O programa SportsCenter: a ESPN ajudou a criar a cultura dos esportistas-celebridade (Joe Faraoni/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 22 de novembro de 2011 às 13h39.
No começo de junho a ESPN, o maior canal de esportes do mundo, sofreu uma derrota amarga. A empresa perdeu o leilão pelos direitos de transmissão nos Estados Unidos dos próximos quatro Jogos Olímpicos de verão e de inverno. Por 4,4 bilhões de dólares, a rede NBC levou a medalha.
Se ela é de ouro mesmo vai demorar algum tempo para a emissora descobrir: na Olimpíada de inverno de Vancouver, no ano passado, a NBC tomou um prejuízo de 200 milhões de dólares.
Para a ESPN, o sonho de transmitir o evento esportivo mais prestigiado do mundo teve de ser adiado mais uma vez. Que a emissora possa competir de igual para igual pelos direitos olímpicos, porém, já é uma consagração.
Quando a ESPN foi lançada, 30 anos atrás, a ideia de um canal exclusivo de esportes, 24 horas por dia, era considerada uma maluquice — e o mundo dos esportes profissionais, muito diferente.
Tudo começou com 30 000 dólares, um locutor fracassado, seu filho e a improvável intervenção de uma das famílias mais ricas dos Estados Unidos — que tinha negócios no setor de petróleo.
A notável trajetória da emissora que hoje faz justiça ao slogan “Líder mundial em esportes” é o assunto do recém-publicado Those Guys Have All the Fun: Inside the World of ESPN (“Aqueles caras sabem se divertir: por dentro do mundo da ESPN”, numa tradução livre).
O livro é fruto de mais de 550 entrevistas conduzidas por James Andrew Miller e Tom Shales e reunidas num tijolo de 1,2 quilo e 748 páginas. Mas não se assuste com o tamanho: o livro é uma história oral, contada em primeira pessoa, o que torna a leitura leve e rápida.
Mais difícil é acompanhar o vaivém dos personagens e entender alguns dos jargões do mundo da TV. Apesar de tudo isso, Those Guys conta uma história de empreendedorismo fascinante — e cheia de indiscrições.
A ESPN nasceu da ideia de Bill Rasmussen, locutor de hóquei em uma emissora local do estado de Connecticut. Com seu filho Scott, ele levantou 30 000 dólares com a família e estabeleceu contato com um fundo de capital de risco.
Além da vontade de criar a primeira emissora 100% dedicada a esportes, porém, nenhum dos dois tinha muito a contribuir. Mas eles tiveram sorte: um investidor acreditou na ideia e os colocou em contato com Stuart Evey, um vice-presidente da Getty Oil, então uma das maiores empresas petrolíferas dos Estados Unidos. Evey tinha dinheiro e contatos com o mundo da TV.
As decisões tomadas naqueles primeiros meses moldariam o que seria a ESPN nos 30 anos seguintes. Rasmussen decidiu instalar a empresa na pequena cidade de Bristol, longe de Nova York, onde ficavam as grandes redes. A sede ficava no meio do nada. Os funcionários, homens na maioria, não tinham o que fazer, a não ser trabalhar.
O ambiente de trabalho é descrito como um amontoado de homens fanáticos por esportes e que se sentiam num vestiário masculino. O assédio sexual era frequente. “Mas o termo não era usado na época”, diz a produtora Rosa Gatti, diretora de comunicação que está na ESPN desde os primeiros dias. Casos rumorosos de assédio aconteceriam muitas vezes nos anos seguintes.
Transmissão paga
Do lado dos negócios, uma decisão fundamental, que ajudou a formatar o modelo de negócios da TV paga no mundo todo, foi a insistência para que os distribuidores pagassem uma taxa por assinante que recebesse a programação. As negociações foram duras, mas a ESPN começava a fazer sucesso com a transmissão do basquete universitário.
Com as receitas duplas, dos assinantes mais as verbas publicitárias, a rede conseguiu tornar-se uma empresa viável — e inflacionária. “O negócio da TV paga não seria o que é hoje sem essa dupla fonte de receitas.
Por causa dela, a ESPN impulsionou o crescimento dos esportes em geral, mas também a inflação dos salários dos jogadores, o preço dos anúncios e dos ingressos. Tudo está interligado”, diz Roger Werner, o primeiro presidente contratado para a ESPN e responsável pela adoção do modelo.
O grande salto aconteceu nos anos 90, quando a ESPN já tinha os direitos de algumas ligas profissionais e o programa SportsCenter já havia se tornado referência para o público e para os atletas.
Em 1992, George Bush daria a primeira entrevista de um presidente à emissora. A transformação dos atletas em celebridades andava a pleno vapor, em grande medida graças à força da ESPN, que já chegava a mais de metade das residências americanas.
Sua expansão, dentro e fora dos Estados Unidos, também não tinha obstáculos (a ESPN, na versão americana, chegou ao Brasil em 1989). E a cultura de vestiário, também. Após o lançamento do segundo canal, o ESPN2, todos os funcionários se reuniram na sede para uma festa.
O álcool foi consumido em quantidades industriais, segundo vários relatos, e o presidente da companhia, Steve Bornstein, literalmente caiu de bêbado. O tratamento dado às mulheres também não mudou: só na primeira metade dos anos 90, mais de 50 casos foram denunciados.
Hoje, a ESPN é um fenômeno global. Depois de trocar de mão algumas vezes — e ser esnobada por Warren Buffett, que mais tarde viria a se arrepender da decisão —, hoje ela é parte do grupo Walt Disney, que também é dono da rede aberta ABC.
Só nos Estados Unidos são seis canais de TV, mais livros, filmes, emissoras de rádio e até mesmo restaurantes temáticos. No mundo, a ESPN está presente em 46 países.
A emissora foi decisiva para construir o negócio multimídia e bilionário que são os esportes hoje. Os festeiros e mulherengos da ESPN merecem ser conhecidos — e reconhecidos.