Laércio Cosentino, fundador da Totvs: no setor de tecnologia, faltam mais de 150.000 profissionais (Germano Lüders/Exame)
Filipe Serrano
Publicado em 12 de setembro de 2019 às 05h32.
Última atualização em 12 de setembro de 2019 às 10h34.
Mesmo num país com 12 milhões de desempregados, as empresas do setor de tecnologia da informação têm tido dificuldade de encontrar pessoas para trabalhar na área. O resultado é que existem no país mais de 150.000 vagas que não são preenchidas, e a diferença só aumenta a cada ano. Na avaliação de Laércio Cosentino, fundador da Totvs, maior fabricante brasileira de software de gestão, é urgente que o Brasil dê atenção ao problema da falta de mão de obra capacitada, para que a economia volte a crescer e para que as empresas locais estejam preparadas para competir nas áreas de mercado mais promissoras. “Se a gente não fizer um investimento grande em educação, o Brasil vai pagar uma conta alta no futuro, ainda que todas as reformas passem no Congresso”, diz Cosentino, de 59 anos, que hoje preside o conselho de administração da Totvs.
A falta de mão de obra qualificada, especialmente na área de tecnologia, é um dos entraves da economia brasileira. Qual é hoje o tamanho desse problema?
O Brasil tem 12 milhões de desempregados. Mas, na área de tecnologia, temos mais de 150.000 vagas em aberto. Não há desemprego no setor. Pelo contrário. A falta de mão de obra aumenta mensalmente. O Brasil não tem gente treinada e capacitada nas áreas que mais importam hoje no mundo, e onde estão os empregos com os maiores salários. O salário médio da indústria de tecnologia da informação gira em torno de 4.000 reais. É o dobro da média dos principais setores, de 1.500 a 2.000 reais. Hoje formam-se 40.000 pessoas para o setor ao ano. E a área de tecnologia da informação precisa de 70.000. Ou seja, existe um gap de 30.000 pessoas por ano no setor. Mas, como outras empresas também empregam gente da área, o gap é bem maior. Sem mão de obra capacitada, como o Brasil espera crescer 4% ou 5% ao ano?
O que é preciso ser feito?
Se a gente não fizer um investimento grande em educação, o Brasil vai pagar uma conta alta no futuro, ainda que todas as reformas passem no Congresso. Se não houver uma reforma educacional para adequar a grade curricular à realidade do novo emprego e dos setores que, de fato, enriquecem o país e geram valor agregado, não adianta. Eu me preocupo mais com o atraso que o Brasil pode sofrer em razão da falta de mão de obra qualificada do que com um ano de desempenho fraco em que foi preciso pisar no freio.
No início do ano, esperava-se um crescimento maior da economia, o que não aconteceu. A fraca recuperação frustrou?
Eu vejo que, se tivesse ocorrido uma recuperação mais rápida, talvez as reformas fossem postergadas um pouquinho mais. A economia teve de bater mais no fundo do poço para fazer com que o poder público se convencesse de que era preciso fazer as reformas. Não tinha mais como esperar. O que noto é que, agora, vários dos investimentos que estavam represados começam a caminhar, principalmente em tecnologia. Só que é difícil desmontar tudo o que foi feito no Brasil, como o fechamento do mercado e a criação de várias jabuticabas.
Em que sentido?
O Brasil tributa de tal forma, cria uma série de empecilhos, uma série de regras de exceção, que às vezes vale mais a pena, para pagar menos imposto, ter um centro de distribuição num estado e transportar a mercadoria por milhares de quilômetros. Hoje, 30% de todo o gasto com o desenvolvimento de software da Totvs é usado só para manter a parte tributária atualizada.
O que há de errado nesse investimento?
É o tipo de gasto que não leva a lugar nenhum. Um exemplo é o eSocial. Nos últimos dois anos, a maioria das empresas “investiu” mais dinheiro na implementação do eSocial do que para se adequar à indústria 4.0, para evoluir na mesma direção que o mundo está seguindo. Isto é, investir em dados, investir em processos, para ter mais eficiência e mais lucratividade. Espero que a reforma tributária ajude a reduzir o tempo gasto com a burocracia. É preciso tributar melhor e reduzir o número de impostos, mas também diminuir o custo de apurar os impostos, para melhorar o ambiente de negócios.
Em novembro, o senhor assumiu o conselho de administração da Totvs após 35 anos à frente da empresa como presidente executivo. O que mudou?
Em cada momento da vida, é preciso estar na posição em que se consiga contribuir mais. Como fundador e alguém que tem relevância no mercado de tecnologia, acho que contribuo mais hoje na posição que estou. E uma empresa, para se perpetuar, tem de ter novas lideranças. Tem de se reinventar constantemente. O mundo evoluiu e as pessoas evoluíram. Se a gestão das companhias não evoluir, há risco de ficar de fora do mercado. Na Totvs, há dois ou três anos, a gente tinha um grupo executivo com uma média de idade de 50 e poucos anos. Hoje, a média está em 41 anos e meio.
Foi uma mudança feita deliberadamente?
Sim. A senioridade ajuda nas decisões. Ajuda a buscar equilíbrio. Mas vale a pena ter novas ideias, ter pessoas de uma geração mais alinhada e conectada a tudo que está acontecendo. A gente está conseguindo na Totvs ter a senioridade de toda uma história, de uma evolução e, ao mesmo tempo, ter uma execução mais jovem. Ninguém pode se perpetuar infinitamente. Todo mundo que tentou acabou falhando.