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Conheça o movimento Memphis, de cores fortes e formas ousadas

Características presentes em diversos lugares, do relógio do Castelo Rá-Tim-Bum aos escritórios de startups, se encaixam na descrição de uma tendência originada na década de 1980

O arquiteto Ettore Sottsass: criação do movimento nos anos 1980 como contraponto ao minimalismo  (Vittoriano Rastelli/Corbis/Getty Images)

O arquiteto Ettore Sottsass: criação do movimento nos anos 1980 como contraponto ao minimalismo (Vittoriano Rastelli/Corbis/Getty Images)

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Laura Pancini

Publicado em 24 de fevereiro de 2022 às 05h31.

Cores fortes, formas geométricas misturadas e padrões ousados. Essas características estão presentes em diversos lugares, do relógio do Castelo Rá-Tim-Bum aos escritórios de startups, e se encaixam na descrição de uma tendência originada na década de 1980: o design Memphis. Idealizado por Ettore Sottsass e um grupo de jovens arquitetos e designers na Itália, a mistura de linhas e tons robustos tinha como objetivo contrapor o minimalismo tão presente nos móveis da época.

Quatro décadas depois, partes do Memphis estão sendo vistas novamente na decoração, no guarda-roupa e na maquiagem — e até na casa do Big Brother Brasil deste ano. Além de a sala ter muitas semelhanças com o estilo Memphis, a participante Jade Picon, por exemplo, está sempre com roupas coloridas e desenhos de coração nas maçãs do rosto, visual que cresceu muito após o sucesso da série Euphoria, da HBO, e que já é tendência para os nascidos no mundo digital. Seria a volta do Memphis algo momentâneo, característica da geração Z ou reação ao atual momento de pandemia, que demanda mais cores, ousadia e o não convencional?

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A origem do movimento

Era dezembro de 1980 quando Bob Dylan tocava repetidamente na sala de estar do designer Ettore Sottsass. Os sons de Stuck Inside of Mobile with the Memphis Blues Again inspiraram o arquiteto a delinear o que seria um dos maiores movimentos de contracultura no design, junto com outras figuras da época. “O que as pessoas chamam de estilo Memphis na verdade se refere a um grupo de designers”, explica Priscila Lena Farias, professora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e doutora em comunicação e semiótica pela PUC-SP. “Eles ficaram ativos por pouco tempo, mas, na história do design, o estilo Memphis é uma coisa muito bem definida.”

O coletivo surgiu logo após o fim dos anos de chumbo na Itália, duas décadas marcadas por intensos atos terroristas no país, e se reapropriou de diversos movimentos do design, como o Art Déco, que também ousava com suas linhas e cores. Olhando em volta e percebendo uma indústria que produzia uma quantidade gigante de artefatos e objetos, o grupo da Itália queria ser o exato oposto.

“O Memphis nasce com a ideia de contrariar tudo que estava acontecendo antes”, diz Polise Moreira de Marchi, professora do curso de design na Faap e consultora de semiótica e branding. Priorizar o que funciona, e não o gosto das pessoas, era o statu quo, além de uma preferência pelas linhas retas e cores monótonas. A mensagem era provocante para a época: a mobília não precisava mais ser apenas funcional, e a primeira coleção de 55 produtos para a casa — sob a marca Memphis-Milano, que existe até hoje — foi apresentada quase um ano depois, em setembro de 1981, da reunião na sala de Sottsass, e rapidamente se espalhou para o mundo todo.

A estante Carlton é um dos móveis mais marcantes daquele lançamento e deixa evidente os princípios do grupo ­Memphis em sua forma, com placas coloridas assumindo posições oblíquas em vez das retas que estamos acostumados a ver nas prateleiras. O objeto é produzido até hoje, mas os valores mudaram: o que antes era pela rebeldia agora seduz pela estética. “Muitas vezes os movimentos acabam sendo engolidos pelo mercado”, disse Marchi. “É justamente isso que o grupo Memphis não queria.”

Entre 2010 e 2020, por exemplo, startups e escritórios do mundo todo se adaptaram ao design “corporate Memphis”. Com certeza você já o viu em algum lugar: bonecos planos, sem rosto e com membros desproporcionais, mas repletos de cores. O estilo já foi utilizado por grandes empresas, como o Facebook, mas é interpretado como algo simplista — seu outro nome é flat art (“arte plana”). “Nas revisitas, muito do que se observa é somente a qualidade estética”, avalia Marchi. 

A casa do BBB 2022: a ideia é criar incômodo entre os brothers com o excesso de estímulos visuais (Divulgação/Divulgação)

O Memphis hoje

O pesquisador de tendências Michell Lott acha difícil definir o estilo dos ambientes da casa mais vigiada do Brasil como somente Memphis. A sala do Big Brother Brasil é a que mais se aproxima da tendência: formas geométricas, linhas e cores que se misturam no chão e nas almofadas, sem muita consideração em tornar o ambiente palatável. Porém, no reality, a decoração vem mais como uma oportunidade para incomodar os participantes com o excesso de estímulos visuais. Apesar de a mistura ser característica do Memphis, Lott acredita que a nostalgia é o principal fator motivante por trás das decorações da casa.

“Temos um comportamento que se repete sempre: aquilo que estava na moda 20 anos atrás sempre volta”, explica Lott. Talvez seja por isso que, no quarto Grunge, estampas de xadrez e cores escuras remetem aos anos 1990 e a bandas como Nirvana. Já o Lollipop traz a brincadeira do Memphis com um aspecto mais infantil, além de formatos nas paredes que lembram os comerciais da MTV dos anos 2000. “É como se tivessem misturado todos os estilos atuais no liquidificador e colocado pela casa”, diz Lott.

Inúmeros produtos já incorporaram o Memphis em seu design, ainda que, como afirma Marchi, o grupo e seu estilo irreverente sejam únicos. A australiana “Who Gives a Crap?”, por exemplo, usou o humor do Memphis em seu design para equipará-lo à energia da marca, que vende papéis higiênicos estampados. As marcas de relógio Tissot, Zodiac e Shinola lançaram peças ligadas ao movimento dos anos 1980 — a primeira até relançou um relógio feito pelo próprio Sottsass em 1998. E a geração Z está diariamente transformando o TikTok em uma galeria de quartos coloridos e guarda-roupas extravagantes que remetem à rebeldia do grupo original.

Graças em parte às redes sociais, as referências estão cada vez mais variadas e é difícil determinar hoje somente um estilo. Mas uma coisa é certa: as incertezas sociais e políticas, além do isolamento social promovido pela pandemia, deixaram as pessoas prontas para receber mais Memphis em sua vida. “Estamos em um momento em que existe espaço para ousar esteticamente”, afirma Lott. “O mundo de hoje não é mais prático ou lógico, está focado em sensações.”  

Relógio da marca Shinola, de Detroit: nostalgia nos detalhes geométricos (Divulgação/Divulgação)

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