Ana Maria Stecchi: “O curso me possibilitou conhecer o mercado de e-commerce e me certificou como gerente da área, o que abriria a chance de mudança de carreira via CLT” (Arquivo Pessoal/Divulgação)
Repórter
Publicado em 12 de março de 2025 às 06h00.
Última atualização em 12 de março de 2025 às 10h48.
Voltar a estudar foi fundamental para Ana Maria Stecchi, de 57 anos, dar um novo rumo à sua carreira. Após anos trabalhando no setor financeiro em empresas como Bradesco, Unibanco, American Express e Loyds Bank, ela foi demitida aos 50 anos do cargo de gerente do segmento de pessoa física que ocupava no Santander. “Quando a demissão aconteceu, fiquei meio sem saber o que fazer, pois já sabia que as empresas têm baixa propensão a contratar pessoas 50+”, conta Stecchi.
Ela começou, então, a pensar em algo que pudesse fazer sem depender de contratação CLT. “Algo que, de alguma forma, trouxesse retorno [financeiro] mais rápido e que também me desse prazer em trabalhar.”
Stecchi matriculou-se em um curso de comércio eletrônico na ComSchool. “O curso que escolhi me dava a possibilidade de conhecer com profundidade esse mercado e me certificava como gerente de e-commerce, ou seja, ainda poderia ter uma chance de mudança de carreira via CLT.”
E de fato, em 2019, quando já desenhava o plano de negócio para sua loja online, foi convidada para trabalhar em uma empresa. “Como o salário e o projeto eram muito atrativos, eu fui”, relata. “Depois, por causa da pandemia, a empresa mudou o foco do projeto e acabou demitindo basicamente todas as pessoas que havia contratado. Nesse momento, eu estava com 53 anos e foi aí que pensei: ‘Não dá mais para ficar dependendo de CLT’.”
Em abril de 2021, com investimento de cerca de 20.000 reais, ela deu início às atividades da Pra Casa Decor, uma loja de itens de decoração dentro do Mercado Livre. O negócio teve um crescimento de 40% na receita em 2024 e realiza, em média, 1.200 vendas por mês, segundo Stecchi.
Neste ano, a empreendedora começará a vender também por uma loja online própria. “Ao mesmo tempo que vender nos marketplaces tem suas vantagens, também há desvantagens”, explica. Entre elas a dificuldade de fidelizar o cliente. “Queremos consolidar nossa marca, por isso ter um site próprio é extremamente relevante para o negócio, além de nos dar liberdade para trabalhar da forma como queremos e fidelizar a base de clientes.” A ideia, por enquanto, é manter tanto a loja própria quanto o marketplace.
O aprendizado ao longo da vida — também chamado de lifelong learning — pode ser fundamental em mudanças de carreira, como a de Stecchi, mas também é importante de outras formas. “Quando falamos em lifelong learning para quem já passou dos 50 anos, não se trata apenas de se manter competitivo no mercado, mas também de evoluir em áreas que muitas vezes nem sequer existiam quando essas pessoas começaram a carreira”, diz Mórris Litvak, CEO e fundador da Maturi, plataforma que conecta empregadores e profissionais maduros. “É fundamental estarmos sempre aprendendo, independentemente da idade. E não é só sobre estudar por estudar, mas sobre se manter atualizado e curioso — isso ajuda a construir pontes e relevância em qualquer setor de atuação.”
Max Petrucci: “É fundamental estar atualizado sobre construção de marca, comunidade e vendas online” (Arquivo Pessoal/Divulgação)
Aprendizado informal também é valioso
O aprendizado constante foi uma das razões que levaram Max Petrucci, de 57 anos, a criar a Mahta Bio, empresa que começou a comercializar superalimentos da Amazônia em 2022 e faturou 10 milhões de reais em 2024, um crescimento de 140% em relação ao ano anterior.
Petrucci, que tem passagens como executivo pela área de marketing de companhias como Johnson & Johnson, Webmotors e Microsoft, conta que nunca pensou em trabalhar com comida ou nutrição. Só que, quando ainda estava em multinacional e viajava muito, percebeu que seu bem-estar físico estava abalado.
“Comecei a me sentir meio mal fisicamente, demorei para entender o que era”, conta. “De tanto pegar avião, fazer longas viagens, isso desregulou a minha glândula adrenal, que desregulou meu cortisol, e eu não conseguia acordar de manhã.” A decisão dele, então, foi pausar a carreira e tirar um ano sabático. Diante do cenário que se apresentava, fez muitas pesquisas em busca de uma autocura e revisitou seus conceitos de nutrição, de forma autoditada. “Minha vida melhorou muito, e me apaixonei pelo assunto, mas como um hobby”, relata, dizendo que nessa época continuou a carreira como empreendedor digital, em startups. Mas há uns cinco anos ele começou a prestar atenção no setor de alimentos e veio o insight de que deveria haver no ecossistema amazônico, o mais diverso do planeta, superalimentos — que são aqueles com densidade nutritiva maior. “Dessa inquietude surgiu o primeiro insight para criar a Mahta”, diz.
