Revista Exame

Ser profissional dá resultado no Rio de Janeiro

Com finanças recuperadas e administração modernizada, governo estadual e prefeitura do Rio melhoraram o serviço público e abriram espaço para investimentos

Márcia de Souza, usuária do Bilhete Único intermunicipal: economia com transporte faz diferença para ela e para o empregador (Marcelo Corrêa/EXAME.com)

Márcia de Souza, usuária do Bilhete Único intermunicipal: economia com transporte faz diferença para ela e para o empregador (Marcelo Corrêa/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

Cinco anos atrás, o grupo Pão de Açúcar decidiu reduzir o ritmo de investimentos no Rio de Janeiro. O motivo era a concorrência desleal de boa parte do varejo fluminense que, por sonegar impostos, minava a competitividade de quem cumpria as leis. Neste ano, o grupo iniciou a conversão da rede Sendas, comprada em 2004, em lojas com as bandeiras Pão de Açúcar e Extra, além de abrir quatro filiais de sua rede de atacado Assaí. O objetivo, agora, é expandir os negócios no estado. Até fevereiro deste ano, a cabeleireira Márcia Mohamad de Souza gastava 12 reais em transporte para ir de casa, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, ao trabalho, em Botafogo, na zona sul carioca. Num mês como novembro, com 26 dias de trabalho, ela gastaria 312 reais com ônibus. Desde fevereiro, os gastos de Márcia com transporte foram reduzidos em 30%. Em novembro, a economia será de 83 reais. Quem agradece é o patrão, que paga o transporte dela. Segundo ele, uma das perguntas obrigatórias na hora de contratar um empregado é onde ele mora. “Dependendo da distância, fica pesado pagar salário e condução”, afirma Rodrigo Ferreira, sócio do salão onde Márcia trabalha.

Tanto a retomada de investimentos do Pão de Açúcar quanto a economia com transporte da cabeleireira foram provocadas por mudanças ocorridas no governo do Rio de Janeiro. No caso da rede varejista, a reestruturação da Secretaria da Fazenda, iniciada em 2007, apertou o cerco aos sonegadores e também passou a honrar compromissos antes ignorados com fornecedores e contribuintes. Melhorou, assim, o “ambiente de negócios hostil”, como o empresário Abilio Diniz, sócio do Pão de Açúcar, costumava definir o mercado fluminense. Já a economia de Márcia com transporte é resultado da introdução do Bilhete Único, implantado em fevereiro deste ano. O sistema permite que o passageiro pegue duas conduções no intervalo de duas horas e meia pagando 4,40 reais. O governo complementa o valor excedente por viagem. No caso do Rio, em que tomar duas conduções na região metropolitana pode custar 9,80 reais, o programa gera economia de até 280 reais por mês por passageiro. Segundo estudo do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas, trata-se do maior programa de transferência de renda do país, depois do Bolsa Família. Um dos méritos é aumentar a empregabilidade de pessoas que moram longe da área central.

É claro que a qualidade de vida da maioria dos quase 6 milhões de habitantes da região metropolitana do Rio de Janeiro ainda está longe do desejável. A informalidade e outras mazelas ainda fazem o ambiente de negócios fluminense um tanto inóspito. No entanto, a percepção de que há uma mudança — para melhor — no setor público vem se difundindo em diversos setores da sociedade. “Tanto o governo do estado como a prefeitura têm hoje administrações profissionais”, afirma Maria Silvia Bastos Marques, presidente do Grupo Icatu Seguros. De acordo com ela, o governo começou uma guinada rumo ao profissionalismo há quatro anos, acompanhada pelo prefeito que assumiu em 2009. “Ambos fizeram um trabalho de recuperação das finanças”, diz Maria Silvia. “Mas, mais que isso, estado e município têm projetos de gestão consistentes.”


