Sob a confiança de que as coisas podem até piorar no meio do caminho, mas melhorarão substancialmente em 24 meses, o risco seria baixo, não alto! (Iana Kunitsa/Getty Images)
Colunista
Publicado em 23 de janeiro de 2025 às 06h00.
No Brasil, ou você está pessimista, ou está mal-informado. O velho jargão vem sendo repetido pela suposta intelligentsia local em seu prognóstico para 2025. Até reconheço “as vantagens do pessimismo”, para usar a expressão de Roger Scruton. O perigo da falsa esperança é permitir um mergulho no desconhecido. Sob a retórica de que podemos sempre mudar para melhor, as revoluções costumam ser sucedidas pelos seus períodos de terror. Também é sabido como o pessimismo soa intelectualmente superior. Enquanto o otimista serve para uma temporada no Carnaval, o pessimista cauteloso poderá cuidar do seu dinheiro. O primeiro é tomado por um tolo superficial, enquanto a sisudez do segundo transmite profundidade.
Com efeito, sobram razões para estar pessimista. As expectativas de inflação não param de subir, estando acima da meta nas projeções até 2027. As estimativas atualizadas para a variação do IPCA em 2025 beiram 6%, o dobro do seu objetivo formal. A taxa Selic deve caminhar para mais de 15% ao ano. O real foi a pior moeda de 2024 entre as relevantes.
O aperto monetário e a carestia terão consequências inexoráveis sobre consumo e investimento. A economia vai desacelerar, flertando com recessão técnica no segundo semestre. Empresas alavancadas entrarão em recuperação judicial, enquanto outras desistirão de planos de expansão. Lucros corporativos serão negativamente afetados. A sensação de mal-estar deve se espalhar pela sociedade.
Imaginar um ano fácil beira a ingenuidade. Não alimentemos falsas esperanças ou expectativas ingênuas. Investir num ambiente assim seria altamente arriscado, certo?
Será mesmo? Embora seja a visão de consenso, com todos pessimistas sobre os mercados brasileiros, ofereço uma visão alternativa. Sob a devida construção e a terminologia correta, o investimento no “kit Brasil” hoje pode ser de baixo risco.
Explico, começando com a necessária definição de risco. Nos modelos tradicionais, risco é volatilidade. Se algo pula muito para cima ou para baixo, ele é considerado mais arriscado. Há problemas com a definição. A volatilidade das Torres Gêmeas em Nova York até 10 de setembro de 2001 era zero. Não é por que você não está vendo a variação de preço do seu apartamento que ele não está mudando. Títulos de crédito marcados na curva podem não se mover, parecendo ser de risco zero, até um súbito default.
Bertrand Russell formalizou o problema epistemológico como a falácia do granjeiro. Nassim Taleb popularizou a questão a partir da “falácia do peru de Natal”, que é alimentado por 360 dias sem volatilidade e, quando sua confiança na próxima ração está no auge, o peru é servido como prato principal no jantar de 25 de dezembro. A construção faz parte do problema da indução. Se algo não variou até hoje, deve ser que não vai variar amanhã também. Não há nenhuma garantia lógica de que isso vai se materializar, mas as finanças clássicas se assentam sobre essa formulação.
O investidor Howard Marks sintetiza: “Segundo os acadêmicos que desenvolveram a teoria do mercado de capitais, risco e volatilidade são sinônimos, pois a volatilidade indica a instabilidade de um investimento. Vejo grande problema com essa definição. (…) O problema com tudo isso, no entanto, é que não tenho a crença de que a volatilidade seja o risco mais importante para a maioria dos investidores. (…) Creio que as pessoas se recusam a fazer investimentos principalmente porque estão preocupadas com a perda do capital ou com retornos inaceitavelmente baixos.(…) Risco é, antes de qualquer coisa, a probabilidade de perder dinheiro.”
Risco nada tem a ver com volatilidade. Aqui, associaremos risco à chance de perda permanente do capital. Note: esbarramos em algo capcioso. Diferentemente de outras variáveis, o risco não pode ser mensurado com precisão nem mesmo a posteriori. Pense no retorno: depois que ele aconteceu, você sabe qual foi. Basta olhar a variação entre o preço final e o inicial e calcular um sobre o outro. Agora, qual risco você correu no caminho? Quanto aquilo poderia ter dado errado e você nem soube? A distribuição de probabilidades não é conhecida nem observável. Ela é estimada, diante de complexidade, acesso imperfeito a informação, recursividade e várias outras nuances. Ou seja, é algo muito impreciso, para usar um eufemismo.
Reconhecendo as adversidades de sua aferição, trataremos o risco como a chance de perda permanente do capital. Sob essa construção, há mesmo risco elevado em investir no kit Brasil atualmente? Nossos problemas supracitados são de difícil solução. Não há como saber se caminharemos na direção de seu endereçamento, com o governo recuando na política fiscal perdulária, ou se o Poder Executivo vai dobrar a aposta. Ninguém sabe o que vai acontecer. Apenas vislumbramos uma possível distribuição de probabilidades. Chegará um momento em 2025 em que a matriz de payoff será a seguinte:
Se a gestão da política econômica for ajeitada, então teremos o cenário bom. E o cenário bom é… bom. Já se a política fiscal continuar excessivamente expansionista, isso vai significar desemprego e inflação em alta. Por definição, o índice de miséria aumenta, batendo na confiança do consumidor, que, por sua vez, carrega alta correlação com a popularidade do presidente. Sendo assim, piorar agora significa aumentar a chance de uma mudança do ciclo de economia política em 2026, quando podemos iniciar um longo período de nove anos no sentido do respeito à ciência econômica. Pragmaticamente, isso importa muito mais do que um déficit primário de zero ou de 0,5% do PIB em 2025. Como desdobramento, teríamos uma grande multiplicação dos ativos brasileiros no novo ciclo.
Sob a confiança de que as coisas podem até piorar no meio do caminho, mas melhorarão substancialmente em 24 meses, o risco seria baixo, não alto! A prescrição emerge como um corolário prático: expanda o horizonte de seus investimentos para 24 meses. Obviamente, você precisa chegar vivo até lá. Evite casos que possam sofrer histerese, ou seja, morrer antes da linha de chegada. Muita alavancagem, turnaround, distressed merecem cuidados adicionais. Tenha posições grandes em pós-fixados, guarde uma exposição razoável em dólar, mantenha certo hedge em ouro e coloque um pezinho nas criptomoedas. Isso vai lhe dar fôlego e proteção caso seja necessário.
Ao mesmo tempo, não há por que desistir do kit de risco brasileiro. Se houver espaço, compre mais. Podemos estar diante daquelas raras situações em que há grande potencial de valorização e risco (entendido como perda permanente do capital) baixo.