Iuri Miranda, do Burger King: a rede quadruplicou em cinco anos (Germano Luders/Arquivo)
Da Redação
Publicado em 25 de agosto de 2016 às 15h23.
São Paulo — Poucas empresas mostraram na última década uma capacidade de reinvenção tão impressionante quanto o McDonald’s, maior rede de lanchonetes do mundo. Já faz bastante tempo que a sabedoria convencional prevê o declínio da empresa. O McDonald’s, afinal, sofre ataques de todo canto. Seus sanduíches “fazem mal” à saúde, são “desprezados” pelas novas gerações de consumidores.
Pancada após pancada, o McDonald’s soube dar uma resposta e provou que os relatos acerca de sua morte eram exagerados. Sua linha de café da manhã revitalizou as vendas no mercado americano, a empresa conquistou mercados emergentes e, assim, a companhia engatou uma sequência de anos de crescimento. Mas, num segmento tão exposto a mudanças de comportamento, as dores de cabeça não param.
No mundo, a maioria dos últimos trimestres foi de vendas em queda. No Brasil não tem sido muito diferente. O McDonald’s enfrenta aqui os mesmos desafios que incomodam no resto do mundo. Com um agravante: um velho concorrente que cresce em ritmo muito mais rápido — o Burger King.
McDonald’s e Burger King são, como Coca-Cola e Pepsi, rivais globais. Outra semelhança é que há, nos dois casos, um claro líder e a outra empresa é quase um feliz segundo colocado. Mas o Brasil, quarto maior mercado no mundo de alimentação fora de casa, era um ponto fora da curva na disputa particular entre as duas redes que popularizaram o hambúrguer no mundo.
Até 2011 o Burger King tinha uma presença pífia no mercado nacional, com 139 lojas, e metade dos brasileiros não tinha sequer ouvido falar na marca. Já o McDonald’s tinha quase 700 restaurantes e era sinônimo de hambúrguer. Nos últimos cinco anos, no entanto, a briga global começou a se refletir no Brasil, com clara vantagem para o desafiante.
O Burger King abriu quase 400 lojas — ou seja, sua rede quadruplicou. O McDonald’s, por sua vez, tem hoje 883 pontos. Virou, finalmente, briga de gente grande. O que explica velocidades tão diferentes? Antes de mais nada, o Burger King cresce como quem corrige uma anomalia — a participação anterior era incompatível com o tamanho da empresa no mundo.
No fim de 2010, o 3G, fundo controlado por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, comprou o Burger King nos Estados Unidos e adotou como estratégia escolher parceiros locais para tocar as operações em alguns grandes mercados. Quem ficou com o comando no Brasil foi a Vinci, companhia de investimentos fundada por Gilberto Sayão, ex-controlador do banco Pactual.
Em 2014, o Temasek, fundo de Singapura, investiu cerca de 250 milhões de reais para ficar com 20,5% da operação brasileira, avaliando a empresa em 1,2 bilhão de reais. No mês passado, o americano Capital Group aportou mais 450 milhões de reais e ficou com 31% das ações, avaliando a empresa em 1,45 bilhão de reais. Vinci e 3G logo imprimiram um ritmo alucinado de crescimento ao Burger King.
Sob comando de Iuri Miranda, que fizera carreira no setor de óleo e gás, a rede abriu 174 lojas em dois anos, quase 40 a mais do que a gestão anterior havia levado sete anos para alcançar (o Burger King chegou ao Brasil em 2004). Entre os grandes mercados do mundo, o Brasil passou a ser o de maior crescimento para o Burger King.
Enquanto o rival passava para as mãos de empresários que não precisavam dar satisfações a pequenos acionistas, o McDonald’s vivia momento oposto. Em 2011, a Arcos Dorados, empresa argentina que controla a rede na América Latina, abriu o capital na bolsa.
“Isso tende a fazer com que a administração seja mais cautelosa quanto a novos investimentos e tente fazer com que os ativos existentes gerem mais valor”, diz Rubens Batista, especialista em varejo da consultoria 2B Partners. A rede anunciou que pretende vender imóveis onde funcionam lojas próprias para reduzir seu endividamento. Em 2015, o faturamento da Arcos Dorados no Brasil caiu 25%.
Como divulga seus resultados em dólares, a depreciação do real em 2015 foi responsável por boa parte da queda. Burger King e McDonald’s não deram entrevista. O Burger King, por sua vez, é controlado por investidores que adotam outra dinâmica. Seu objetivo número 1 é crescer, ganhar musculatura e, no futuro, vender ações numa abertura de capital. Ter prejuízo, hoje, é coisa do jogo.
Mesmo com esse ímpeto, a vida não tem sido nada fácil. A meta inicial, de ter 900 restaurantes até 2016, não será alcançada. A venda de ações ao Capital, em agosto, foi mais por necessidade do que por outra coisa. A Vinci não colocou dinheiro novo, vendeu uma parte de suas ações e também foi diluída — sua participação caiu de 75% para 31%.
Por causa dos elevados investimentos na expansão, a rede gera caixa, mas não dá lucro. Antes da entrada do Capital, o Burger King encarava dívidas crescentes, que estavam acendendo a luz amarela para os controladores. Em dezembro de 2015, a dívida líquida do Burger King no Brasil era de 264 milhões de reais, e os indicadores de solvência da rede vinham piorando.
A entrada do Capital no negócio deu um bem-vindo respiro financeiro para a expansão da companhia. O Burger King terá condições de manter o crescimento recente? De 2011 a 2015, a empresa saiu de uma geração de caixa de 8 milhões de reais para 84 milhões. É um número impressionante, mas também indica que o trabalho mais simples já foi feito.
Nos primeiros anos, os fundos mantiveram controle absoluto de 80% das lojas. Agora que já chegaram às grandes capitais do país, decidiram abrir um programa de franqueados para aumentar a presença em cidades do interior, onde não valeria a pena manter negócios próprios.
Enquanto desbrava novos mercados, o Burger King pode se beneficiar da crise — nas lojas de rua e também nos shoppings, a negociação de aluguéis de pontos comerciais está mais favorável. Talvez o maior desafio seja mesmo a concorrência, que só faz aumentar. Apesar de ter crescido tanto, o Burger King ainda é muito menor do que o McDonald’s no Brasil.
Feitas as contas com base na cotação atual do dólar, o McDonald’s fatura cerca de 4,5 bilhões de reais no Brasil, quatro vezes mais que o Burger King. No ano passado, o novo presidente do McDonald’s, Steve Easterbrook, anunciou um programa para melhorar o cardápio no mundo todo e reagir à concorrência.
As redes de alimentação rápida enfrentam as mudanças nos hábitos dos consumidores de alta renda, que preferem hambúrgueres mais “sofisticados” — nos centros urbanos brasileiros, a profusão de “hamburguerias” é uma evidência disso. Para complicar um pouco mais as coisas, a concorrência com outras redes está crescendo. Outra empresa americana, a Wendy’s, abriu duas lojas em São Paulo.
A Taco Bell, gigante de comida mexicana, abrirá a primeira unidade no Brasil até o fim deste ano e espera chegar a 100 até 2020. O Burger King mostrou que é possível montar uma grande operação no Brasil em pouco tempo. Era natural que a concorrência tentasse fazer o mesmo.