Revista Exame

PMEs que mais crescem são as que mais inovam no Brasil

Uma pesquisa exclusiva aponta que as pequenas e médias empresas que mais cresceram no Brasil nos últimos anos foram além do corte de custos

PMEs que mais crescem no Brasil têm usado a inovação como remédio para crise (Foto/Thinkstock)

PMEs que mais crescem no Brasil têm usado a inovação como remédio para crise (Foto/Thinkstock)

NB

Naiara Bertão

Publicado em 21 de setembro de 2017 às 10h10.

Última atualização em 21 de setembro de 2017 às 12h26.

O guru de estratégia Michael Porter, numa frase que se encaixa perfeitamente ao momento brasileiro, costuma dizer que bons líderes precisam de uma agenda positiva, e não apenas de uma agenda para lidar com a crise. O pacote básico de sobrevivência das empresas, afinal, é conhecido: cortar custos, segurar aquisições, renegociar com clientes, buscar novos nichos de mercado. É o que faz com que pequenas e grandes companhias consigam crescer e lucrar nas piores tempestades. Mas, quando a crise se prolonga, como é o caso da atual recessão brasileira, não basta só cortar. As empresas que realmente se destacam são as que conseguem combinar frugalidade com investimentos em inovação.

Média anual de expansão da receita de 2013 a 2015. (Germano Luders)

A importância da inovação em tempos de crise é uma das principais descobertas da 12a edição da pesquisa As Pequenas e Médias Empresas Que Mais Crescem, realizada pela consultoria Deloitte em parceria com EXAME. Um grupo de 100 companhias conseguiu ampliar suas receitas em 21% ao ano, em média, de 2014 a 2016. Esse foi o menor crescimento desde o início da pesquisa, em 2006, mas é uma proeza em anos difíceis como esses. As vencedoras são divididas em três tamanhos. Entre as pequenas, que faturam até 25 milhões de reais, a vencedora foi a empresa de tecnologia Cata Company, de Florianópolis, Santa Catarina, que cresceu 590% por ano de 2014 a 2016. A empresa de atendimento a consumidores Virtual Connection, de Uberlândia, Minas Gerais, foi a que levou a melhor na categoria de médio porte (de 25 milhões a 100 milhões de reais em faturamento), ao crescer 218%, em média, por ano de 2014 a 2016. Entre as de maior porte (de 100 milhões a 500 milhões de reais em receitas), a paulista VTEX, que desenvolve e gerencia sites de comércio eletrônico para empresas, ficou em primeiro lugar, com crescimento de 55%.

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Para as dez primeiras colocadas, a expansão anual variou de 77% a 590%. “O que mais surpreende é que essas empresas souberam dosar com maestria onde colocar sua energia durante a crise. Mantiveram o cuidado com a gestão e com os custos, mas compensaram investindo em inovação e tecnologia”, diz Othon Almeida, sócio de desenvolvimento de mercado da Deloitte. Juntas, as 100 pequenas e médias empresas que mais cresceram faturaram 7,3 bilhões de reais em 2016, 21% mais do que no ano anterior. É um desempenho muito melhor do que o das grandes companhias brasileiras. O ranking das 500 maiores empresas do país, divulgado por EXAME, mostrou uma queda de 8% nas receitas em 2016.

As pequenas e médias, na teoria, têm mais facilidade de se adaptar a crises. Ainda assim, pelo menos 1 milhão delas fecharam as portas desde 2014, segundo a empresa de análise de dados Neoway. O feito dos empreendedores que ilustram as pági-nas de EXAME, nesse cenário, é notável. E a inovação tem grande peso. Das 100 companhias que mais cresceram, 80% disseram investir constantemente em tecnologia, e 88% lançaram novos produtos ou ser-viços. “Se você não faz nada de único, diferente, melhor que seus concorrentes, por que os clientes vão preferi-lo? Inovar, estar sempre à frente dos demais, é a única forma de continuar tendo a preferência dos clientes”, diz Luiz Guilherme Manzano, diretor de apoio ao empreendedorismo da Endeavor, organização internacional de fomento ao empreendedorismo.