Olha na despesa

O programa de modernização de gestão iniciado pelo governador Sérgio Cabral em 2007 focou até agora as áreas da Fazenda, Planejamento e Segurança Pública. Na Fazenda, o objetivo era aumentar a arrecadação sem elevar alíquotas de tributos. Na época, faltavam fiscais — carreira sem concurso havia 17 anos. Muitos dos servidores levavam laptops próprios para o trabalho, por falta de computadores. De lá para cá, além da modernização tecnológica, houve uma revisão dos processos de fiscalização. Ao mesmo tempo, o governo começou a pagar dívidas antigas. Em 2007, a gestão atual herdou 1,6 bilhão de reais em restos a pagar com fornecedores e apenas 85 milhões em caixa. Mais de 65% da dívida já foi quitada. “A grande missão passada a mim e a meu sucessor, que foi meu braço direito desde o início, foi restabelecer a confiança do contribuinte e dos fornecedores no governo”, diz Joaquim Levy, que capitaneou a Fazenda de 2007 a maio deste ano, quando se transferiu para o Bradesco Asset Management. “Tivemos de deixar claro que não será pedido nada além do que eles devem, mas que o estado também não aceitará nada menos que do que lhe é devido.”

No Planejamento, o primeiro passo foi revisar as despesas e a maneira como eram feitas. A conta de telefonia, que somou 80 milhões de reais em 2007, caiu para 30 milhões em 2008. A ecorecenomia foi alcançada com uma nova concorrência, em que a ganhadora modernizou o sistema de telefonia, integrando os órgãos do governo em rede — a ligação entre eles passou a funcionar como ramal. “Esse tipo de economia, somada à arrecadação mais eficiente, é que abre espaço para que a gente consiga colocar 220 milhões de reais ao ano no Bilhete Único”, afi rma Régis Fichtner, secretário da Casa Civil.

O reconhecimento à melhoria da gestão veio de duas formas em março deste ano. A primeira foi um empréstimo de 485 milhões de dólares do Banco Mundial ao governo fluminense. A segunda foi receber o status de grau de investimento de uma agência de classificação de risco — o Rio foi o primeiro estado a ter esse selo. Mais que o valor, a natureza do empréstimo do banco chama a atenção. O dinheiro não está atrelado a um programa específico, como a construção de metrô. Poderá ser gasto em qualquer área, uma modalidade de financiamento que exige alto nível de confiança da instituição financeira no credor. “Nossa análise baseia-se no programa de governo e na gestão fiscal praticada por ele”, afirma o italiano Michele Gragnolati, chefe da área de desenvolvimento humano do Banco Mundial no Brasil. “Emprestamos se as políticas implantadas levam ao desenvolvimento.” A política de segurança pública foi um dos principais avalistas do empréstimo do Banco Mundial.

Assim como no estado, o trabalho de melhoria da gestão na prefeitura do Rio teve de começar com uma virada nas fi nanças. A capacidade de investimento do município subiu de 725 milhões de reais, em 2008, para 2 bilhões de reais neste ano. E os investimentos na cidade vão aumentar significativamente nos próximos anos, graças a um empréstimo de 1 bilhão de dólares aprovado em agosto pelo Banco Mundial, o maior já concedido a uma prefeitura. “A gestão fiscal e os conceitos de gestão por resultados e de meritocracia que a prefeitura do Rio vem implantando foram decisivos na nossa avaliação”, diz o chileno Pablo Fajnzylber, chefe da área de gestão pública do Banco no Brasil. Neste ano, funcionários de 293 das 1 063 escolas da rede municipal receberam um salário a mais de bônus por ter alcançado as metas estabelecidas para o ano passado pela Secretaria da Educação. Outras 22 secretarias e empresas municipais assinaram contratos de desempenho com a prefeitura. Com isso, 80% dos servidores municipais poderão receber bônus em 2011, caso atinjam suas metas. A revisão de processos vem se espalhando por várias áreas da prefeitura. No momento, a Casa Civil acompanha os testes do novo teleatendimento, que unifi cará os pedidos de serviços da prefeitura — como uma poda de árvore — pela linha 746. A unificação é inspirada na linha 911, de Nova York. A mudança envolve a revisão dos processos de cada um dos serviços, com o objetivo de padronizar e melhorar o atendimento. Cada um deles terá um prazo, que será informado ao cidadão que ligar. “Um dos pontos fortes na administração do Rio é a preocupação em estruturar processos para que eles tenham padrões de qualidade e dependam cada vez menos da boa vontade das pessoas. E é assim que tem de ser”, diz Fajnzylber.

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