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Da Redação
Publicado em 17 de agosto de 2012 às 18h37.
São Paulo - Nas centenas de filmes que o cinema anglo-americano (mais americano do que anglo) já produziu com enredos cuja ação se passa em tribunais de júri, era comum o momento máximo do suspense acontecer quando o advogado fazia uma pausa eletrizante, olhava direto para os olhos dos jurados e disparava sua arma secreta.
“Que se apresente o verdadeiro Fulano de Tal”, dizia ele, deixando de boca aberta o júri, o juiz, o promotor e a plateia. Aparecia então, no fundo da sala, o verdadeiro Fulano de Tal, e tudo ficava esclarecido: quem deveria estar no banco dos réus era ele, e não o pobre coitado que estava sendo julgado — e que iria, pelo jeito da coisa, ser despachado dali a pouco para fritar na cadeira elétrica. Fazia-se justiça. O bem vencia o mal. O público ficava aliviado e voltava contente para casa.
É uma pena, realmente, que essas bonitas soluções não estejam disponíveis na vida real. No Brasil de hoje, por exemplo, um advogado desses seria uma mão na roda para esclarecer o caso que poderia estar sendo chamado de “O Enigma do Planalto”. Como nos júris de cinema, ele diria: “Que se apresente a verdadeira Dilma Rousseff”.
O público, aí, poderia ficar sabendo, 18 meses após ela ter assumido a Presidência da República, quem é, afinal, a verdadeira Dilma Rousseff. O que interessa, no fundo, é entender com mais clareza que tipo de governo, no fim das contas, temos hoje no Brasil — e para isso seria útil saber que tipo de presidente está despachando no Palácio do Planalto.
Pelo que deu para ver até agora, há possivelmente várias Dilmas diferentes tomando decisões no governo e, para simplificar as coisas, duas que realmente interessam: a Dilma boa e a Dilma malvada. Qual das duas é a que vale, ou, pelo menos, qual delas é a que vale mais?
A Dilma boa, para conforto de quem precisa ou espera um governo orientado pela razão, aparece com bastante frequência — o que, pensando bem, não é pouca coisa, quando se leva em consideração que poderia ser o contrário, ou, pior ainda, que só existisse a Dilma malvada.
A presidente do bem é a que botou para fora do governo, por corrupção, inépcia ou as duas coisas ao mesmo tempo, uma penca de ministros e altos funcionários com baixos teores de decência, muitos deles impostos por seu antecessor. É a que não aceitou, até agora, entrar na cruzada contra a imprensa que mobiliza tantas lideranças de seu partido — um silêncio que pesa mais que discursos inteiros.
A boa Dilma é a que prega concórdia e tolerância em relação ao passado. É a que ainda não disse uma única palavra em favor dos réus do mensalão. É a que se recusa a transformar a Presidência da República num palco de circo e a fazer política na base da divisão do Brasil entre “nós e eles”. É a que sustenta a nova presidente da Petrobras, Graça Foster, no seu esforço para deter a degeneração da empresa.
A Dilma que joga no lado escuro da força é a que empurra a Venezuela e o coronel Chávez para dentro do Mercosul e acredita na fábula do Brasil-Potência. É a que acorda todos os dias de olhos fechados para a incapacidade comprovada da máquina estatal em resolver problemas.
É a que acredita que conseguirá melhorar o país através de repartições públicas. É a que diz que um empresário já “ganhou muito” — e encerra a conversa quando ele lhe responde que nem por isso quer começar a perder. Essa Dilma imagina que as empresas e os cidadãos não sabem o que é melhor para eles próprios; quem sabe é ela.
É, enfim, uma figura complicada. Demitiu no ano passado um grão-duque da gestão de ferrovias que ficou no cargo oito anos seguidos, não fez outra coisa além de juntar uma fortuna pessoal de 60 milhões de reais e está hoje na cadeia — mas acaba de acender outra vez o pavio de um barril de pólvora chamado “trem-bala”. Um dia bate em Pedro e abraça Paulo; no outro, bate em Paulo e abraça Pedro — isso quando não bate em Pedro e Paulo ao mesmo tempo.
Está nos fazendo falta, realmente, um daqueles bons filmes de júri.