Ativação no Lollapalooza: patrocinadoras presentes em 18% das imagens compartilhadas (Fernando Souza/Divulgação)
Victor Sena
Publicado em 28 de abril de 2022 às 06h00.
Última atualização em 29 de abril de 2022 às 18h51.
Desde os portões do autódromo de Interlagos até a frente dos palcos onde artistas como The Strokes e Alok cantaram no festival Lollapalooza, era impossível não prestar atenção nos patrocinadores desta edição de 2022 do festival, que já é presença consolidada na agenda de São Paulo. De frente para os shows, espaços foram erguidos para as marcas criarem contato com os participantes.
Por ali, nas chamadas ativações, a multidão aguardava por brindes, vista privilegiada ou espaços para fotografias durante os três dias do evento. Famosos e executivos das empresas circulavam nos espaços, e por todo lado celulares eram sacados dos bolsos para algum registro.
A volta do festival, depois de ter sido cancelado devido à pandemia em 2020, era a oportunidade perfeita para que empresas tentassem se conectar com as mais de 100.000 pessoas que circulavam em cada um dos dias. Depois do hiato de dois anos, a última edição do Lolla teve recorde de marcas patrocinadoras. Foram 21 no total. Por trás desses investimentos está um novo paradigma do marketing: foi-se o tempo apenas da informação. Chegou para ficar o tempo da experiência e da emoção.
Para além do nome pomposo, o marketing de experiência é uma metodologia que foca a profundidade de conexão com o público. A ferramenta nasce com as tecnologias digitais e como consequência do próprio desenvolvimento da economia.
No primeiro ciclo do capitalismo, o foco do consumo eram as matérias-primas, o produto bruto. Logo depois nasceram as marcas. Aí, os produtos começaram a ser vendidos depois de processamento, com embalagens. Já na era seguinte, nasceu o consumo junto com serviços. Um exemplo dentro dessa jornada através do tempo é o café.
Ele começou a ser vendido de forma a granel em feiras. Depois ganhou marcas e embalagens e, na terceira fase, chegou às cafeterias. Nos últimos 20 anos, então, vivemos a era da experiência, em que é preciso ter personalização. As cafeterias ganharam wi-fi para se tornarem um bom ambiente de trabalho, a atmosfera ficou cativante e as marcas passaram a investir no despertar dos sentidos.
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O consultor e empresário de marketing de experiência Marvin Akbari destaca a experiência proporcionada por marcas como o Starbucks. “Em Milão, de onde eu venho, tem um café por 2,50 euros, mas do outro lado da rua tem um Starbucks por 5 euros. E tem fila. As pessoas hoje buscam por experiência, mesmo a um preço mais alto. O acerto de Apple e Disney foi perceber isso antes”, explica.
Um setor mestre em proporcionar experiência é o de luxo. As grifes de alto padrão dificilmente fazem promoções. Seu apelo é criar experiências, principalmente dentro das lojas. Essas abordagens ganharam força nas últimas duas décadas com a era digital porque há um excesso de informação e naturalmente acontece uma busca por diferenciação, de acordo com Akbari.
Além de marketing de experiência, as estratégias são batizadas com os termos em inglês brand experience e live marketing, ou, em bom português, marketing sensorial ou marketing de ativação. Há quem dê os créditos à criação desses termos ao ex-executivo do Google Eric Schmidt ou até ao autor do primeiro livro lançado sobre o tema, Bernd H. Schmitt. No fim, elas tratam de provocar afeto, memória e viralização.
“Vejo que a expressão ‘ativar a marca’ até deveria ser substituída por ‘ativar a emoção’. É disso que tratam as ações nomeadas como ativações. A Coca-Cola, por exemplo, fala de família, felicidade e Natal. Quer ativar a emoção e se associar a ela, para que a memória da marca venha toda vez que a emoção vier”, opina Akbari.