Petrucci comenta que sempre investiu na educação formal — fez cursos em Stanford e na Singularity, por exemplo, cerca de dez anos atrás. Mas diz que cada vez mais tem absorvido conhecimento de maneira informal. “Sou viciado em podcast e livro online. Sobre nutrição aprendi ouvindo podcasts mundo afora, li todos os livros, cheguei a fazer curso do Flavio Passos [fundador da Pura Vida, empresa referência em suplementos alimentares que foi adquirida pela Nestlé Health Science em 2022]”, diz. E, além disso, ele levou para sua empresa a cultura de startups com a qual estava familiarizado. “É importante se manter atualizado, saber como construir marca, como construir comunidade, como vender pelo próprio canal por meio do online, para não chegar ao mercado dependendo do varejo. Acho que a Mahta se destaca nisso, nessas questões pragmáticas de negócio.”
Conrado Schlochauer, autor do livro Lifelong Learners — O Poder do Aprendizado Contínuo, comenta que, se por um lado o período de estudo focado em cursos e universidades ocorre nas primeiras décadas de vida, por outro, o conhecimento acumulado por mais experiência e tempo de vivência são excelentes fontes de aprendizado. “Um aspecto importante, para a população com essa idade [50+], é o impacto da longevidade na necessidade de desenvolvimento contínuo”, diz. “Se a vida adulta vai dos 20 aos 90 anos, a metade dela ocorre aos 55 anos. A perspectiva de muito tempo de vida pela frente pode ser um motivador para a dedicação à busca por novos conhecimentos.”
O especialista costuma brincar que o aprendizado ao longo da vida tem esse nome exatamente porque ocorre “ao longo da vida”. “Parte do aprendizado ocorre de maneira intencional, por meio de investimento de tempo em cursos, leituras, conversas e outras experiências que são estruturadas e planejadas com a intenção explícita de aprendizado”, explica. “Contudo, há outra parte importante do lifelong learning que é o aprendizado incidental, aquele que ocorre como subproduto da vida que você escolhe viver. A consolidação desse tipo de aprendizado ocorre por meio de reflexão e presença nas oportunidades que a vida nos apresenta.”
Opções de carreira depois dos 50
Petrucci, da Mahta Bio, comenta que não teve obstáculos pela idade em sua jornada empreendedora. “A gente, como ser vivo e toda a natureza, é capaz de se regenerar”, diz. “Acho compreensíveis os medos, as angústias, os apegos, mas nada é mais regenerador do que desapegar de velhas crenças, velhos hábitos, e usar essa energia interna e externa para mudar, tornar-se um ser diferente.”
Litvak, da Maturi, diz que é bem comum, hoje, ver pessoas que decidem se reinventar depois dos 50 ou 60 anos. “Isso faz cada vez mais sentido em um contexto em que as pessoas estão vivendo e trabalhando por mais tempo”, afirma. “Não existe uma ‘data de validade’ para buscar algo diferente ou começar um projeto próprio.”
Mórris Litvak: “O lifelong learning mantém a competitividade e permite evolução em novas áreas” (Arquivo Pessoal/Divulgação)
Juliana Ramalho, CEO da Talento Sênior, que conecta empresas a profissionais com mais de 45 anos, observa que pessoas maduras estão se recusando a pôr fim em suas carreiras apenas por causa da idade. “Muitas pessoas 50+ estão neste momento vivenciando a continuidade da carreira, contribuindo para a inovação, buscando novas possibilidades e trabalhando com novos conceitos de contrato que valorizam a experiência e o conhecimento construídos em uma trajetória”, detalha.
Além do empreendedorismo, ela menciona outras áreas de atuação em que os 50+ têm oportunidades, como consultoria, mentoria, o setor de educação e treinamento, cargos de liderança e gestão de projetos.
Para ela, o mercado de trabalho para os 50+ está em transformação e ainda há, sim, desafios, incluindo os preconceitos relacionados à idade e os estereótipos que, por vezes, subestimam o potencial de contribuição desses profissionais. “No entanto, o cenário vem evoluindo”, pontua. “Muitas empresas estão começando a enxergar o valor estratégico da diversidade etária e a riqueza de experiências que os profissionais mais maduros trazem para o ambiente de trabalho.”
Para o profissional 50+, Ramalho ressalta a importância de conhecer novos modelos de contrato e rotina de trabalho independente. “É preciso entender sobre os direitos e deveres nos novos modelos de trabalho”, explica. “Flexibilidade, trabalho híbrido, home office, autonomia, são todas possibilidades reais de ganhos para além da CLT. Se bem planejados, os novos modelos já aprovados em lei podem ser ótimas opções para o profissional e a marca empregadora.”
