André Chaves, do Mercado Livre: incentivo à diversidade desde a contratação até a ambientação no escritório (Sérgio Zacchi/Exame)
GabrielJusto
Publicado em 30 de junho de 2022 às 06h00.
Última atualização em 4 de julho de 2022 às 13h39.
Em 1962, como vencer na vida sem fazer força, uma sátira da cultura corporativa americana, ganhou sete dos oito prêmios Tony a que concorria. O espetáculo contava a história de J. Pierrepont Finch, um jovem limpador de janelas que rapidamente se tornou presidente do conselho da World Wide Wicket Company graças à “irmandade masculina”, “uma fraternidade, um laço nobre que une todos os corações e mentes humanos”. O protagonista era interpretado por Robert Morse, que décadas depois viria a estrelar também Mad Men, outro retrato dessa época em que os homens dominavam o ambiente corporativo e as mulheres, quando presentes, eram sempre as secretárias dos executivos.
Seis décadas depois, em abril deste ano, Morse faleceu, mas não sem antes ver em plena transformação o universo corporativo que ele ajudou a documentar. Pelo menos nos Estados Unidos, as mulheres têm mais diplomas universitários do que os homens, e a Fortune 500, ranking das empresas americanas mais ricas, nunca teve tantas companhias lideradas por elas. Até mesmo a vice-presidência do país, pela primeira vez, é ocupada por uma mulher. São avanços inegáveis, que merecem ser celebrados. Mas o caminho pela frente ainda é longo.
Em 2020, um relatório do Fórum Econômico Mundial calculou que, no ritmo atual, levaremos 250 anos para alcançar a igualdade total de gênero no mercado de trabalho. Se tudo correr muito melhor que o esperado, ainda deve levar pelo menos 94 anos até que homens e mulheres estejam em pé de igualdade. A boa notícia é que essa jornada pode ser facilitada com o apoio de quem sempre se beneficiou, ainda que inconscientemente, dessa desigualdade: os homens. Pode não ser o trabalho mais fácil do mundo para quem sempre esteve em posição de privilégio, mas, no final, todos saem ganhando. Segundo o McKinsey Global Institute, o PIB do Brasil poderia crescer até 30% se conseguíssemos extinguir o gap entre homens e mulheres no trabalho.
“Muitos líderes de hoje aprenderam a liderar com os exemplos das gerações passadas, mas o ambiente de trabalho mudou drasticamente, e o que funcionou anos atrás já não funciona mais”, explicou em entrevista à EXAME CEO o professor americano David G. Smith, autor do livro Good Guys: How Men Can Be Better Allies for Women in the Workplace (“Os bons-moços: como os homens podem ser aliados melhores das mulheres no ambiente de trabalho”, em tradução livre). “O líder aliado precisa ter humildade para ouvir e entender as experiências das outras pessoas, se colocar em posição de vulnerabilidade, compreender que não necessariamente tem todas as respostas. Tudo isso não é mais sinal de fraqueza, mas de autenticidade.”
Mais do que uma mudança de comportamento, ser um aliado significa desenvolver uma consciência sobre a desigualdade de gênero, ouvir e pensar sobre as relações com mulheres e outros grupos minoritários dentro e fora do ambiente de trabalho e, de fato, incorporar esses novos valores no seu dia a dia. “Isso significa se expor, apoiar, defender e incentivar as colegas publicamente, dando espaço e notoriedade para seus trabalhos. E também ser o homem que chama a atenção dos amigos ao perceber comportamentos e linguagens enviesados ou sexistas”, explica Smith. “Às vezes, os homens acham que, ao se preocuparem com isso, vão perder sua ‘carta de masculinidade’. Mas é justamente a ação pública que nos ajuda a superar esse ambiente desigual.”
