Revista Exame

Só piora a guerra entre os controladores da Usiminas

Auditorias, demissões, processos, ameaças. A siderúrgica Usiminas tem dois controladores em pé de guerra — e a situação só piora

Fábrica da USIMINAS: três auditorias  revelaram pagamentos irregulares  (Nelio Rodrigues/Exame)

Fábrica da USIMINAS: três auditorias revelaram pagamentos irregulares (Nelio Rodrigues/Exame)

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Da Redação

Publicado em 15 de outubro de 2014 às 11h12.

São Paulo - Às 8h02 do domingo 2 de março de 2014, Paulo Penido, presidente do conselho de administração da siderúrgica Usiminas, enviou um e-mail para dois executivos com o assunto “Confidencial — solicitação formal para investigação”.

Na mensagem, Penido conta que recebeu uma demanda de dois conselheiros para analisar pagamentos irregulares que teriam sido recebidos pelo então presidente da Usiminas, o argentino Julián Eguren, e pelos vice-presidentes.

Na quarta-feira, às 14h41, Penido mandou outro e-mail, dessa vez para o próprio Eguren: “Tentei te ligar algumas vezes, mas não conseguimos falar. Atendendo a um pedido de alguns conselheiros, estaremos iniciando, hoje, uma auditoria para os diretores estatutários desde janeiro de 2012”.

O processo, batizado de CA-0114, deu início a uma disputa societária sem precedentes na segunda maior siderúrgica brasileira, com 13 bilhões de reais de receita. No ringue, dois dos maiores grupos siderúrgicos do mundo, o ítalo-argentino Techint e o japonês Nippon Steel & Sumitomo, que desde novembro de 2011 dividem o controle da Usiminas — e discordam em quase tudo. 

O ápice dessa batalha aconteceu no último dia 25 de setembro, no 6º andar da sede da Usiminas, em Belo Horizonte. Após 7 horas de reunião do conselho de administração, na qual participaram cerca de 40 pessoas, entre executivos e advogados das maiores bancas do país, Eguren e os vice-presidentes Paolo Bassetti e Marcelo Chara foram demitidos.

Além da auditoria interna, dois relatórios das empresas de auditoria Deloitte e EY foram usados para acusar os executivos de receber de forma irregular 925 114 reais em bônus para utilização de veículos e auxílio-educação entre maio de 2012 e julho de 2013. Eguren e os demais executivos disseram que houve um equívoco e que já pagaram o que deviam.

Eguren disse ainda que recebeu um e-mail da área de recursos humanos atestando que não havia irregularidades. Não adiantou. As auditorias constataram que ainda faltava devolver 496 465 reais. O relatório da EY diz que houve “ma-fé intencional”. Desde então, ninguém da Usiminas falou sobre o episódio.

Penido quebrou o silêncio a EXAME. “A lei diz que é vedado tomar empréstimos ou recursos da empresa. Não tem essa de peguei só um pouquinho e depois vou devolver”, diz ele.

Na reunião de 25 de setembro, ele desempatou o placar da votação entre os conselheiros, que ficou em cinco a cinco. A Ternium tenta na Justiça anular as demissões — que continuavam em vigor até o fechamento desta edição, no dia 6 de outubro. 

Conselheiros, executivos e advogados ou­vidos por EXAME revelam que a disputa pelos bônus é só o capítulo mais re­cente de uma longa série de desenten­dimentos entre os controladores da siderúrgica.

Em novembro de 2011, quando a Ternium, subsidiária do grupo Techint, anunciou a compra de 8,4% das ações e a entrada no bloco de controle da empresa, a Nippon, acionista da Usiminas desde a década de 50, vibrou. Após 17 anos sob comando de Rinaldo Soares, que presidiu a empresa até 2008, a Usiminas penava para retomar a boa fase.

Com a demanda por aço em queda no Brasil e em mercados como o chinês, a empresa entrou no vermelho e trocou duas vezes de presidente de 2010 a 2012. Especialista em reestruturações, Eguren reduziu investimentos, vendeu negócios e demitiu 2 000 pessoas.

No primeiro semestre deste ano, a margem lí­quida da Usiminas melhorou e atingiu 5,6%. Mas, desde a chegada da Ternium, o va­lor de mercado da companhia caiu 36%. Para os japoneses, os resultados não compensavam o estilo de gestão agressivo e o excesso de controle nas mãos dos argentinos — que têm, por exemplo, autonomia para indicar o presidente.