Foto: André Lessa

A campeã geral, a Cata Company, é um exemplo da importância de pensar diferente. De 2014 a 2016 a empresa cresceu 4 658%, passando de 183 000 reais em receitas para 8,7 milhões. Para criar a empresa, o paulista Victor Levy reparou em um gargalo comum no comércio: a falta de moedas para troco. Seu primeiro produto foi a CataMoeda, uma máquina em que as pessoas depositam moedas e ganham bônus para gastar nos estabelecimentos conveniados. Ele fechou uma parceria com a empresa de segurança espanhola Prosegur, que passou a comprar as máquinas e licenciar o software e a marca. Hoje, são mais de 400 pontos de coleta em 140 redes de varejo do Brasil, da Austrália e dos Estados Unidos. Cerca de 180 milhões de reais em moedas já foram trocados por cédulas, doação, vale-compras e recargas de celular.

Em 2015, a empresa aproveitou outra oportunidade e desenvolveu um segundo produto, também para a Prosegur, o CataCash, um cofre inteligente de alta tecnologia e segurança para lojas. Em pouco mais de um mês no mercado, ele já representava 70% de seu faturamento. Hoje, é exportado para Estados Unidos, Espanha, México, Argentina, Peru e Paraguai. Neste ano, a empresa lançou uma terceira máquina, para reforçar a segurança de cofres de bancos e companhias de transporte de valor e já trabalha em novos lançamentos.

A Cata Company criou o próprio mercado, uma das receitas de sucesso das empresas mais inovadoras — e que mais crescem — do planeta. Não é à toa que a fabricante de carros elétricos Tesla ultrapassou a gigante do setor automotivo GM em valor de mercado neste ano. Ou que o aumento do valor de mercado de Facebook, Amazon, Apple, Microsoft e Alphabet (Google), juntas, em um ano, equivale ao PIB de Hong Kong ou da África do Sul. Boa parte delas cresceu e prosperou justamente no pior da crise americana de 2008 e 2009. A Apple, por exemplo, lançou a primeira versão do iPhone em junho de 2007 e aproveitou a crise para conquistar o mercado. Foi em novembro de 2008 também que Brian Chesky, Joe Gebbia e Nathan Blecharczyk fundaram o Airbnb, plataforma que conecta quem busca uma hospedagem com quem tem uma acomodação para alugar, hoje avaliada em 30 bilhões de dólares e considerada uma das 50 empresas mais inovadoras do mundo.

Foto: Germano Lüders

Inovação ajuda a atrair investimento, que ajuda a inovar, num ciclo virtuoso. A paulista Acesso, que emite cartões pré-pagos para qualquer cliente que tenha CPF, acaba de levantar 21 milhões de reais com o fundo de investimento brasileiro InvestTech. O dinheiro será usado para desenvolver outras soluções de pagamento e expandir a operação. A paulista Magnamed, que fabrica ventiladores pulmonares para equipar UTIs de hospitais e ambulâncias, destina todo ano 10% do que ganha para aperfeiçoar os produtos e desenvolver novos. A Nanovetores, que produz microcápsulas com princípios ativos para a indústria de cosmético e vestuário, tem 20% da equipe só focada em pesquisa.

Detalhe importante: nenhuma delas descuidou do básico. De acordo com a pesquisa da Deloitte, a busca por eficiência foi uma das principais estratégias usadas pelas PMEs que se deram melhor. “A partir de 2015, o jeito foi se voltar para dentro e identificar onde poderiam enxugar sem perder a qualidade”, diz Giovanni Cordeiro, coordenador da pesquisa. As empresas participantes afirmaram que os fatores que mais as impactaram nos últimos anos foram, pela ordem, a queda da renda dos consumidores, a alta de preços de fornecedores e o aumento da inadimplência dos clientes. Em paralelo, elas se lançaram em diversas frentes para desafiar a recessão. Com isso, conseguiram aumentar em 43% a receita por funcionário, que passou de 178 000 reais, em 2014, para 255 000 reais, em 2016.

A fabricante de granola e biscoitos Tia Sônia, de Vitória da Conquista, na Bahia, atuou nas duas frentes. Ainda em 2014, quando a crise começava a despontar, fez uma revisão completa nos negócios. “Os preços da matéria-prima estavam subindo, a mão de obra estava ficando muito cara e já percebíamos os primeiros sinais de queda do consumo”, diz Marcos Fenício Dias, presidente da companhia que fundou há 20 anos na casa de sua mãe. Até 2016, ele fez de tudo para se preparar para o pior: terceirizou a logística, por exemplo, o que trouxe uma economia de 12%. Negociou com os principais fornecedores a extensão do prazo de pagamento. Investiu 1 milhão de reais em máquinas mais modernas para a fábrica. Fechou a divisão de beneficiamento de coco que não era rentável. E ainda reviu o planejamento tributário, diminuindo em 4% os custos com impostos. Com essas e outras medidas, a Tia Sônia, uma das maiores produtoras de granola do Nordeste, conseguiu aumentar em 42% seu faturamento entre 2014 e 2016.

