Roberto Abdenur: “A espionagem não pode abalar a parceria entre Brasil e Estados Unidos” (Ernani DAlmeida/EXAME.com/Exame)
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2013 às 19h20.
São Paulo - Após 44 anos de trabalho no Itamaraty, Roberto Abdenur conhece como poucos os desafios da política externa brasileira. Foi embaixador no Equador, na China, na Alemanha, na Áustria e, de 2004 a 2007, nos Estados Unidos, seu último posto.
Hoje à frente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, que congrega empresários e entidades governamentais com o objetivo de melhorar o ambiente de negócios no país, Abdenur chama a atenção para o fato de o Brasil estar ficando isolado, fora das cadeias produtivas globais criadas pelas multinacionais.
1) EXAME - Qual é a importância da crise provocada pela fuga do senador boliviano Roger Pinto Molina, que estava asilado na embaixada do Brasil em La Paz?
Roberto Abdenur - Houve uma situação fora do comum. A presidente Dilma Rousseff apresentou suas explicações, e espero que o presidente Evo Morales perceba que há limites em relação à pressão que pode exercer sobre o Brasil.
2) EXAME - Somada a essa tensão com a Bolívia, tivemos problemas com o Paraguai, que foi suspenso do Mercosul. Em sua opinião, a integração regional está em risco?
Roberto Abdenur - Seria ilusório achar que a integração ocorreria sem percalços ou que seria conduzida sob uma suposta liderança do Brasil. O processo de integração vai seguir seu curso, em maior ou em menor velocidade. Minha única ressalva é que não devemos ficar apegados demais a um Mercosul que não está avançando.
3) EXAME - O Mercosul não atende às necessidades do Brasil?
Roberto Abdenur - O Mercosul é útil para o país, mas não nos basta. Hoje está acontecendo uma reorganização das forças produtivas pelo mundo. Sem novos acordos comerciais, o Brasil vai ficar de fora das chamadas cadeias produtivas internacionais, a produção fragmentada das multinacionais por vários países. Começa agora a definição do que vai ocorrer no comércio internacional neste século.
4) EXAME - Qual deveria, então, ser a diretriz brasileira?
Roberto Abdenur - Devemos preservar o Mercosul, mas ele não pode impedir o Brasil de fazer um esforço tardio de abertura, sobretudo em direção aos países que são fontes de investimento e tecnologia, como os da Europa e os Estados Unidos.
5) EXAME - A espionagem do governo americano em Brasília atrapalha a aproximação com os Estados Unidos?
Roberto Abdenur - Não podemos esconder a gravidade do que ocorreu, mas espero que os danos à relação Brasil e Estados Unidos sejam contidos. Esse episódio não deveria impor um retrocesso a uma parceria importante para ambos os países
6) EXAME - No passado, a indústria brasileira se opunha aos tratados comerciais com os países ricos. Agora vemos uma mudança de posicionamento. Por quê?
Roberto Abdenur - Existe um consenso entre as entidades empresariais de que o Brasil precisa atualizar sua política de comércio. E isso só é feito com a ampliação de tratados comerciais. Não há como escapar desse processo. Se não participarmos dele, teremos de nos sujeitar a regras que não serão de nosso interesse.
7) EXAME - Do que dependem esses novos acordos?
Roberto Abdenur - O governo precisa refletir sobre a inserção internacional brasileira. Não podemos ficar fechados em uma caixa, ignorando as limitações do multilateralismo. A rodada de Doha, da Organização Mundial do Comércio, não anda. E o Mercosul parou. O bloco não pode ser uma camisa de força.