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Da Redação
Publicado em 4 de julho de 2013 às 19h48.
São Paulo - Como diria a heroína de Alice no País das Maravilhas, numa das situações cada vez mais incompreensíveis que ia encontrando em suas aventuras, o Brasil em que nos cabe viver hoje se torna, a cada dia, mais e mais curioso. Uma das áreas nas quais se entende menos e menos o que, exatamente, querem fazer conosco é a fronteira que divide as ótimas intenções dos péssimos resultados.
De um lado dessa linha fica o desejo de praticar a bondade — ou, mais precisamente, de ganhar cartaz com propostas de fazer o bem utilizando bens alheios. Do outro lado fica a estupidez. Os atos de confusão nessa zona fronteiriça tornam-se tão frequentes, e são praticados com tanta ligeireza, que começam a adquirir o status de regra, em vez de exceção.
Iniciam, geralmente, com um amontoado de frases num pedaço de papel. Vão indo, vão indo — e de repente se transformam em lei, criando obrigações dementes para empresas e novas oportunidades de renda para fiscais.
Um dos grandes momentos no gênero, para ficar num episódio recente, é o projeto de lei pelo qual se pretende obrigar empresas que prestam serviços ao governo a contratar uma cota de ex-drogados — isso mesmo, ex-drogados. E se não conseguirem encontrar um número suficiente de indivíduos que sejam, ao mesmo tempo, qualificados profissionalmente e ex-consumidores de narcóticos? Problema delas.
Podem escolher entre pagar multa ou pagar propina para a fiscalização. Ou, talvez, devam contratar alguma ABC Advisors ou XYZ Executive Search, para localizar, com sua experiência em head-hunting, antigos viciados que tenham as qualificações exigidas para ocupar as posições em oferta. Quem sabe? Tudo é possível nesta vida.
Em nenhum momento dessa passagem do sanatório geral pela avenida, é claro, será debatido um fato muito simples: por que raios uma empresa prestadora de serviços à administração pública teria de pagar para tentativas de consertar erros que não cometeu? A responsabilidade pelo vício é do viciado, e só dele; tem de aguentar as consequências do que fez.
Decidiu abandonar a droga e precisa de apoio para ter uma segunda chance? Perfeito. Mas o governo não tem o direito de obrigar ninguém a fornecer essa segunda chance. Ela só faz sentido se vier de uma decisão voluntária de quem queira ajudar na recuperação de ex-drogados — algo que já acontece e envolve não apenas empresas privadas.
Disputando cabeça a cabeça o “Grande Prêmio Brasil da Insanidade” com essa história, vem o projeto de lei que propõe criar pena de prisão para o empregador que consultar os antecedentes criminais ou a ficha de crédito de qualquer candidato a emprego em sua firma. Já é proibido fazer isso; agora, querem cadeia para quem fizer.
Num mundo orientado pela razão, deveria ser um direito básico de qualquer cidadão, como dirigente de empresa grande, média, pequena ou mínima, bem como de qualquer pessoa física, saber se o tipo a quem ele oferece emprego foi ou não um criminoso.
Por que negar-lhe esse direito — sobretudo se aquele que está fornecendo o emprego vai ter de trabalhar, todos os dias úteis, fisicamente ao lado da pessoa que contratou, no balcão da papelaria, da farmácia ou do açougue? E nas grandes empresas — por que os funcionáros deveriam ser obrigados a trabalhar a 2 metros de distância de um ex-presidiário condenado por homicídio?
De fato, nosso Brasil torna-se mais e mais curioso, como ocorre no mundo absurdo desenhado pelo gênio de Lewis Carroll (que, aliás, foi um consumidor de drogas e alucinógenos) em Alice no País das Maravilhas. De um lado, tenta-se “criminalizar” os mais variados tipos de coisa, da consulta a antecedentes criminais até atos que possam ser considerados manifestação de homofobia.
De outro, tenta-se descriminalizar o crime, com esforços a favor da redução ou da extinção de penas; nesse ritmo, ainda veremos o lançamento do Bolsa-Cadeia. Quando o bem se transforma em mal, o que se tem é algo chamado degeneração.