Marcos Magalhães Pinto em 1994: corrida para recuperar o que sobrou da fortuna (Robson de Freitas)
Da Redação
Publicado em 11 de setembro de 2014 às 06h00.
São Paulo - A família Magalhães Pinto foi, até o início dos anos 90, uma das mais ricas e poderosas do Brasil. Seu banco, o Nacional, era um dos maiores do país, com 1,2 milhão de clientes, quase 400 agências (incluindo pontos em Nova York e Miami) e mais de 40 000 funcionários, o dobro do que tem o Santander hoje.
Também era um dos maiores anunciantes do país: patrocinava o piloto Ayrton Senna e clubes de futebol como Vasco e Fluminense. O fundador do banco, José de Magalhães Pinto, foi governador de Minas Gerais nos anos 60. Seu filho Marcos, que assumiu o banco, frequentava as mais tradicionais rodas da sociedade carioca.
Mas, em 1995, o Nacional sofreu uma intervenção do Banco Central, talvez a mais barulhenta de nossa história recente. A parte saudável do banco foi repassada ao Unibanco. Com a família, ficaram um banco falido e processos judiciais por fraudes administrativas descobertas depois da intervenção.
De lá para cá, os Magalhães Pinto tentam salvar o que sobrou de sua fortuna. Quase nada avançou em 19 anos. Até que André Esteves, o onipresente controlador do banco de investimento BTG Pactual, surgiu na história.
Como boa parte dos bancos que quebraram naquela época, o Nacional ficou com muito dinheiro a receber do governo — 31 bilhões de reais em valores atualizados, para ser mais exato.
Boa parte desse dinheiro, assim como das dívidas atuais do banco, é resultado das ações do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro (Proer), criado na década de 90 para socorrer os bancos que, viciados na ciranda financeira dos tempos de hiperinflação, sofriam com os efeitos da estabilização econômica.
O Banco Central emprestou dinheiro a bancos como Nacional e Econômico para que comprassem, com descontos de 50%, títulos de dívida do Tesouro. Eram créditos do Fundo de Compensações de Variações Salariais (FCVS), criado na década de 60 para recompensar as instituições que concediam financiamento imobiliário e perdiam com juros e inflação.
Nos anos 80, por exemplo, um financiamento de 100 000 reais subia para 323 000 reais em um ano só com o ajuste pelo índice de preços. Mas o governo garantia que os compradores poderiam quitar os imóveis pelo valor acordado. A diferença era paga aos bancos em FCVS. O Nacional comprou papéis de Itaú, Unibanco, Bradesco e Real.
Dos cerca de 70 bilhões de reais em créditos FCVS ainda no mercado, quase 45% são do Nacional. Mas, por ser o Brasil o país estranho que é, esses papéis não valem nada até que a Caixa Econômica Federal e o Tesouro reconheçam que são “bons”. E fazer esse percurso nas duas instituições federais não é moleza.
Os Magalhães Pinto estão há 19 anos nesse labirinto. Eles têm os tais 31 bilhões de reais em títulos do governo, mas o próprio governo não reconhece a dívida como boa. Na rota oposta, eles devem ao Banco Central 21 bilhões de reais. Só depois de pagarem tudo é que eles podem sonhar em ter algum centavo de volta. Pelo cronograma atual, isso só aconteceria em 2027.
Mas no fim do ano passado o Nacional chamou a atenção de André Esteves. O BTG, afinal, havia comprado o também finado Bamerindus, outro banco socorrido pelo Proer. A transação custou 418 milhões de reais ao BTG — que levou, em troca, os 2 bilhões de reais em créditos tributários do Bamerindus.
Por que não repetir o modelo com o Nacional? EXAME apurou que o BTG e a família Magalhães Pinto começaram a costurar um acordo em que o BTG adquire bens e direitos do Nacional. Procurados, ambos os lados disseram que não comentariam.
O BTG, claro, vê chances de ganhar muito dinheiro com essa transação. O banco já é um dos maiores compradores de FCVS do país. E julga entender as peculiaridades do processo necessárias para transformar os papéis em dinheiro.
Para receber o FCVS, um banco tem de entrar numa longa fila de análise na Caixa Econômica Federal, instituição responsável por fazer a validação desses créditos — checar a origem da dívida, qual sua taxa de juro e a documentação — e transformá-los em CVS, o papel que pode ser descontado no Tesouro.
Isso, claro, se o Tesouro estiver disposto a pagar, o que nem sempre acontece. As validações estão suspensas desde abril de 2013 porque a Controladoria-Geral da União estuda alterações no processo de comprovação e análise dos créditos. O governo não nega a dívida, mas paga quando puder.
Demora
Insatisfeita com a lentidão da liquidação, a família encarregou a terceira geração de encontrar um desfecho mais rápido para o processo. Quem está à frente dessas conversas hoje é Marcos José, filho de Marcos Magalhães, presidente do banco na época da intervenção. Mas, por uma série de razões legais, os Magalhães Pinto têm pouca liberdade para negociar.
Eles não podem simplesmente vender os créditos, renegociar a dívida com o Banco Central e a forma de pagamento. Só um novo dono teria, juridicamente, essa liberdade. O que os Magalhães Pinto podem negociar agora é exatamente o controle acionário do banco, o que daria direito ao comprador de reorganizar o processo como bem entender. E é aí que entra o BTG.
Para Esteves e seus sócios, um momento foi chave para tornar o negócio atraente. Em outubro do ano passado, os responsáveis pela liquidação do banco aderiram a um programa de refinanciamento de dívidas com o governo.
Nesse programa, o banco consegue descontos de 20% a 45% sobre os juros da dívida se pagá-la antecipadamente — na melhor conta, a dívida do Nacional cairia de 21 bilhões para 16 bilhões de reais.
Assim, alguém que consiga transformar pouco mais da metade dos 31 bilhões de crédito do Nacional em dinheiro poderia pagar a dívida com o Banco Central e ficar com o troco. Além disso, o Nacional tem créditos fiscais que chegam a 12 bilhões de reais — que iriam para o novo dono.
Para os Magalhães Pinto, a venda do Nacional seria uma forma de amenizar um calvário de quase duas décadas. Parte da família ficou impedida de operar no mercado bancário devido à descoberta de fraudes contábeis.
Em fevereiro do ano passado, aos 78 anos, Marcos dormiu uma noite na prisão depois que o Superior Tribunal de Justiça revogou uma decisão do Tribunal Regional Federal, que havia declarado a prescrição do crime de gestão fraudulenta — a condenação foi em 2002 e, depois de diversos recursos, acabou extinta em 2011.
O ex-banqueiro conseguiu um habeas corpus e o processo continua aberto. É possível que os Magalhães Pinto levem pouco dinheiro numa negociação com o BTG, mas quando se livrarem da liquidação terão liberados bens como imóveis e dinheiro que estão bloqueados há quase 20 anos como garantia aos credores. Em valores atualizados, dá perto de 1 bilhão de reais.
As conversas são preliminares e, para quem está próximo aos bancos, o desfecho ainda demora. “Não é um acordo de sala fechada, entre BTG e a família. Será uma negociação longa envolvendo o Banco Central”, diz um dos envolvidos. É consenso que o Banco Central é mais simpático ao BTG do que aos Magalhães Pinto, o que pode ajudar a acelerar as coisas.
“O agente privado é mais eficiente para encerrar processos de liquidação do que o agente público”, disse André Esteves em fevereiro do ano passado. Essa liquidação de 19 anos vai ser de fato encerrada? Só os próximos capítulos da novela dos Magalhães Pinto dirão.