Cúpula da conferência do clima, em Paris: depois de 23 anos, 195 países aprovam o primeiro acordo de combate ao aquecimento global (MIGUEL MEDINA/AFP)
Da Redação
Publicado em 21 de dezembro de 2015 às 04h56.
São Paulo — Os entusiastas ganharam novo fôlego. Os mais críticos fizeram ressalvas. Reações à parte, é para celebrar o fato de que 195 países-membros da Organização das Nações Unidas aprovaram, no dia 12 de dezembro, em Paris, o primeiro acordo global de enfrentamento às mudanças climáticas.
Após arrastados 23 anos de discussões e acordos que deixaram de fora emissores de gases de efeito estufa de peso, como Estados Unidos e China, chega-se, enfim, a um consenso sobre o papel de cada país no processo de construção de uma economia de baixo carbono.
Nas últimas duas semanas, estiveram presentes na capital francesa para a COP-21 150 chefes de Estado, número recorde entre os eventos promovidos pela ONU em 70 anos de existência.
O cenário, inegavelmente histórico, não ajudou a convencer a todos de que poderemos frear o aquecimento da Terra neste século, mas enviou um sinal claro: daqui para a frente, a economia mundial deverá seguir na direção contrária à exploração de combustíveis fósseis.
Até então, as discussões que precederam a COP-21 giraram em torno de um limite de 2 graus Celsius no aumento da temperatura média da Terra — teto posto como minimamente seguro pelos cientistas. Para alívio de todos, o texto aprovado em Paris foi além: o objetivo agora é frear o aquecimento até 1,5 grau.
Essa ambição, porém, não veio acompanhada de um percentual global de redução das emissões ao longo do tempo. Há, aí, um desafio e tanto. Ao todo, 188 países apresentaram metas de redução das emissões. Mas, agregadas, elas não bastam para deter um aumento da temperatura do planeta. Segundo a própria ONU, ainda assim a elevação seria de 2,7 a 3,5 graus até 2100.
A esperança está no mecanismo de revisão previsto no acordo: espera-se que em 2018 as metas sejam endurecidas para enquadrar as propostas individuais ao desafio global. Depois dessa data, as metas serão revisadas a cada cinco anos, a partir de 2023. Outro problema potencial: as metas de cada país são voluntárias e não há nenhum mecanismo de sanção.
Essa foi uma condição posta à mesa pelos Estados Unidos. Afinal, a despeito do protagonismo do presidente Barack Obama na questão climática, um documento com status de lei teria de ser aprovado pelo Congresso americano, e a chance de isso acontecer seria remota. É fato que o acordo tem fraquezas, e já está definido que elas poderão ser sanadas a partir de 2020, quando o documento começará a valer.
Ainda assim, ele representa um avanço e tanto em relação ao último documento desse tipo, o Protocolo de Kyoto, que foi criado em 1997 e posto em vigor em 2005. Na época, apenas os países ricos, considerados emissores de peso desde a Revolução Industrial, assumiram compromissos. Mas nem todos. O então principal emissor mundial — os Estados Unidos — não aderiu.
“Tudo bem que em Paris os países tenham assumido metas voluntárias, mas, uma vez declaradas, há um imperativo moral para que elas sejam obrigatórias”, afirma Tasso Azevedo, coordenador do Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa, do Observatório do Clima, rede de ONGs que discutem as mudanças climáticas.
Há também diretrizes no acordo para a polêmica questão do financiamento, ou seja, do dinheiro que deverá viabilizar as ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas nos países pobres e em desenvolvimento. Esse tema vinha há anos dificultando o acordo. Agora os países desenvolvidos vão contribuir com 100 bilhões de dólares ao ano a partir de 2020.
O valor é um piso, e uma nova cifra só deverá ser definida em 2025. Ainda que esses recursos saiam do papel, há uma percepção clara de que resolverão apenas parte dos problemas — será preciso muito mais. Uma das personalidades que têm defendido essa ideia é o americano Bill Gates, fundador da Microsoft e o homem mais rico do mundo. A
té recentemente, Gates era um simples observador das negociações climáticas, mas foi colocado sob holofotes desde que lançou a chamada Breakthrough Energy Coalition, iniciativa que constituiu um fundo de investimento destinado a fomentar pesquisas em energias limpas. Ele já se comprometeu com 2 bilhões de dólares.
