Revista Exame

Sonho movido a camu-camu na Monavie

A empresa de vendas diretas Monavie recrutou 50 000 jovens interessados em ficar ricos vendendo suco com a frutinha amazônica. Na prática, as coisas são bem mais complicadas

Revendedores da Monavie: Carneiro (à esq.) e Clemente têm 50 prestações do carro para pagar (Germano Lüders/EXAME.com)

Revendedores da Monavie: Carneiro (à esq.) e Clemente têm 50 prestações do carro para pagar (Germano Lüders/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 21 de julho de 2013 às 08h56.

São Paulo - Mergulhado na piscina de um resort, o administrador Caio Carneiro, de 26 anos, fala sobre estratégia de negócios para a câmera de seu celular. “Gostaram do meu escritório hoje? É o cenário que escolhi para dizer que o segredo do sucesso é nunca desistir. Se ouvir um não, parta para outra”, diz.

Criado na Granja Viana, bairro de classe média alta da Grande São Paulo, o jovem afirma ganhar 160 000 reais por mês. Empresário? Geninho da tecnologia? Nada disso.

Carneiro é o maior revendedor no país da companhia americana de vendas diretas Monavie, que produz energéticos e barrinhas de cereais. O carro-chefe da empresa é um suco com mais de 18 ingredientes, incluindo uma frutinha amazônica conhecida como camu-camu, pouco consumido até por quem mora na floresta.

Mas a Monavie acredita tanto em seu potencial nutritivo que vende, ou tenta vender, cada litro do suco por 85 reais. Desde que chegou ao país, em 2008, a empresa recrutou 50 000 vendedores dispostos a ajudá-la. Todos embarcam na canoa do camu-camu certos de que vão ficar milionários da noite para o dia. De preferência sem trabalhar. 

A Monavie se transformou numa febre entre jovens de classe média alta das grandes cidades brasileiras. Diferentemente de outras empresas de vendas diretas — como Natura ou Avon —, a Monavie não recruta seus vendedores nas classes C e D.

Sua prioridade é atrair jovens endinheirados, formados nas melhores universidades do Brasil. Em seu site, revendedores aparecem em vídeos divertindo-se em cruzeiros, iates e helicópteros. Parece milagre.

“Tiro oito férias por ano. Se eu quiser viajar por seis meses, continua entrando dinheiro na minha conta”, afirma o revendedor paulista Marcus Clemente, de 36 anos, em uma das mensagens. Pelo bom desempenho, ele e Carneiro receberam como prêmio dois carros Mercedes-Benz avaliados em 200 000 reais. 

Todas as ações feitas para atrair a moçada fazem parecer que ter um trabalho é coisa de perdedores. Às terças-feiras, revendedores reúnem 500 novos interessados em um teatro no centro de São Paulo. EXAME foi a um desses eventos, que mais parecem um culto religioso. Quem chega é recebido com música eletrônica e latas de energético.

Durante 2 horas e meia de apresentação, são projetadas no telão fotos de vendedores recebendo cheques gigantes no melhor estilo Domingão do Faustão.

Os telões exibem quanto eles faturam — até 167 000 por mês. “Não tenham medo. Vocês merecem viajar, ter os melhores carros e as melhores TVs”, diz um dos vendedores, com o bronzeado em dia e jeitão de quem acabou de sair da academia. Ao menos oficialmente, a empresa tem outro discurso. “Para se dar bem é preciso trabalhar muito — aqui não tem dinheiro fácil”, afirma Eduardo Frayha, diretor-geral da Monavie no Brasil. 

A promessa de muito dinheiro fez da Monavie um dos maiores fenômenos do mercado brasileiro de vendas diretas. Em cinco anos, a empresa chegou a um faturamento estimado em 200 milhões de reais no país. Em todo o mundo, a empresa, fundada em 2005 na cidade americana de South Jordan, tem 1 milhão de vendedores. A velocidade de seu crescimento se deve a seu modelo de negócios.


Na Monavie, os revendedores não ganham só pela venda de produtos mas também por cadastrar novos vendedores. É o chamado “marketing multinível” — adotado por empresas como as americanas Amway e Herbalife, e mesmo pela Natura no México.

Nesse modelo, o vendedor ganha dinheiro sempre que agrega novos revendedores e passa a ter uma porcentagem nos pedidos feitos pela rede que construiu. Alguns desses autônomos chegam a montar redes de até 20 000 pessoas, como é o caso de Carneiro.

Como eles ganham dinheiro pelo trabalho dos outros, parece fácil ficar rico. “A Monavie cresceu apostando no ‘paitrocínio’. O filho diz que foi convidado por um amigo a participar de uma oportunidade única de empreender, e convence o pai a pagar o kit de entrada”, diz Julio Nogueira, consultor de vendas diretas. 

É claro que, na prática, as coisas são um pouco mais complicadas. Apenas sete dos 50 000 vendedores da Monavie no país chegaram à marca de 2,4 milhões de reais de compras mensais em sua rede, o que lhes garante o emblemático Mercedes de prêmio.

A grande maioria perde dinheiro. Para entrar no negócio, é preciso pagar caro. Embora a empresa afirme que o pedágio mínimo para ser aceito é 179 reais, no evento a que EXAME compareceu a pedida era de 4 000 reais para começar e ainda uma conta mensal de 580 reais em produtos.

Segundo o material divulgado pela própria empresa, apenas 5% dos vendedores conseguem uma renda superior a 600 reais por mês. Para começar a ganhar dinheiro, os vendedores precisam convencer pelo menos dois amigos a entrar no negócio. Atrair novos vendedores, aliás, parece muito mais importante do que efetivamente vender. Entre os próprios vendedores não é difícil encontrar quem jamais provou o suco de camu-camu. 

Os casos de vendedores desiludidos são cada dia mais comuns. Alguns precisaram afastar os móveis da sala para acumular as caixas de sucos e vitaminas não vendidos. A dentista paulistana Vânia, de 31 anos, é um exemplo. Ela decidiu entrar na Monavie no ano passado para complementar sua renda. O amigo que a chamou disse que ela ganharia 3 000 reais por mês se trabalhasse 2 horas por dia. Ela desistiu em 30 dias.

“Eles passavam mais tempo explicando como trazer gente para o negócio do que falando dos produtos”, afirma. Até para os vendedores ditos “milionários” a realidade pode ser dura. A Mercedes, por exemplo, não é dada de bandeja.

O revendedor contrai a dívida em seu nome, e a companhia se compromete a pagar as parcelas do financiamento de 60 meses se ele e sua equipe mantiverem a meta de 2,4 milhões de reais de vendas por mês. Quem não consegue passa a arcar com as parcelas. 

No Brasil, as empresas de marketing multinível respondem por 8% do mercado de vendas diretas. Nos Estados Unidos, são 96%. Nos dois países, o negócio é considerado legal porque envolve produtos — o que o diferencia das pirâmides financeiras, como a do pilantra Bernie Madoff, que dão cadeia.

O segredo dos negócios que sobrevivem por décadas, como as americanas Herbalife e Amway, é baixar um pouco a bola, prometer menos dinheiro fácil e entregar produtos que acabam na casa de consumidores finais. Quem não segue esse caminho desmorona. Não há camu-camu que dê jeito.

Acompanhe tudo sobre:Edição 1041JovensMarketing multinívelVendasvendas-diretas

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon