Foto: Bruno Rocha/Fotoarena /
Da Redação
Publicado em 30 de agosto de 2018 às 05h38.
Última atualização em 30 de agosto de 2018 às 05h38.
Uma metáfora comum na política é a do xadrez. Ela dá conta de explicar, por exemplo, o relativo sucesso do presidente Michel Temer em aprovar reformas, mesmo chefiando um governo impopular, com base de apoio arredia: ele conhece e sabe mover as peças para alcançar posições vantajosas no tabuleiro.
Para a campanha eleitoral, porém, o milenar jogo chinês Go é uma metáfora mais adequada. Nele, não importa o valor das pedras (elas são todas iguais), e sim como elas se colocam no tabuleiro. O objetivo não é matar o adversário, é conquistar mais territórios que ele. Por isso a metáfora serve tão bem à campanha eleitoral. No moderno marketing político, a diferença entre as peças tem menos relevância do que o local que elas ocupam no imaginário popular.
Não foi sempre assim. No início da era das campanhas, o marketing político buscava realçar as qualidades inerentes ao candidato. Hoje, é o candidato que se adapta ao marketing. Onde se identifica uma “demanda”, adapta-se o discurso para ser uma oferta.
Os cinco oponentes principais da eleição atual no Brasil e os oito coadjuvantes disputam, então, os espaços da demanda popular. O problema é que, neste jogo, cada um precisa tentar ocupar terrenos bem diferentes dos seus “naturais”. E cada um deles representa várias pedras no caminho para os demais.
O candidato do PSL soube ocupar um extremo; o desafio agora é mudar sua imagem para ganhar mais terreno — sem perder o que já tem
No xadrez, desde o início do jogo é importante dominar o centro do tabuleiro. No Go, é melhor começar pelos extremos. Como é preciso cercar um território para conquistá-lo, os limites do tabuleiro funcionam como barreiras naturais. E essa é uma enorme vantagem da campanha de Jair Bolsonaro, do PSL. Desde cedo, ele conseguiu se incrustar num dos cantos do espectro político.
Para fazer isso, não titubeou em abandonar décadas de convicção desenvolvimentista e abraçar o ideá-rio liberal na economia, mantendo-se rigidamente conservador no campo dos costumes.
Ocorre, porém, que com o desenrolar do jogo o centro vai se tornando mais importante. É preciso ocupá-lo. Mas esse é um terreno cheio de armadilhas para Bolsonaro.
A primeira é que, ao se mover nessa direção, Bolsonaro arrisca perder parte de seu eleitorado. Outra é que, para ser bem-sucedido, ele precisaria adotar um discurso mais moderado. O centro do tabuleiro costuma ser povoado por gente mais racional que emotiva, que acredita em soluções parciais, em vez de buscar soluções ideais, muitas vezes impraticáveis. Numa palavra, esse é o terreno das pessoas centradas.
O dilema é que se mostrar assim não é o natural de Bolsonaro. E, quando o faz, abandona características que lhe dão sustentação no seu canto: as soluções prontas e fáceis, o vigor maniqueísta, um certo pendor de agressividade.
Uma aliança lhe teria caído bem, mas Bolsonaro não a conseguiu. O que tem lhe restado, como estratégia, é redefinir o centro; chamá-lo de “Centrão” e acuá-lo para o campo oposto, na tentativa de convencer mais pessoas de que se postar em seu extremo é o único modo de recuperar o equilíbrio do país. Plasma-se em Donald Trump, imitando inclusive suas queixas de que “as eleições já estão decididas” por um suposto conluio fraudulento de todas as (outras) forças políticas.
A estratégia tem dado certo, de acordo com as pesquisas eleitorais, mas é duvidosa na próxima fase. Nos Estados Unidos, Trump conseguiu vencer com um discurso mais radical e antipolítico — mas lá não há segundo turno.
Enfrentar Bolsonaro pode ser o caminho para ela se mostrar decidida e firme. Para ganhar território, ela também precisa ser mais inteligível
Marina Silva, da Rede, teve uma chance rara na política. Ela poderia ter distribuído várias pedras pelo tabuleiro antes mesmo de o jogo começar. Marina tinha, após as eleições de 2014, um capital político considerável e uma imagem de campeã da ética num país que se veria engolfado por processos de corrupção.
Mas Marina não soube ou não quis ocupar espaços com antecedência. E, quando entrou na partida, algumas de suas posições preferidas já estavam tomadas. Mesmo assim, é uma candidata forte: suas pedras estão no lado oposto das de Bolsonaro, mas bem mais perto do centro. Ou seja, Marina tem uma vantagem inicial menor, mas mais possibilidades caso passe para a segunda fase.
