Capital da Província de Liaoning: o governo da região admitiu ter falsificado dados do PIB (Sino Images/Getty Images)
Raphaela Sereno
Publicado em 29 de junho de 2017 às 09h59.
Última atualização em 29 de junho de 2017 às 09h59.
São Paulo — Já faz alguns anos que os especialistas chamam a atenção para as inconsistências nas estatísticas econômicas da China. No PIB de 2014, por exemplo, há uma diferença de 346 bilhões de dólares entre os dados relatados pelas províncias chinesas e os números calculados pelo governo central — um valor quase igual ao PIB da Dinamarca. Sempre se suspeitou que os políticos locais manipulassem os dados para atingir as metas de Pequim e conseguir promoções. Até pouco tempo se tratava apenas de uma desconfiança. Agora não mais.
O governador da província de Liaoning, uma importante região industrial com 45 milhões de habitantes no nordeste da China, admitiu no começo deste ano que dados econômicos foram adulterados de 2011 a 2014. De lá para cá, o problema vem ganhando uma repercussão maior. No fim de junho, a corregedoria do Partido Comunista Chinês afirmou ter descoberto que outras duas províncias (Jilin e Mongólia Interior) também manipularam as estatísticas, o que acendeu o sinal amarelo na administração do presidente Xi Jinping. O governo reagiu anunciando uma nova política de tolerância zero para a manipulação de dados. A partir de agosto, o político ou o funcionário público que forem pegos trocando um numerinho aqui e outro ali terão de pagar uma multa pesada. “A prática é um tipo de corrupção, porque leva um político a conseguir uma avaliação superestimada”, diz David Dollar, ex-diretor do Banco Mundial para China e pesquisador do Brookings Institution, centro de estudos de Washington.
Ainda é cedo para dizer qual será o impacto da medida e se ela evitará que os índices nacionais sejam contaminados. Mas o caso da província de Liaoning dá uma ideia do problema grave que Pequim enfrenta. Segundo o governo, um único município de Liaoning inflou em mais de 100% a receita com impostos em 2013. O valor declarado, de 350 milhões de dólares, foi corrigido para pouco mais de 150 milhões de dólares. O governo agora investiga se os líderes provinciais falsificaram também as estatísticas sobre desemprego, produção industrial e agrícola, comércio exterior, crédito e consumo, além de outras cifras.
A adulteração surge num momento delicado para a economia do país, que vem desacelerando. Depois de crescer a taxas acima de 10% ao ano na década de 2000, a economia chinesa colocou o pé no freio. A redução é tão gradual e controlada que os economistas passaram a desconfiar da precisão dos dados. Prever o que vai acontecer com a economia é sempre difícil por causa de choques inesperados. Em 2015 e 2016, o PIB da China ficou exatamente dentro da meta estabelecida pelo governo: nem mais nem menos. Quando a China tinha uma economia modesta, nos anos 70, uma fraude nos dados não teria muito efeito. Mas hoje o país é a segunda maior economia mundial, e a manipulação tem consequências globais. Essa dúvida também assusta o Partido Comunista. “A China é um país de 1,4 bilhão de habitantes e precisa gerar prosperidade para se manter unificado”, diz um cientista político chinês que prefere não ter o nome publicado por medo de represália. “Um choque causado por decisões com base em informações falsas teria consequências políticas catastróficas.”
A origem das fraudes tem relação com uma decisão tomada pelo Partido Comunista há uma década. Empolgado com o sucesso do modelo chinês, o partido definiu que o desempenho econômico seria o principal critério para promover os políticos da administração de províncias e municípios. Parecia uma boa estratégia para identificar os gestores eficientes, com chance de se projetar no plano nacional. Mas foi a senha para que os números fossem maquiados e passassem a apresentar cenários econômicos irreais — uma prova de que esse tipo de incentivo não funciona sem mecanismos de controle.
As primeiras suspeitas de adulteração apareceram em 2010 e 2011. Inicialmente, o governo reagiu advertindo para o prejuízo que a prática causaria às províncias. No fim de 2016, toda a diretoria do Escritório Nacional de Estatística (o IBGE chinês) foi trocada, e seu presidente, acusado de corrupção. Agora líderes nacionais passaram a ameaçar os responsáveis com “severas sanções”, o que na China significa duras penas de prisão. O governo diz que dez pessoas foram punidas em 15 casos de fraude investigados pelo Escritório de Estatísticas no ano passado.
Admitindo o erro, a liderança chinesa anunciou em abril que vai mudar os critérios para a promoção de quadros políticos. Eles agora serão “mais científicos”. “Os dados falsos distorcem o julgamento do governo central sobre a realidade econômica”, diz uma nota do Diário do Povo, jornal do Partido Comunista. O problema é que não é só o julgamento do governo central que é distorcido. Mas do mundo todo.