Ao mesmo tempo que o consumidor pode pesquisar mais com a internet, ele quer mais personalização para se diferenciar. A mídia digital até permite comunicar com a vantagem da amplitude, mas a vantagem da experiência presencial é o que garante a chamada profundidade emocional. Para Ricardo Bruno, da agência Avantgarde Brasil, vivemos realmente uma economia da experiência.
Nesse contexto, o valor investido em produtos e bens de consumo diminui. “O marketing de experiência existe para entender esse novo comportamento dos consumidores, com as marcas valorizando o poder das histórias, a relevância de pensar além de produtos e serviços. Mais do que atrair clientes, gerar valor e criar relacionamento para fidelizá-los. Já o live marketing, na minha opinião, é a principal ferramenta do marketing de experiência que tem como foco desenvolver e executar estratégias e ações para demonstrar na prática a promessa da marca.”
Para isso, Bruno entende que é preciso estar em contato direto com o consumidor, porque a mudança para uma abordagem emocional precisa ser assertiva. Muitas vezes os orçamentos são menores do que grandes campanhas de massa, mas têm mais retorno.
A VOLTA DOS EVENTOS
O sucesso do Lollapalooza pode ser considerado um início da retomada do setor em 2022. Depois de dois anos sem ações físicas devido à pandemia, o momento é de volta de investimento das marcas em ações. Isso porque há verba represada para atividades que já eram para ter acontecido. Neste ano também haverá outros grandes festivais no país, como Rock in Rio e Rock the Mountain, além da Copa do Mundo no Catar.
Em 2019, antes da pandemia, esse mercado estava faturando 50 bilhões de reais anuais, com um crescimento de mais de 130% nos últimos seis anos. Com o fim dos eventos na pandemia, tudo mudou. Mais de 90% das agências especializadas foram diretamente afetadas com a crise, com queda de faturamento de até 75% até o final de 2020, segundo dados levantados pela associação do setor Ampro.
Para a presidente da associação, Helô Santana, é possível desenvolver ações de marketing de experiência de forma mais remota. “Com a pandemia, as ativações deixaram de ser presenciais. E aí elas foram para o digital. A marca pode começar a história no presencial e continuá-la no digital. A essência é a de ser ao vivo, mas existe a intenção de provocação de um residual no consumidor. Um exemplo foi a live de várias horas no começo da pandemia com cantores internacionais e os festivais e a conferência SXSW, totalmente digitais em 2021.”
A retomada dos investimentos nessas ações viveu uma movimentação forte no fim do ano passado, mas acabou sendo frustrada pela onda de infecções da variante ômicron no país, que provocou a suspensão de eventos como o carnaval de rua no Rio de Janeiro e em São Paulo. É só neste segundo trimestre, principalmente a partir do start gerado pelo Lollapalooza, que as marcas devem voltar a campo.
O marketing de experiência está intimamente ligado ao setor de eventos, que movimenta a cada ano 930 bilhões de reais, o equivalente a 13% do PIB. Na retomada do pós-pandemia, a tendência é de uma conexão ainda mais forte das ativações com o ambiente digital e maior utilização de tecnologia. A gamificação e a realidade virtual devem ser recursos cada vez mais utilizados pelas empresas. A vantagem que fica para as marcas é que o isolamento social dos últimos dois anos deve estimular agora a presença de mais pessoas nos eventos.
Fora dos grandes centros, o dinheiro de grandes marcas ainda não chega com a mesma facilidade. Cidades médias ou fora do eixo Rio-São Paulo acabam ficando sem atenção, principalmente por causa da consolidação de certos setores, como o de bebidas e alimentos. Movimentos de fusões e aquisições levaram quem toma as decisões principalmente para São Paulo. Na visão de Alexa Carvalho, diretora da agência ETC & Tal, há muito potencial fora das capitais, principalmente se as marcas levarem em conta o perfil de cada sub-região, os atrativos turísticos e os eventos que costumam acontecer ali. “Acredito que as marcas precisam despertar para o potencial do interior. Há eventos em Belo Horizonte em que circulam 70.000 pessoas por dia. Em Juiz de Fora, os eventos atraem pessoas de cidades em um raio de 150 quilômetros. As marcas precisam ter essa intenção de dispersar a verba”, aponta Carvalho.