Seu desafio é conquistar terrenos mais rapidamente do que os perde. A base evangélica, por exemplo, era um dos pilares de Marina. Mas a aliança com o PSB do então candidato à Presidência Eduardo Campos, na eleição passada, a identificou com temas mais liberais, como a aceitação do casamento misto e até a defesa de um plebiscito sobre a legalização do aborto.
Se perde parte dos territórios evangélicos e conservadores, Marina tem hoje mais chances de herdar os terrenos que a provavelmente inviável candidatura Lula terá de desocupar. A questão é que essas pedras terão de ser disputadas com o herdeiro oficial, Fernando Haddad, o herdeiro adjunto, Ciro Gomes, e o poderoso desencanto, na forma de votos brancos e nulos.
Para vencer essa disputa, Marina precisa, assim como Bolsonaro, mostrar uma imagem diferente da que lhe é atribuída: precisa convencer como uma figura combativa, em vez de conciliadora; imponente, em vez de frágil; e, principalmente, bem articulada, com presença de espírito.
Sob vários aspectos, Bolsonaro é o adversário a ser batido. Ambos se dizem uma alternativa à “velha política”; mas estão em campos opostos. Não à toa, seu grande momento até aqui foi o confronto direto com ele, em debate televisivo, em que se postou como defensora dos direitos das mulheres.
Para Marina, Bolsonaro é o adversário perfeito. Alguém contra quem sua aparente fragilidade se torna resistência; seu modo de se expressar, em vez de pouco claro, passa a ser visto como abrangente; e, acima de tudo, alguém que lhe deixa mais aberto o caminho da conquista do centro do tabuleiro.
Sem um canto para chamar de seu, o candidato do PDT procura ganhar eleitores nos territórios de todos os oponentes
Se tivesse funcionado, teria sido uma estratégia perfeita: dominar uma extremidade e, em vez de usá-la para expandir-se rumo ao centro, ocupar a outra extremidade. Mas o acordo com os partidos do chamado Centrão não vingou, e Ciro Gomes, do PDT, não só não conseguiu atacar na segunda frente como perdeu algumas valiosas pedras na sua frente original.
Não que ele estivesse assim tão confortável em seu canto. Os territórios que disputa são demasiadamente contíguos aos do ex-presidente Lula. Teria sido mais fácil para ele se Lula o tivesse aceitado como sucessor, uma vez que não poderia concorrer. Mas Lula preferiu ser fiel ao PT e a si próprio.
A estratégia de Ciro é a mais difícil de compreender. Suas pedras parecem estar por todo o tabuleiro. Repudia as reformas do governo Temer, mas não nega que sejam necessárias (apenas que têm de ser “mais bem-feitas”). Tenta compor com o PT, depois com os partidos de centro (ou sem ideologia definida). Quer cativar a esquerda, mas convidou para sua vice a empresária e ex-senadora Kátia Abreu, que defende o porte de armas e se opõe a regulações contra o desmatamento. Diz que apoia a operação anticorrupção Lava-Jato, mas já afirmou que receberia o juiz Sérgio Moro “a bala”.
Com tantas inconsistências, não há território do cenário político que ele possa chamar de seu. O que não é necessariamente uma desvantagem. Suas pedras, de tão espalhadas, abarcam uma área maior, e se conseguir uni-las pode conquistar a partida. A maior dificuldade para isso é seu caráter intempestivo. Para o mercado financeiro, isso representa o ápice da incerteza; para a população em geral, sua imagem oscila entre a de alguém decidido e alguém descontrolado. Seu problema é quase o oposto do de Marina Silva. Ela precisa se impor mais; ele, menos.
Ciro sabe disso, tanto que tem se esforçado por parecer sereno nos debates. Se a estratégia der certo, e ele fechar alguns territórios da base de Lula, outros da esquerda tradicional, alguns tantos do eleitorado que se deixa seduzir por promessas populistas como a de pressionar os banqueiros e “tirar o nome do povo brasileiro do SPC”, tem chance de passar ao segundo turno. Nesse caso, Ciro pode até ganhar. Não por finalmente ocupar o centro, mas por conquistar um equilíbrio dinâmico: ora se apoiando numa extremidade, ora na outra.
