, isso mudou. Em apenas dois meses, a Renault roubou a liderança da Ford. Desde então, a disputa é carro a carro. Em seu contragolpe, a Ford antecipou para agosto o lançamento da nova versão do EcoSport, programado inicialmente para o Salão do Automóvel de São Paulo, no final de outubro.
A Ford garante que, desde 18 de setembro, o EcoSport voltou a vender mais que o Duster. Naquele dia, o placar foi 165 a 163 a favor dos americanos — a celeridade com que a Ford divulga esse tipo de informação é uma evidência poderosa do incômodo causado pela ascensão da Renault. Procurada, a Ford não quis dar entrevista.
Com o acirramento da crise na Europa, continuar a crescer no Brasil virou uma prioridade global para a Renault. A venda de carros na Europa está devagar, quase parando. De acordo com a consultoria Alix Partners, o mercado europeu só deve voltar ao patamar pré-crise no longínquo 2020.
Em 2006, foram emplacados 16,8 milhões de automóveis no continente. Para 2013, a expectativa é que sejam vendidos apenas 13 milhões. Durante o Salão de Paris, no final de setembro, o presidente mundial da Renault, o brasileiro Carlos Ghosn, discutiu publicamente a possibilidade de fechar fábricas na região.
No Brasil, o plano de investir 1,5 bilhão de reais entre 2010 e 2015 continua de pé. A verba de marketing foi engordada em 30% desde 2010. A Renault sabe, sobretudo, que terá de aumentar sua gama de produtos para continuar crescendo.
Segundo EXAME apurou, a empresa estuda sua entrada em outros segmentos no país — entre eles, picapes (nicho em que a Strada, da Fiat, é líder), utilitários esportivos de luxo (como o Tucson, da Hyundai) e hatchs médios (como o Focus, da Ford).
Mas, se chegarem, os novos modelos não terão vida fácil. A concorrência não para de crescer. A Ford, evidentemente, não está parada e planeja investir 4,5 bilhões de reais no Brasil até 2015 (incluindo sua unidade de caminhões). Uma série de outros lançamentos pode atrapalhar os planos dos franceses.
Duas novidades apresentadas em setembro competem diretamente com o Sandero: os populares Etios, da Toyota, e o HB 20, da Hyundai. A General Motors planeja lançar no Salão do Automóvel o Tracker para competir com o Duster e o EcoSport. A chinesa JAC retomou seus planos de investir 900 milhões de reais em uma fábrica na Bahia.
O risco também é interno. Em dezembro, a Renault vai paralisar por dois meses sua fábrica de São José dos Pinhais, no Paraná. Nesse período, a unidade terá a capacidade ampliada em 30%, para 380 000 veículos por ano.
“O motivo da parada é nobre, mas ela vai atrapalhar nossas vendas em 2013”, diz o francês Olivier Murguet, que há um ano assumiu o comando da subsidiária brasileira. O risco da parada é calculado. Mas, pelo menos durante 2013, vai ajudar a manter o clubinho das líderes exatamente como está.