Ao lado de Gates estão cerca de 30 bilionários, como Mark Zuckerberg, do Facebook, e Jeff Bezzos, da Amazon. O homem que ajudou a revolucionar a tecnologia com o computador pessoal tomou para si a missão de promover o que ele mesmo chama de “milagre energético”.
“Levamos mais de 50 anos para ter um avanço substancial no modo como geramos energia, mas, dessa vez, teremos de ser mais rápidos do que nunca”, afirmou em uma de suas últimas entrevistas.
O bilionário é um dos maiores investidores da TerraPower, empresa que se dedica a pesquisas em energia nuclear — neutra do ponto de vista de emissões, mas polêmica devido à toxicidade dos resíduos que produz e a questões relacionadas a segurança. Mas está também no radar de Gates produzir combustíveis com a luz solar.
A irradiação do Sol é capaz de decompor biomassa — como madeira e cascas de árvore — e transformá-la num gás que dá origem a combustíveis como gasolina. Bill Gates e seus pares do mundo dos negócios não são os únicos a depositar na tecnologia esperanças de um planeta menos aquecido.
O cientista político dinamarquês Bjorn Lomborg, que ficou internacionalmente conhecido como o “ambientalista cético”, título de um de seus livros mais famosos, engrossa o coro da salvação pela inovação. Para ele, subsidiar o tipo de tecnologia limpa que temos hoje é, no mínimo, ineficaz.
Só uma onda pesada de investimentos em pesquisas nos setores de energia e transporte — hoje responsáveis por mais de 50% das emissões mundiais — poderá nos levar a uma economia de baixo carbono. Segundo a International Energy Agency, principal fonte de dados sobre o tema, só em 2015, 168 bilhões de dólares foram usados para subsidiar energia limpa no mundo.
A participação dos parques solares e eólicos na matriz energética mundial, no entanto, não passa de 0,5%. “Gastar rios de dinheiro nessas fontes antes que elas se tornem competitivas não me parece inteligente. O caminho é o da inovação”, afirma. Lomborg também se dedicou a analisar a relevância das promessas apresentadas pelos países durante a COP-21.
Segundo ele, o impacto delas é minúsculo: se todas as nações cumprirem suas promessas até 2030, a redução da temperatura será de menos de 0,05 grau. “Trata-se de um acordo caro e que resolve muito pouco”, disse Lomborg em entrevista a EXAME.
Poucos especialistas se atrevem a diminuir a importância dos investimentos em pesquisas de alto risco no combate às mudanças climáticas, como sustentam Bill Gates e Lomborg. Mas muitos defendem que eles sejam feitos em paralelo ao desenvolvimento das tecnologias já existentes.
Além disso, há certa dose de ceticismo entre os próprios cientistas quanto à ideia de depositar esperanças numa grande inovação tecnológica.
“Tendemos a criar uma aura mitológica em torno das soluções que a ciência pode nos oferecer, e isso pode atrasar o que devemos fazer agora”, afirma o alemão Hans Schellnhuber, fundador e diretor do Potsdam Institute for Climate Impact Research, uma das maiores referências em estudos climáticos do mundo.
Schellnhuber é físico e conselheiro do governo alemão e do papa Francisco em questões de clima. Para ele, o milagre energético que nos permite enfrentar o aquecimento global já aconteceu. “Ele foi inventado em 1954: a célula fotovoltaica, base dos painéis solares”, afirma.
A despeito da lentidão que marcou as negociações globais sobre o clima até aqui, não se pode falar que o tema não evoluiu ao longo das últimas duas décadas. Afinal, à revelia de programas federais, muitas empresas, investidores e estados em todo o mundo decidiram investir em ações em prol da segurança climática. A Califórnia, nos Estados Unidos, é um exemplo.