Quanto mais apto a fazer um bom governo o candidato do PSDB se mostra, mais identificado com a “velha política” ele fica
Governador do estado menos desarrumado pela crise do Brasil, justamente aquele com a maior parcela do eleitorado nacional, o candidato do PSDB deveria estar em situação mais confortável na corrida eleitoral. Mas sua posição no tabuleiro é a mais complicada, tentando ganhar territórios a partir do centro. Essa nem era, diga-se de passagem, sua escolha. Ocorre que o tabuleiro se moveu, nos últimos anos, e o que era considerado centro-esquerda acabou ganhando o rótulo de direita, ou centro-direita. E Geraldo Alckmin se viu sem a beira do campo.
Fosse o jogo definido em gabinetes, e não em urnas, ele seria o candidato mais forte. Conseguiu reunir as melhores condições de governabilidade, com uma base capaz de lhe dar boas chances de aprovar, senão todas as reformas que promete, pelo menos as mais importantes para o país neste momento. Mas esse é o jogo de xadrez. Para chegar a ele, é necessário antes vencer o jogo de Go. Não que Alckmin não esteja disposto a obedecer aos ditames do marketing político. Há oito anos, quando concorreu à Presidência pela primeira vez, contra um Lula candidato à reeleição, as privatizações eram uma ideia que não ressoava entre os brasileiros, e Alckmin vestiu o macacão da Petrobras para jurar que apoiava seu monopólio. Hoje, sua plataforma é diferente.
E Alckmin tem bons números para exibir. “Vamos conquistar o eleitor com propostas mostrando o que nós já fizemos”, diz. O duro é convencer as pessoas. Em sua trajetória, Alckmin se acostumou a vencer pela paciência. Foi assim que, recentemente, conquistou a liderança do PSDB. As facções rivais se digladiaram, enquanto o governador de São Paulo ficou na beira do campo, até ser aclamado como a solução de consenso.
No jogo de Go, porém, não há solução de consenso. O segundo turno não vai cair em seu colo, se ele não entrar na briga. Sua grande vantagem é o tempo de propaganda na televisão, o maior de todos os concorrentes. Mas contra ele pesa a percepção de que lhe falta charme, presença, carisma. Sem essas características, é difícil fincar suas pedras no tabuleiro. Alckmin sabe disso. Mas acredita que pode conquistar os eleitores pela conversa “olho no olho”. Num cenário carregado de emoções, sua aposta é nos argumentos racionais. Não tem condições de se apresentar como o “novo”; é obrigado, portanto, a bater na tecla da experiência — e tentar reverter a desconfiança generalizada em relação à política.
Para o provável candidato do PT, antes da disputa eleitoral existe outra — pela herança política do ex-presidente
Para Fernando Haddad, a estratégia é mais simples: identificar-se com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mais simples, porém, não quer dizer mais fácil. No jogo de Go, quando você age para ganhar algo, está sempre arriscando perder outra coisa (enquanto se move para capturar territórios rivais, pode abrir flancos para ser engolfado). Nesse caso, o território a ganhar é bem maior que o território a perder — uma certa simpatia no centro do tabuleiro, a imagem de alguém mais afinado com a racionalidade econômica. O problema é que não dá para saber quanto do território de Lula é possível conquistar, e o território perdido pode fazer muita falta.
Também não é apenas uma questão de se fazer conhecer. Haddad tem poucos dias para aprender a usar uma linguagem mais simples, menos refinada, mais agressiva, acompanhada de um gestual condizente com a mensagem de resgate de uma suposta era dourada que Lula, como por mágica, teria propiciado aos mais desfavorecidos. E não terá o tutor a seu lado, para lhe transferir votos por osmose.
Em 2014, quando foi bem-sucedido em tornar Dilma Rousseff a sucessora, Lula correu o país com ela, bradando que seu governo não teria funcionado sem ela, que votar nela era votar nele. Agora, há o inconveniente da cela em Curitiba. Isso permite a vários candidatos que reivindiquem associação com Lula: Ciro, pela afinidade política e de estilo, Marina, pela ascensão e preocupação social, Guilherme Boulos, do PSOL, pelo discurso de ser ainda mais Lula que Lula, Henrique Meirelles, do MDB, por ter servido num posto-chave em seu governo… É como se, nesse pedaço do tabuleiro, não houvesse pedras brancas e pretas, apenas tons de cinza. Haddad precisa ser o cinza mais escuro no primeiro turno — e depois se transformar num cinza bem mais claro, para aumentar suas chances no segundo turno.
A experiência do eleitorado com Dilma também joga contra Haddad. Se a primeira protegida de Lula foi tão mal, por que acreditar na capacidade de Lula designar sucessores? Esse não é o único desafio do candidato. A recente denúncia de malfeitos em sua campanha a prefeito de São Paulo, em 2012, favorece a identificação de Haddad com Lula num campo em que não lhe interessa nada: os problemas com a Justiça.