Vice-presidente sênior de estratégia e desenvolvimento corporativo do Mercado Livre, onde até mesmo nos centros de distribuição metade da força de trabalho é feminina, André Chaves se considera um líder aliado. A partir do seu cargo, um dos mais altos da empresa no país, ele conta que incentiva a diversidade desde o momento das contratações (que acontecem às cegas, para não enviesar o processo) e busca estabelecer um ambiente seguro e confortável para que todos do time consigam dar o seu melhor. Ele explica que, para isso, o ponto de partida é dar o exemplo — como quando, por várias vezes, já cancelou reuniões importantes porque precisava cuidar das crianças enquanto Andrea Beer, sua esposa e head de human capital da General Atlantic, tinha compromissos importantes no trabalho dela.
“Ter filhos foi uma decisão que nós tomamos em conjunto, assim como ter uma carreira. Eu preciso dar suporte à carreira dela, e ela à minha, e vamos nos revezando. Essa parceria é muito visível para as nossas equipes, e nós as incentivamos a fazer o mesmo”, explica Chaves, que também se preocupa em “evangelizar” os colegas homens, inclusive convocando-os a se colocarem em posição de escuta, especialmente quando as mulheres estão em menor número na sala. “Muitas vezes esse papel é ativo. É perguntar diretamente às mulheres presentes ‘o que você acha?’. Encorajá-las a ocupar o espaço. Ao longo do tempo, vamos aprendendo uns com os outros, e essas atitudes vão ‘grudando’.”
Presidente da Avon Brasil, Daniel Silveira reforça que ser um líder aliado é não só uma questão ética e humanitária mas também um elemento central para o sucesso de qualquer negócio — quanto mais diversos são os times, maior é a capacidade da empresa de atender assertivamente as reais necessidades do seu público. Como em 2020, quando o gigante dos cosméticos percebeu, a partir de um estudo promovido pela sua Rede de Diversidade, que 70% das mulheres negras não estavam satisfeitas com as opções de produtos específicos para seu tipo de pele. A descoberta resultou no movimento #EssaÉMinhaCor, que em 2020 criou uma paleta de maquiagem com 11 novas tonalidades e 53 produtos, além de lançar o Compromisso Antirracista, com metas para ampliar a equidade racial dentro e fora da empresa.
“Tenho dedicado muito tempo e atenção para esse recorte das mulheres negras porque, se do ponto de vista de gênero já avançamos muito, quando olhamos as interseccionalidades o nosso gap é enorme”, conta Silveira. Hoje, 60% dos funcionários da Avon se identificam como pessoas negras, e 9% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres negras, ante 7% há dois anos. A evolução é um resultado direto do movimento iniciado em 2020 e o segredo, conta o executivo, está em implementar uma gestão que busca engajar toda a empresa nessa mudança de valores.
“Se não houver visão, metas claras e KPIs, as discussões viram uma lista de boas intenções. É preciso ter um canal de escuta permanente e deixar suas ações falarem mais alto do que sua voz”, diz o executivo. Como exemplos práticos, Silveira cita a promoção de uma diretora de comunicação durante sua licença-maternidade e a contratação de uma mulher para o cargo de head de digital, que demorou meses para acontecer porque ele fez questão de que encontrassem uma mulher para ocupar a vaga, mesmo que isso levasse mais tempo. “O sistema de gestão faz diferença.”
As interseccionalidades também têm surgido como prioridade na Meta, controladora do Facebook, onde diferentes grupos de afinidade trabalham em conjunto para potencializar o resultado de suas ações. Um exemplo disso é a campanha contra a violência de gênero lançada recentemente pelo WhatsApp em parceria com o Papo de Homem, que busca conscientizar os homens sobre o assunto, cooptando-os como aliados da causa. A campanha foi desenvolvida pela gerente de parcerias estratégicas da Meta para a América Latina, Ciça Sampaio, que também é colíder do Women@Meta, o grupo da holding dedicado a discutir questões de gênero.
Neste novo mundo, diverso e inclusivo, David Smith lembra que as empresas que não se adaptarem rapidamente estão fadadas a serem engolidas pela nova realidade. “De uma perspectiva de negócios, nós não podemos simplesmente nos conformar com a ‘irmandade masculina’, e sim trazer nossas irmãs para dentro disso também.”