Revista Exame

Como os algoritmos influenciam a produção de filmes e séries

Quando se trata do mercado de serviços de streaming, ganha aquele que cativa o espectador por mais tempo

 (Yulia Reznikov/Exame)

(Yulia Reznikov/Exame)

LP

Laura Pancini

Publicado em 18 de novembro de 2021 às 05h27.

Última atualização em 4 de dezembro de 2021 às 13h01.

Ainda está prestando atenção? Quando se trata do mercado de serviços de streaming, ganha aquele que cativa o espectador por mais tempo. E não só durante um filme ou aquela maratona de série: quantos minutos o usuário fica com o mouse em cima de um banner ou em quais imagens ele tende a clicar mostram muito mais sobre seus padrões de consumo. É como se na primeira camada tivéssemos as informações que o usuário está mais ciente de que está compartilhando — ele tem uma preferência por filmes de comédia romântica, por exemplo.

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Já na segunda camada estão os metadados, mais obscuros e capazes de identificar padrões que não estamos vendo por meio do machine learning, tecnologia capaz de categorizar um volume gigantesco de dados. Com os metadados, a plataforma sabe então que o usuário se interessa também por década de 1990, mulheres fortes como protagonistas e o ator Hugh Grant. Também entende que a escolha depende de seu humor, e que um filme desse tipo se encaixa mais nas recomendações de sexta à noite do que nas de segunda na hora do almoço.

O modelo que utiliza dados dos usuários para ofertas de produtos e experiências personalizadas é padrão para os serviços de streaming como Net­flix, Prime Video, HBO Max e ­Disney+. “Eles estão competindo por atenção, então os algoritmos entram como uma forma de otimizar e personalizar os serviços”, avalia Victor Barcellos, especialista de comunicação digital do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio).

A diferença, portanto, está em como cada um lida com os dados que têm, e nenhum se compara ao gigante Netflix, que possui por volta de 210 milhões de assinantes pagos mundialmente. Apesar de a Netflix estar no mesmo servidor da Amazon e ter muitas semelhanças com o Prime Video, seu diferencial em número de usuários traz mais dados e, portanto, mais informações para o machine learning processar e otimizar o conteúdo. “Quanto mais potentes são esses algoritmos, mais precisos eles vão ser na oferta de algo que vai interessar ao usuário.”

A imensa quantidade de dados acaba influenciando também nas produções. Na visão de Gustavo Fonseca, presidente da DirecTV Go, plataforma de streaming que chegou ao Brasil no final de 2020, os conteúdos originais são prioridade para as empresas do setor porque tendem a ir melhor. Só a Netflix investiu 11,6 bilhões de dólares nessa modalidade em 2020, ante 9,8 bilhões em 2019. Quase dez anos atrás, ela foi a primeira a apostar nos conteúdos exclusivos com House of Cards, série estrelada por Kevin Spacey e que mostrava os bastidores da política nos Estados Unidos, e investiu 100 milhões de dólares em duas temporadas do programa antes de ver um único episódio. O motivo? Os dados garantiram que o conteúdo tinha potencial.

A versão britânica do seriado havia rendido uma boa audiência na plataforma, e a empresa conseguiu ver que fãs do House of Cards original também assistiam a filmes estrelados por Spacey ou dirigidos por David Fincher, produtor executivo do programa. Hoje, toda plataforma de streaming conta com conteúdos próprios. De acordo com informações da FX Networks Research e Motion Picture Association, entre 2019 e 2020 houve um aumento de 41% no lançamento de séries originais, roteirizadas ou não, chegando a 1.665 no total.

Para empresas que ainda estão crescendo no setor, a aposta se mostrou lucrativa. Somente com Ted Lasso, a Apple TV+ recebeu cerca de 20 indicações na última edição do Emmy Awards,­ maior premiação televisiva dos Estados Unidos, e o lançamento da segunda temporada entregou “o maior dia de estreia e o maior fim de semana de abertura” da plataforma. No comparativo semanal, a Apple TV+ aumentou o volume de assinantes em 50%.

“Existe uma tendência ao monopólio nesse mercado, mas o que diferencia são os dados que cada um tem e os insights que tira deles”, avalia Barcellos. “Ao mesmo tempo, do outro lado você tem um usuário cada vez mais crítico sobre quais dados estão sendo coletados.” Para Fonseca, cujo streaming é oferecido no Brasil pela Vrio, empresa com mais de 10 milhões de usuá­rios em dez países, o desafio também está em discernir quais dados são realmente válidos. “Já tive respostas de usuá­rios que foram diferentes do que foi visto pelos dados. Nem sempre o que o cliente responde é estatisticamente válido”, conta. “É preciso entender o que é uma visualização por impulso, por vergonha, consciente… As pessoas têm segredos, e nas audiên­cias eles se revelam.”  

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