Centro de distribuição da Natura: o esforço trouxe à tona falhas óbvias na operação (Germano Lüders/EXAME)
Da Redação
Publicado em 19 de abril de 2014 às 08h00.
São Paulo - Em 2005, os executivos da empresa de cosméticos Natura iniciaram uma longa negociação com a fabricante de produtos orgânicos Native, que até então fornecia apenas o açúcar usado em cremes e sabonetes esfoliantes da marca. O plano era convencer o fornecedor a lhe entregar outro insumo: álcool orgânico para a fórmula de perfumes.
A Native já produzia álcool comum. Mas produzir álcool orgânico era, além de complexo, caro. “Seria preciso comprar um destilador especial caríssimo, e não teríamos outras empresas interessadas no produto”, diz Fernando Alonso Oliveira, gerente de produtos da Native.
Três anos mais tarde, e depois de 38 milhões de reais investidos pela Native, a nova linha de produção começou a operar. O esforço não veio do desejo de propagandear o uso do insumo nas embalagens, que aparece escondido na lista de ingredientes. Esse seria um capricho caro: o álcool orgânico custa o dobro do comum, e a Natura consome 10 milhões de litros dele por ano.
A negociação ajudou a dar a largada numa corrida que virou uma verdadeira obsessão para a Natura: diminuir drasticamente suas emissões de gases causadores do efeito estufa. Diferentemente do álcool comum, a produção orgânica não usa fertilizantes e defensivos químicos, e por isso emite um terço menos de gás carbônico.
“Estudamos oportunidades como essa em todo o negócio, desde a produção de matérias-primas até a entrega de produtos”, diz Denise Alves, diretora de sustentabilidade da Natura, que faturou 9 bilhões de reais em 2013. A análise chegou a um número, divulgado em 2007: seria possível diminuir 33% das emissões até o fim de 2011. Não foi uma tarefa simples.
Desde então, avaliou cuidadosamente os 763 produtos lançados no período. Mesmo assim, a meta só foi cumprida dois anos depois do esperado.
Medir o que passou a se chamar “pegada de carbono” e definir metas de redução tornou-se uma tendência no mundo corporativo. O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da ONU, divulgado no fim de março, apresenta motivos para o esforço: mais evidências de alterações no clima mundial geradas pelo aumento das emissões de carbono.
Apesar de qualquer controvérsia científica ou de críticas que o próprio IPCC sofreu no passado, como manipulação de dados do relatório, os números revelam que as empresas preferiram o pragmatismo à espera de respostas definitivas. Nas bolsas de Londres e da Alemanha, mais de 80% das empresas publicam dados sobre suas emissões.
Entre as 184 participantes do Guia EXAME de Sustentabilidade de 2013, 63% afirmaram buscar reduzir sua pegada de carbono. Em 2007, porém, quando a Natura estabeleceu a meta, o cenário era diferente.
“As companhias estavam num estágio anterior, começando a fazer seus inventários de emissões”, diz Beatriz Kiss, coordenadora do Programa Brasileiro GHG Protocol, metodologia para medição de pegada de carbono mais utilizada no mundo.
A experiência da Natura mostra que transformar a intenção em realidade é bem mais complexo do que pode parecer. Alcançar a meta, mesmo que dois anos depois do previsto, só foi possível porque todos dentro da empresa foram preparados para levar o objetivo a sério.
Em seu lançamento, eles foram avisados de que a meta de redução de carbono passaria a contar na remuneração variável de todos os funcionários. Naquele momento, a empresa precisava inovar para rebater concorrentes, como Avon, O Boticário e Jequiti. A restrição das emissões de carbono não tornou o trabalho mais fácil.
Ainda assim, o índice de inovação da empresa — o percentual de suas vendas que vem de produtos lançados nos últimos dois anos — passou de 56,8%, em 2007, para 63,4%, em 2013. “Nosso trabalho triplicou”, diz João Paulo Ferreira, vice-presidente comercial e de sustentabilidade da Natura.
O fardo recaiu em especial sobre o desenvolvimento de produtos, responsável por 68% das emissões da empresa. Qualquer lançamento teria de ter uma pegada de carbono inferior ou, na pior das hipóteses, igual a um item semelhante do portfólio.
Para ajudar a fazer esse cálculo sem aumentar o tempo de lançamento do novo produto, a área de sustentabilidade desenvolveu uma espécie de calculadora com variáveis como matérias-primas e tipo de embalagem. Exceções poderiam acontecer, mas só com o aval de Alessandro Carlucci, presidente da Natura.
Uma delas se deu na linha de perfume. Nesse caso, reduzir a pegada de carbono implicaria necessariamente tornar as embalagens bem menos sofisticadas. Qualquer movimento nesse sentido seria um tiro no pé, já que a empresa tem a ambição de concorrer com marcas internacionais.
A saída foi introduzir o álcool orgânico da Native, o que rendeu uma economia de 3% de redução das emissões. Outras categorias tiveram reduções bem mais expressivas. As embalagens da linha de sabonetes e hidratantes Todo Dia, por exemplo, lançada em 2003, passaram a ter 83% menos plástico em 2010.
A obsessão com a pegada de carbono ajudou a empresa a enxergar falhas óbvias na operação. Uma delas estava na área de logística. O pedido mais usual feito pelas vendedoras da Natura à empresa correspondia a pouco mais que uma caixa de produtos. Resultado: uma segunda caixa era despachada quase vazia.
A empresa criou, então, uma caixa menor para economizar espaço nos caminhões. Com essa mudança e a abertura de sete centros de distribuição, conseguiu diminuir o custo logístico em 30% — o que compensou medidas que resultaram em mais custos, como a inclusão do álcool orgânico na fórmula dos perfumes. “A economia de um lado compensou o gasto adicional de outro”, diz Ferreira, da Natura.
Obstáculo
No início de 2011, ficou claro que a meta não poderia ser atendida naquele ano. Entre os entraves, segundo executivos da empresa, estava a dificuldade de negociar com fornecedores — a maioria deles despreparada para entregar produtos com menos impacto.
Hoje a Braskem é a única empresa que fornece plástico verde, feito de cana-de-açúcar, por exemplo. Atrasos nas licenças ambientais para trocar caldeiras movidas a diesel das fábricas da Natura por outras movidas a biomassa e etanol também não ajudaram. Um dos frutos emblemáticos do esforço extra para chegar lá foi o lançamento da linha Sou, em julho de 2013.
Com ela, a Natura criou um produto que emite 60% menos gás carbônico do que a linha Ekos, com medidas como reduzir 70% do plástico das embalagens. O exercício de simplificar a fórmula para diminuir o impacto foi além: a linha usa uma única fragrância, é livre de corantes e tem 24 itens — a Ekos tem 68.
“Assim o número de processos, como a lavagem de máquinas na produção, diminui e as emissões despencam”, diz Fabiana Pellicciari, diretora da unidade de negócios Sou. Mesmo com a meta batida, a corrida não acabou.
Em março, Carlucci anunciou aos 100 principais executivos da companhia o corte de mais 33% na pegada de carbono até 2020. “Pelo menos agora sabemos o caminho das pedras”, afirma Ferreira. “E que não dá para subestimar o tamanho do desafio.”