Profissionais com mais de 50 anos de idade podem fazer qualquer curso, evidentemente, e não somente os designados a esse público. Mas algumas escolas abriram programas específicos para essa faixa etária.
É o caso da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas (FGV Eaesp). Em 2024, pela primeira vez, a instituição abriu inscrições em seu Mestrado Profissional em Gestão para a Competitividade (MPGC) para pessoas a partir dos 65 anos que tenham interesse em se atualizar.
O Programa MPGC 65+ permite a candidatos qualificados cursar matérias regulares do mestrado no formato de matrícula de aluno avulso, com desconto de 50% em relação ao custo regular do crédito. O candidato deve ser graduado ou pós-graduado em administração de empresas, ou curso similar de gestão, como economia, ciências contábeis e comércio exterior.
Nesse programa, o aluno cursa apenas algumas disciplinas, e não desenvolve a dissertação final. Assim, recebe o certificado de participação nas disciplinas escolhidas, mas não o título de mestre. “O objetivo é a atualização e o desenvolvimento desses profissionais, independentemente da idade”, explica o coordenador do MPGC, Gilberto Safarti.
A Universidade de São Paulo (USP), por sua vez, possui um programa já bastante tradicional para o público 60+. Criada em 1994, a Universidade Aberta à Terceira Idade (UnATI) recebe por ano aproximadamente 8.000 alunos distribuídos em centenas de atividades. Os cursos mais procurados são os de inclusão digital, línguas e cultura geral.
Egídio Dórea, coordenador do Programa USP 60+, explica que o aprendizado continuado ao longo do curso de vida é considerado um dos pilares do envelhecimento ativo. “Continuar aprendendo ao longo da vida não somente promove a aquisição de novas habilidades e competências como também está associado a um aumento da expectativa de vida e da expectativa de vida saudável”, afirma. Segundo ele, o aprendizado contínuo estimula uma maior participação e promove melhoria da autoestima e da cidadania. “Um aspecto importante é a promoção da socialização e a redução do risco de isolamento social e solidão, problemas de saúde pública mundial.”
A UnATI também existe em outras instituições de ensino, como na Universidade Estadual de Maringá, no Paraná; na Universidade Estadual Paulista (Unesp); na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS); na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); e na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
Organizações privadas, como a Maturi e a Talento Sênior, também promovem programas de formação para o público 50+. Na Maturi Academy, os alunos estão na faixa de 50 a 60 anos, e os cursos mais procurados estão relacionados a empreendedorismo, marketing digital, gestão de negócios, networking e tecnologia (ferramentas, redes sociais e até IA). Já acima dos 60, há uma procura crescente por temas de autoconhecimento, finanças pessoais, bem-estar, tecnologia básica e longevidade.
No hub Sênior para Sênior, da Talento Sênior, um dos serviços mais buscados é a “Trilha sobre o conceito Talent as a Service”, um conteúdo para o desenvolvimento de habilidades práticas que compõem o escopo de um profissional que deseja atuar nesse modelo de trabalho. O Talent as a Service (TaaS) é um formato de contratação que permite às empresas obterem profissionais qualificados sob demanda.
↪ 1. Entenda o mercado fora das grandes corporações: o mercado oferece novas oportunidades para profissionais maduros, que precisam se atualizar sobre práticas e tendências atuais.
↪ 2. Saiba trabalhar com dados: dados são estratégicos para as empresas. Saber interpretá-los é um grande diferencial no mercado.
↪ 3. Identifique suas soft skills: conhecer suas habilidades comportamentais e as que precisa desenvolver é fundamental. Entre as mais relevantes estão pensamento crítico, comunicação, letramento digital, multitarefas, alteridade, dinamismo e intraempreendedorismo.
↪ 4. Aceite a nova ordem: para trabalhar com outras gerações, é importante entender as transformações sociais e adotar a colaboração em vez da competição. Exercícios como ler livros diferentes ou assistir a programas variados ajudam.
↪ 5. Conheça novos modelos independentes de trabalho: é essencial entender os direitos e os deveres nos novos modelos, como flexibilidade, trabalho híbrido, home office e autonomia, que podem oferecer ganhos além da CLT.
↪ 6. Tenha abertura para aprender: a curiosidade e a humildade são fundamentais. Investir em cursos, ler e trocar experiências com pessoas de diferentes gerações, além de participar de workshops de ferramentas digitais são boas práticas.
↪ 7. Cuide da sua rede de contatos: participar de eventos, envolver-se em projetos voluntários ou atuar com mentoria são formas de se manter ativo e visível no mercado.
↪ 8. Saiba quais são suas paixões e pontos fortes: conhecer sua bagagem e investir em autoconhecimento ajuda a buscar oportunidades que valorizem suas habilidades e experiências.
Fontes: Juliana Ramalho, CEO da Talento Sênior e Mórris Litvak, CEO da Maturi.