Há três anos, as emissões de gases de efeito estufa têm preço no estado. Hoje, gira em torno de 12 dólares a tonelada. Em vez de aplicar um simples imposto sobre as emissões, o governo optou pelo sistema de comércio, o chamado cap-and-trade. Funciona assim: o estado vende às empresas cotas de emissões e acompanha de perto as toneladas emitidas por elas.
Cotas progressivamente menores são estabelecidas a cada ano. Nesse sistema, a indústria que consegue emitir menos do que o permitido pode comercializar esse excedente com outra indústria que tenha ultrapassado a cota. Desde que implantou o sistema, o governo arrecadou quase 3 bilhões de dólares, dinheiro que foi parar no programa de investimento climático do estado.
Graças aos recursos desse programa, 1 600 famílias pobres da cidade de Sacramento, por exemplo, terão painéis solares instalados em casa. O dinheiro também é usado para subsidiar a venda de combustíveis renováveis para os contribuintes. “Não estamos sacrificando a economia para combater as mudanças climáticas.
Pelo contrário”, afirma Jerry Brown, governador da Califórnia, que esteve em Paris durante a COP-21. Os números comprovam: somente no ano passado o estado cresceu 2,8%, mais do que os 2,2% de alta do PIB dos Estados Unidos.
E as emissões caíram 7% desde 2006, quando as primeiras iniciativas de redução das emissões foram lançadas. Hoje, 20 estados e cidades já adotam mecanismos de precificação de carbono.
A política de definir um valor para as emissões não é a única que tem se mostrado uma tendência. Desde 2014, cerca de 500 instituições financeiras — entre fundos de pensão, universidades, igrejas e seguradoras — comprometeram-se a retirar de seu portfólio de investimento os negócios baseados na exploração de carvão, petróleo e gás.
Há poucas semanas, a Allianz, maior seguradora da Europa, retirou 630 milhões de euros de empresas de carvão e, em contrapartida, investirá cerca de 4 bilhões de euros em energia eólica nos próximos seis meses. Em junho, o fundo soberano da Noruega anunciou a maior retirada até agora: 8 bilhões de dólares até então investidos em carvão. A medida deve afetar 122 empresas ao redor do mundo.
A 350.org, hoje considerada uma das mais influentes e combativas ONGs ambientais, é a principal impulsionadora da campanha pelo desinvestimento nas fontes fósseis de energia. Suas estimativas são de que as instituições financeiras envolvidas com a causa representem hoje uma carteira de 3,4 trilhões de dólares.
Quando se observa, porém, o volume financeiro de subsídios que atualmente mantém de pé a exploração de carvão, petróleo e gás em todo o mundo, é difícil dimensionar o real impacto dessa cifra. São quase 500 bilhões de dólares por ano somente entre os países do G20 — grupo que congrega as maiores economias do planeta.
Bill McKibben, cofundador da 350.org e autor de um dos primeiros livros sobre mudanças climáticas para o público leigo, The End of Nature, de 1988, é otimista. “A questão não é se sairemos ou não dos combustíveis fósseis, mas com que velocidade faremos isso.” Um fato emblemático endossa o raciocínio de McKibben.
Uma das instituições financeiras que mais têm apoiado o movimento é o Rockefeller Brothers Fund, fundo da família americana Rockefeller, que construiu seu império com a exploração de petróleo. O fundo, de 860 milhões de dólares, tinha apenas 60 milhões desse montante investidos em fósseis até setembro do ano passado.
Retirou 15% dessa fatia de lá para cá e tem como meta não colocar um dólar nesse tipo de empresa até 2017. Como investidor, Stephen Heintz, presidente do Rockefeller Brothers Fund, vislumbra uma vida útil de, no máximo, 25 anos para a exploração dos fósseis no mundo. Sua lógica é simples: se quisermos garantir a segurança do planeta e da economia mundial, não podemos queimar as reservas que temos.
“Se John Rockefeller estivesse vivo hoje, como um homem de negócios astuto que era, investiria em energias renováveis”, disse Heintz a EXAME. Dito isso, é bem provável que, se estivesse vivo, Rockefeller também saberia que o Acordo de Paris sinaliza o começo de uma nova era.