Shoji Muneoka, da Nippon: os japoneses queriam indicar o presidente da Usiminas (YOSHIKAZU TSUNO/AFP)

A relação começou a azedar de vez no fim de 2013. No dia 6 de novembro, o diretor representante e diretor-vice-presidente da companhia japonesa, Masakazu Iwaki, enviou uma carta ao executivo argentino Daniel Augustín Novegil, conselheiro de administração indicado pela Ternium, propondo uma mudança no acordo de acionistas.

Ele queria trocar o presidente da Usiminas a cada dois anos, com nomes alternados entre japoneses e argentinos. “Caso este entendimento não seja compartilhado com a Ternium, receamos que a confiança mútua entre as duas sociedades poderá ser prejudicada de forma significativa”, diz a correspondência, encaminhada também a Paolo Rocca, presidente do grupo Techint.

Os argentinos recusaram a proposta e, hoje, acusam os japoneses de utilizar o episódio do bônus para pressionar pela revisão do acordo. “Eles disseram: ‘Vocês têm uma alternativa. Aceitem essa alternância de poder e acabamos com todo esse problema’ ”, diz Roberto Vidigal,  representante do grupo Techint no Brasil e conselheiro da Usiminas.

“Armaram essa arapuca para nos enfraquecer e provocar essa confusão dos diabos.” Em nota, a Nippon diz que os dois controladores não podem nem estão tentando prevalecer na gestão da companhia.

Os argentinos ainda questionam a isenção de Paulo Penido à frente do conselho. Três vezes por semana, ele presta consultoria na sede da Nippon, em São Paulo. Em agosto, viajou ao Japão para visitar unidades da companhia. Por seus serviços, recebe cerca de 2 milhões de dólares por ano, segundo pessoas que tiveram acesso ao contrato.

Esse pagamento, na visão dos argentinos, poderia influenciar sua atividade à frente do conselho. “Eu voto de acordo com meus princípios”, diz Penido. Em 2010, Penido foi alvo de uma auditoria realizada pela então Terco Grant Thornton (atual EY).

Naquela ocasião, o então presidente da empresa, Marco Antônio Castello Branco, pediu uma varredura nas operações financeiras da companhia no exterior entre 1999 e 2004. Penido foi diretor financeiro de 2000 a 2009.

Em dezembro de 2001, pouco após o governo anunciar uma medida provisória para tributar o lucro de empresas controladas ou coligadas no exterior, Penido vendeu por 337 milhões de reais a Usiminas Overseas, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, para o banco ABN. Em seguida, a Usiminas comprou uma empresa chamada Berro, pertencente ao ABN e sediada no exterior.

Essa companhia foi capitalizada pela Usiminas Overseas com 203 milhões de reais — e o saldo final dessa operação foi conta­bilizado como investimento no exterior. “A operação foi auditada por empresas de primeira linha e aprovada pela administração, e nada de errado foi encontrado”, diz Penido.

Clima quente

O toma lá dá cá não tem data para terminar. No dia 3 de outubro, a Ternium anunciou um acordo para comprar a participação de 10% que a Previ, o fundo de pensão do Banco do Brasil, tinha na Usiminas. Com isso, os argentinos se tornaram os maiores acionistas individuais da companhia.

No mesmo dia, a Comissão de Valores Mobiliários abriu um processo para apurar uma reclamação de três conselheiros indicados pela Ternium, que acusam Penido de ter votado contra o acordo de acionistas. Em paralelo, Pao­lo Rocca, presidente do conselho do Techint, e Shoji Muneoka, presidente do conselho da Nippon, conversaram em 5 de outubro em Moscou para tentar chegar a um acordo — em vão.

“Nessa batalha, quem mais sofre são os pequenos investidores”, diz Marcelo Gasparino, conselheiro da Usiminas eleito por investidores minoritários e porta-voz do Grupo de Governança Corporativa. No fim de outubro, Gasparino viaja aos Estados Unidos para explicar a fundos de investimento, como BlackRock e Dimensional, o que está acontecendo por aqui. Até lá, o clima na Usiminas deve esquentar ainda mais.

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