Para alcançar os objetivos de causar emoção, memória ou viralização, as empresas precisam considerar alguns pontos. O primeiro deles é a disponibilidade do investimento. Isso vai definir principalmente o alcance das ações físicas. Mas o ponto fundamental de verdade é a legitimidade. Para uma marca criar uma ativação em um evento, ela precisa estar alinhada com aquele público e aquela cultura. Isso porque criar ações pensando apenas no tamanho do público pode ser um tiro no pé. Qual é a aderência daquele local e daquelas pessoas com a sua marca? Isso inclui atenção à linguagem, porque a marca não pode ficar como um corpo estranho no ambiente. Com isso em mente, o conhecimento do público também é fundamental. Quais são as outras marcas que esse consumidor consome? Quais são os lugares que eles frequentam? O que eles valorizam? No fim das contas, o que arremata o final das ações de marketing de experiência tem a ver com a intenção de criar memória e viralização. Por isso, as marcas investem em manter a conversa na sequência.
Quando essa estrutura é levada em conta, há grandes chances de sucesso. Mas para monitorar esse efeito é necessário ter clareza do objetivo. As métricas e os indicadores de performance vão variar. Tudo depende do que pretende ser alcançado. Aqui vale desde o aumento da percepção e preferência, o chamado awareness, até o aumento das vendas. As oportunidades de marketing de experiência podem também trazer percepções do consumidor sobre a marca. No caso do Lollapalooza, alguns dados mostram como a viralização deu certo. Do total de imagens compartilhadas durante o festival, 18,7% mostram marcas patrocinadoras, segundo dados das empresas Elife e da SA365, que fizeram monitoramento de postagens com inteligência artificial. A marca mais presente nas fotos foi a Doritos, que foi a patrocinadora master, com 9,1% das aparições. Em segundo lugar vem o canal Multishow, que teve sua marca exposta em 3,1% das imagens. Em terceiro lugar ficou a Budweiser, com 2%.
O relatório da Elife e da SA365 mostrou que essa presença forte das marcas aconteceu devido a duas estratégias principais. A primeira foi atrelar os logotipos a painéis artísticos, banners e murais, o que aumentou o share de visibilidade das marcas patrocinadoras. A segunda estratégia foi a distribuição de brindes com os logos das marcas. Pedro Goldfarb, diretor de marketing da Doritos no Brasil, explica que o espaço da marca no Lollapalooza foi criado com base nas ideias de diversão e ousadia. “Nossa plataforma atitudinal conversa diretamente com o público que está em busca de experiências ousadas, memoráveis e únicas, o que está bastante conectado com as pessoas que frequentam festivais como o Lollapalooza. De todo o portfólio da PepsiCo, a marca Doritos é a que mais conversa com o público de festival”, afirma.
De acordo com Goldfarb, o saldo para a Doritos foi extremamente positivo, principalmente pelo número de publicações e menções orgânicas à marca nas redes sociais. Ao todo, a marca teve três espaços no Lollapalooza. O principal deles tinha dois andares, chegando a 150 metros quadrados, a maior área de uma marca no evento. Por ali passaram 8.000 pessoas. As ativações ali incluíam instalações para fotos e distribuição de brindes como capas de chuva personalizadas e produtos. Outro espaço que teve sucesso foi um que tinha pufes para descanso e tomadas para recarregar dispositivos.
Mesmo sem um termo de consenso, o marketing de experiência (ou live marketing) e o brand experience (ou marketing de sensações) têm um cerne. No fim das contas, é tudo sobre sensações e os cinco sentidos. Na capa do livro de Bernd H. Schmitt, aquele primeiro autor que descreveu o caminho do marketing de experiência, a cena estampada traduz bem o que está por trás dessa estratégia. Ali, uma mulher salta de paraquedas. No fim, fica a pergunta para todo executivo, todo empreendedor: sua marca consegue gerar afeto, memória e viralização?