Investimento em tecnologias para reduzir o risco de queimadas e de outras ameaças florestais (Catarina Bessell/Exame)
Repórter de Negócios
Publicado em 18 de outubro de 2024 às 06h00.
Há pelo menos duas décadas o Brasil não queimava tanto como em agosto e em setembro de 2024. Com incêndios na Amazônia, no Pantanal, no Cerrado e no estado de São Paulo, cerca de 60% da área do país ficou debaixo de uma densa fumaça, capaz de alterar a paisagem de centenas de cidades.
Ao todo, 15,4 milhões de pessoas sofreram algum impacto das queimadas nacionais, com um prejuízo de 1,3 bilhão de reais à economia do país, segundo a Confederação Nacional de Municípios. Agora, se é verdade que o fogo assustou pelo tamanho e pelo impacto, também é verdade que alertas sobre eventos climáticos extremos não são de hoje.
A boa notícia é que uma série de pessoas já começou a se mexer para resolver esse problema, seja em projetos sociais, em atitudes do dia a dia, seja até mesmo empreendendo. Pelo mundo, são cerca de 45.000 climate techs, empresas de tecnologia para soluções climáticas — e elas têm recebido dinheiro para crescer.
Neste ano, até junho, 3,4 bilhões de dólares já foram investidos em startups do clima. O número se aproxima do total de cheques de 2023, de 3,9 bilhões de dólares.
No Brasil, são cerca de 300 startups verdes, de acordo com o levantamento mais recente da gestora Climate Ventures, de 2022.
Trata-se de um número em ascensão. Programas como o Jornada Amazônia — uma iniciativa da Fundação Certi para captar recursos com grandes empresas e formar empreendedores da Região Norte — e o Sebrae Startups, com um braço de empresas de sustentabilidade, estão ajudando a intensificar negócios como climate techs pelo país.
Participa do programa do Sebrae, por exemplo, a catarinense Quiron. Fundada em Lages, cidade de 160.000 habitantes na região serrana de Santa Catarina, a startup cria tecnologias para reduzir o risco de queimadas e de outras ameaças florestais.
Um dos fundadores, o biólogo Gil Pletsch, foi produtor rural e sentia falta de um sistema seguro para monitorar esses riscos. A solução foi fazer uma ferramenta para acompanhar, via satélite e com cálculos diários, a probabilidade de o campo queimar.
Essa matemática usa algoritmos capazes de transformar dados díspares — tipo de árvore, inclinação e nível de secura do terreno, proximidade de centros urbanos, e por aí vai — numa escala de baixo a altíssimo risco de a coisa pegar fogo. “Esse é nosso principal diferencial, cruzar informações de diferentes famílias de satélites com bases de dados e, a partir de uma inteligência artificial, prever onde pode haver incêndio”, diz.
Até o ano passado, a principal receita da empresa vinha de clientes estrangeiros, como os governos de Portugal e da Grécia. Eles usam a Quiron na prevenção de queimadas de florestas nativas por lá. No Brasil, a demanda está mais focada na indústria florestal, com empresas como Suzano e Veracel.
Em 2024, a lógica deve se inverter, e pela primeira vez a receita interna será maior do que a externa. O faturamento ficará na casa dos 2,8 milhões de reais. Número em tendência de alta, na medida em que a startup pretende intensificar suas vendas para empresas brasileiras preocupadas com as mudanças climáticas e para governos da América Latina.
“Começamos uma negociação com o Peru, um país com muitos incêndios”, diz Pletsch. “Se der certo, nossa receita pode aumentar 25 milhões de reais já em 2025.”
Enquanto isso, a empresa continua prevenindo queimadas em cerca de 20 milhões de hectares de área monitorada. Ao mesmo tempo, está disposta a ajudar numa discussão de mais longo prazo sobre prevenção.
“Não somos pequenas ilhas, precisamos ter uma política global de combate ao incêndio”, diz o empreendedor. “Estamos já há seis anos trabalhando com isso. Sabemos e podemos colaborar na discussão. E estamos disponíveis.”