Maquete de uma fazenda em Detroit: a cidade precisa desesperadamente de novas fontes de renda (.)
Da Redação
Publicado em 18 de julho de 2013 às 23h59.
O emprego de Dave Bing, prefeito de Detroit desde maio do ano passado, é, sem dúvida, um dos mais ingratos dos Estados Unidos no momento. Bing - um ex-craque do Detroit Pistols nas décadas de 60 e 70 e considerado um dos 50 maiores jogadores de todos os tempos da NBA, a liga profissional de basquete americana - precisa colocar em prática medidas radicais na cidade e repisar constantemente verdades inconvenientes para convencer a população de sua necessidade.
Os dias de glória do berço da indústria automobilística há muito ficaram para trás e a mais recente crise foi como um tiro de misericórdia para a cidade motor. A metrópole que já abrigou 2 milhões de habitantes em seu auge, nos anos 50, hoje conta com uma população de aproximadamente 800 000 pessoas.
Há pelo menos 80 000 casas abandonadas e o governo municipal, com uma arrecadação que também encolhe a cada ano, mal consegue prover educação, segurança e serviços básicos a diversos bairros.
"A dura realidade é que algumas áreas da cidade não são mais viáveis diante das perdas financeiras e de população que enfrentamos", disse Bing num discurso recente. "Mas, em vez de olhar para essas áreas como um problema, vamos começar a pensar criativamente sobre como elas podem ser aliadas na reinvenção de Detroit."
A indústria automotiva sempre esteve no centro das atividades da metrópole. Na década de 50, no auge dos negócios, o setor era responsável por quatro em cada dez empregos e respondia pela maior parte do PIB de Detroit. A cidade sentiu como nenhuma outra a derrocada das grandes montadoras americanas.
Somente em 2009, cerca de 130 000 vagas foram eliminadas em Detroit. A GM, sozinha, fechou nos últimos anos seis fábricas na zona metropolitana, contribuindo para aumentar a coleção de galpões industriais vazios que se vê hoje por lá. Nas últimas semanas, o prefeito Bing anunciou seu plano para resolver o problema de áreas abandonadas de Detroit.
Sua intenção é demolir 3 000 edifícios em 2010 e pelo menos mais 10 000 durante os próximos quatro anos em bairros menos povoados, como os da região leste da cidade. O passo seguinte seria incentivar a população a se concentrar em vizinhanças mais prósperas, facilitando a oferta de serviços públicos e o desenvolvimento de negócios.
Mas o que fazer com os bairros que perderão sua característica residencial? Entre as propostas para dar nova vida a essas áreas, que hoje enfileiram centenas de casas vazias, vandalizadas, tomadas pela vegetação e praticamente sem valor comercial, uma ideia, à primeira vista inusitada, começa a ganhar um número crescente de apoiadores.
Para muitos, a salvação de Detroit pode estar no agronegócio, na transformação dos abundantes espaços disponíveis em fazendas urbanas modernas e com fins lucrativos.
A produção de frutas, verduras e possivelmente produtos florestais é uma das poucas propostas com potencial de satisfazer as demandas mais críticas no momento: gerar emprego, recuperar a arrecadação de impostos, abastecer a população, estimular o comércio e serviços locais e, mais importante, ressuscitar o setor imobiliário.
Alguns desses planos já começam a sair do papel, como o projeto de uma fazenda a ser construída numa área que pode chegar a 2 000 hectares. O homem por trás do negócio é o empreendedor John Hantz, um bem-sucedido gestor de fundos que mora em Detroit há 20 anos e que é hoje um dos poucos ricos que permaneceram na cidade.
Dono de uma fortuna pessoal de mais de 100 milhões de dólares, Hantz pretende transformar sua mais nova empresa, a Hantz Farms, no maior e mais moderno complexo de fazendas urbanas do mundo, tudo nos limites da antiga cidade motor. "Estamos dando início a algo jamais visto em lugar algum com essa escala e com esse grau de sofisticação", disse Hantz a EXAME.
"Podemos localizar os cultivos exatamente nas áreas que a prefeitura decidir evacuar, estamos conversando e o governo está disposto a colaborar. Já estamos adquirindo terras em regiões que estão praticamente desertas e abandonadas."
As fazendas que a Hantz Farms idealiza para a cidade devem ter alta produtividade, utilizar fontes próprias de energia limpa, como eólica e solar, e compor espaços bonitos e turísticos. "Não pense em uma propriedade com tratores ou colheitadeiras. Isso é velho", diz Hantz.
Somente neste ano, serão investidos 30 milhões de dólares para erguer os primeiros módulos da fazenda numa área de 20 hectares. O restante do projeto não tem previsão de término.
Ao mesmo tempo que o governo encoraja o desenvolvimento do agronegócio e planeja construir parques e outras áreas verdes para lidar com o encolhimento e a redistribuição da população, segue com outras estratégias para combater o longo declínio econômico da região.
Um pacote de socorro de 20 milhões de dólares, vindo de Washington, já está a caminho para ajudar com os custos das demolições. Uma recente oferta de títulos da dívida municipal de Detroit em Wall Street levantou 250 milhões de dólares para cobrir parte do rombo nas contas públicas.
Nos últimos anos, vários pacotes de incentivos fiscais e algumas iniciativas privadas resultaram na construção de estádios esportivos de última geração, cassinos, shopping centers, hotéis e até atraíram algumas produções de cinema para a cidade, paliativos que trouxeram alguma vida para o centro de Detroit, mas pouco contribuíram para o combate a seus problemas estruturais e para melhorar a arrecadação municipal.
Neste momento, a cidade que não tem muito mais a perder precisa desesperadamente de novas ideias. "Nós temos a oportunidade de reinventar Detroit como nunca antes na história da cidade", disse Bing em seu discurso. "Acolheremos as melhores propostas e quem sabe abriremos caminho para novos dias de glória."
A derrocada da cidade motor
Fábrica de automóveis desativada na cidade motor: novos usos para áreas abandonadas Símbolo da indústria americana durante a maior parte do século 20, Detroit vive hoje seu pior momento:
Abandono: a cidade abriga hoje apenas cerca de 800 000 habitantes, menos da metade do que havia em seu auge, nos anos 50;
Falência do setor imobiliário: estima-se em 80 000 o número de casas vazias. Em alguns bairros, é possível comprar um imóvel por apenas 1 dólar;
Desemprego: somente em 2009, cerca de 130 000 postos foram eliminados. A taxa de desemprego atual está entre 30% e 34%;
Renda: quase 50% da população encontra-se abaixo da linha da pobreza, e a prefeitura acumula um déficit de 325 milhões de dólares.