Aula da Kroton: a rede estuda financiar por conta própria os reprovados no Enem (Germano Lüders / EXAME)
Da Redação
Publicado em 9 de fevereiro de 2015 às 05h00.
São Paulo - O Brasil pode não ser o país da educação, mas virou o país das empresas de educação. Nos últimos cinco anos, com crise ou sem crise, os grupos de ensino superior privados tiveram um crescimento espetacular. Em 2010, as três empresas de ensino superior listadas em bolsa valiam 7 bilhões de reais. Hoje, elas são quatro — e valem 35 bilhões de reais.
A Kroton, destaque da turma, tornou-se a maior empresa de educação do mundo. Esse fenômeno foi impulsionado por três fatores. As empresas levaram para o setor carcomido um estilo de gestão moderno. Também perceberam um avanço social inédito, que permitiu a milhares de estudantes pagar uma faculdade.
Mas nenhum desses fatores foi tão decisivo quanto o terceiro — uma baita ajuda do governo federal. Em 2010, o Ministério da Educação (MEC) decidiu turbinar o Fies, programa de financiamento para estudantes do ensino superior.
De lá para cá, o governo já gastou mais de 30 bilhões de reais para pagar as mensalidades de 1,5 milhão de estudantes — dinheiro que foi, inteirinho, para o caixa das faculdades privadas brasileiras. Com a perspectiva de que um programa tão popular fosse mantido para sempre, as empresas partiram para aquisições, cresceram como nunca — e se tornaram as maiores estrelas da bolsa brasileira. Até que o governo mudou de ideia.
Nos dias 29 e 30 de dezembro, o MEC anunciou duas portarias que mudaram o jogo para redes com mais de 20 000 estudantes. A primeira passou a exigir uma pontuação mínima no Enem, o exame de avaliação do ensino médio, para que os estudantes recebam o financiamento público.
Até então, qualquer aluno, independentemente de seu desempenho no exame, poderia receber o Fies. Agora o governo exige o mínimo de 450 pontos em 1 000 possíveis. O aluno também não pode zerar a redação. A segunda mudança é na forma com que o governo paga as instituições.
Os pagamentos, que eram mensais, passarão a ser feitos a cada 45 dias. Um curso de graduação com quatro anos de duração, portanto, será pago às escolas em seis. Foi o suficiente para a lua de mel dos investidores com as empresas terminar.
Algumas redes, como a pernambucana Ser Educacional, já perderam mais de 40% de seu valor. Acostumados a dar boas notícias ao mercado, executivos do setor passaram as últimas semanas em incontáveis reuniões com investidores e com o governo.
A primeira e mais urgente demanda dos executivos é para que o governo volte atrás na forma como vai pagar as escolas. Com menos parcelas anuais, as empresas vão precisar de mais dinheiro em caixa para suas despesas do dia a dia. O problema, afirmam as escolas, é que as mudanças vão afetar não só os novos contratos mas também os financiamentos já firmados nos últimos anos.
A Federação Nacional das Escolas Particulares entrou na Justiça com um pedido de mudança nas regras. A Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Educação Superior (Abraes), que reúne seis das maiores redes do país, tem uma série de reuniões agendadas em Brasília para tentar convencer o governo a voltar atrás. “Alterar regras de contratos é ilegal. Mostramos isso ao MEC. Esperamos bom senso”, diz um executivo do setor.
Em paralelo, as escolas se organizam para se adaptar à mudança, que, na visão de todos, é de fato definitiva — a exigência de, no mínimo, 450 pontos. De acordo com a consultoria Hoper, especializada em educação, em 2012 26% dos estudantes ficaram abaixo dessa pontuação. A situação é pior no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste, onde mais de 30% dos alunos ficaram abaixo da nova nota mínima.
O problema é que, de lá para cá, a média geral no exame piorou — caiu de 500 para 470 pontos. Como resultado, segundo a Abraes, neste ano 49,9% dos estudantes não poderiam receber o financiamento do governo sob as novas regras. A mudança só será implementada no próximo Enem, mas as perspectivas para as escolas são dramáticas.
As mais afetadas, na visão de analistas, são as redes com mais unidades nas regiões de pior desempenho no Enem, como a pernambucana Ser, ou redes com pouca penetração de ensino a distância — modalidade ainda não contemplada com o Fies.
No caso da Kroton e da Estácio, em que mais de 30% dos alunos estão inscritos em cursos a distância, as mudanças diminuiriam em menos de 10% a base de alunos potenciais. São também essas escolas, na visão de analistas, que mais podem se beneficiar da mudança, roubando alunos ou até comprando redes que passarem a enfrentar dificuldades.
Novas exigências
Para não perder os alunos reprovados no Fies, as escolas vão precisar investir. Uma opção analisada pela Kroton é financiar por conta própria os estudantes e, durante um ano, oferecer aulas de reforço para que no ano seguinte eles voltem a fazer o Enem. Outra ação em estudo por alguns grupos é aumentar o número de promoções na mensalidade para atrair os sem-Fies.
O que as últimas mudanças deixaram claro é que o governo não parece mais disposto a aumentar a base de universitários a qualquer custo. Até 2014, a única exigência era que, para receber aluno do Fies, os cursos tivessem uma nota mínima de 3 num ranking que vai até 5. Agora, além da exigência de uma pontuação mínima para os alunos, o novo ministro da Educação, Cid Gomes, avisou que outras mudanças poderão vir.
Ele disse, por exemplo, que pode aumentar a exigência de nota mínima para os cursos. Com a atual nota de corte, 13 900 cursos podem receber alunos pagos pelo governo. Mas o número cairia para 5 200 se a nota mínima aumentasse para 4. “Apoiamos qualquer medida que ajude a melhorar a qualidade”, diz Elizabeth Guedes, diretora da Abraes.
“Mas só cobrar não basta. É preciso melhorar o ensino médio para que os estudantes cheguem mais preparados à universidade.” Em meio ao debate, até o fechamento desta edição, as quatro maiores redes de ensino superior já tinham perdido 12 bilhões de reais de valor de mercado em 2015.