Segundo a Deloitte, metade das pequenas e médias empresas revisou mensalmente processos e atividades internas, 95% implantaram metas de redução de gastos pelo menos uma vez no ano e três quartos renegociaram condições melhores com fornecedores. A paulista Ourolux, fabricante de lâmpadas de LED, foi à China em busca de fábricas mais modernas e produtivas para trocar de fornecedores e compensar a queda da margem. O desenvolvimento do produto é próprio, mas a produção é terceirizada para empresas chinesas. A catarinense Ogochi, que fabrica roupas e acessórios masculinos, implantou o orçamento participativo, em que cada área e gerente faz o próprio planejamento para o ano e tem metas claras para cumprir. Também desembolsou quase 4 milhões de reais para importar máquinas da Itália e aumentar a produtividade. Segundo a pesquisa, 89% das PMEs investiram em máquinas e equipamentos e 67% em softwares em 2016. A Casa Nobre Engenharia, de Itajaí, Santa Catarina — a quarta que mais cresceu do ranking —, colheu nos anos de vacas magras os frutos de ter investido em tecnologia. Antes da construção dos prédios residenciais, faz a simulação em 3D, o que evita erros e agiliza na hora de subir a obra.

Foto: Arthur Garcia

Nas crises não há muito dinheiro para investir em marketing e abrir novos canais de vendas. O jeito é ser criativo. A mineira Virtual Connection, que faz atendimento a clientes, adaptou-se para ser o mais flexível possível ao bolso e ao ta-manho do freguês. Ao permitir que os funcionários trabalhem de casa, por exemplo, ela aumenta a capilaridade regional e reduz custos — pode, então, cobrar menos. “Por sermos flexíveis, atendemos de pequenas a grandes empresas. É uma forma de nos mantermos competitivos”, diz Emílio Oliveira, presidente e um dos sócios. A VTEX, de São Paulo, foi atrás de outras empresas de tecnologia que ofereçam serviços complementares, como meios de pagamento e ferramentas de mar-keting online para atender todo tipo de cliente, do pequeno ao gigante, como Walmart, O Boticário e C&A. Hoje são mais de 700 parceiros que podem ser rapidamente plugados à plataforma principal da VTEX.

Foto: Germano Lüders

Como a redução de custos é uma estratégia universal para sobreviver a uma recessão, quem se deu bem também foram as PMEs que ajudam outras empresas nessa tarefa. A consultoria de saúde Health-ways Brasil, braço local da americana Sharecare, oferece serviços de gestão de gastos com saúde de grandes empresas. Como os custos com plano de saúde podem chegar a 15% da folha de pagamentos, qualquer centavo economizado é válido. Ela acompanha de perto quem tem maior propensão a doenças crônicas e incentiva hábitos saudáveis entre os demais colaboradores. Com isso, conseguiu diminuir em 100 milhões de reais os gastos de seus clientes com plano de saúde em um ano. A AG Capital, de Florianópolis, é outra que se encaixa nessa lista. Ela já gerou uma economia de 1 bilhão de reais em 1 400 projetos de revisão de tributos da folha de pagamentos de seus clientes.

As pequenas e médias empresas são a base para a economia girar. No Brasil, elas representam 27% do PIB e geram 52% dos empregos com carteira assinada. Se elas vão mal, a economia toda sofre. Quando elas inovam mais, o país tem uma chance, por exemplo, de sair da penumbra dos índices mundiais de inovação. De 2011 a 2016, o Brasil perdeu 22 posições no Índice Nacional de Inovação, elaborado pela Universidade Cornell, nos Estados Unidos, pela escola de negócios Insead,  na França, e pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual. Ficou em 69o lugar entre 127 países — é o sétimo da América Latina, atrás de Chile, Costa Rica, México, Panamá, Colômbia e Uruguai. Se fosse por empresas como a Cata Company, a Virtual Connection e a VTEX, o Brasil estaria muito melhor nesse ranking. 

Correção: o nome correto do sócio da VTEX citado no infográfico é Rafael Forte (não Rafael Fortes).

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