Trainees do governo paulista: Eduardo Henrique de Azevedo, Lara Barreto da Rocha, Igor Fernandes de Almeida e Adaiton Lopes (Leandro Fonseca/Exame)
Da Redação
Publicado em 31 de agosto de 2015 às 05h56.
São Paulo — Quando o goiano José Frederico Lyra Neto terminou o curso de engenharia na Unicamp, uma das principais universidades do país, teve de fazer uma escolha que para a maioria das pessoas teria um resultado óbvio. Ou trabalharia como trainee na siderúrgica Gerdau, uma multinacional brasileira, ou assumiria um cargo na prefeitura de Araguaçu, cidade de 9 000 habitantes, no interior de Tocantins.
Naquele ano, em 2009, Lyra Neto foi um dos dez fundadores da ONG Vetor Brasil, destinada a usar o conhecimento de recém-formados em universidades para criar planos de desenvolvimento de pequenos municípios. O plano que ele ajudou a traçar para Araguaçu foi recebido com um convite da então prefeita para que assumisse a Secretaria de Desenvolvimento Econômico.
“Ela disse que o plano era ótimo, mas o governo não teria gente capacitada para tocá-lo”, diz Lyra Neto. Em 2010, com 25 anos, ele foi para Tocantins e em um ano tirou vários projetos do papel. Conseguiu quadruplicar a arrecadação de Araguaçu com o imposto predial e territorial em apenas um ano. Montou um modelo de escola rural em tempo integral.
Criou um site que mapeia problemas urbanos, como buracos e lixo na rua. Também aprendeu muito. Ele diz que se frustrou com a dificuldade de realizar parte dos planos, mas descobriu como lidar com os servidores.
Depois de Araguaçu, assumiu um cargo na Secretaria de Educação de Goiás, durante um processo de reforma que levou o estado ao primeiro lugar do Brasil em indicadores de qualidade do ensino médio. Sua carreira avançou tão bem que ele foi fazer mestrado em políticas públicas na Universidade Harvard, nos Estados Unidos.
E foi lá, no frio da Costa Leste americana, que começou a trabalhar num projeto que visava levar mais gente jovem e qualificada para as fileiras do governo — um programa de trainees. Em 2014, Lyra Neto e a paulista Joice Toyota, que já havia trabalhado na consultoria de gestão Bain&Company e estava fazendo um MBA na Universidade Stanford, na Califórnia, juntaram-se para resgatar a Vetor Brasil, que havia deixado de operar.
Na nova fase, a ONG agora leva recém-formados para trabalhar em secretarias de governos estaduais e municipais. A ideia floresceu e recebeu o apoio de fundações empresariais, como o Instituto Natura e a Fundação Lemann. Neste ano, a primeira turma de trainees foi alocada em secretarias dos governos estaduais de São Paulo, Pará e Goiás e na prefeitura de Salvador.
São 12 jovens formados em universidades como o Instituto Tecnológico de Aeronáutica e a Fundação Getulio Vargas. A meta é que, como Lyra Neto, eles contribuam para melhorar o governo. O sergipano Adailton Lopes parece estar no caminho. Ele fez engenharia aeronáutica no ITA e estágio na Airbus em Toulouse, na França.
Quando se formou, no ano passado, tinha um convite para trabalhar na Embraer. Mas soube do processo de seleção para o programa de trainees para governo e resolveu entrar. Eram 1 700 candidatos para 12 vagas. Adailton foi escolhido para trabalhar na Secretaria de Governo paulista.
Ele ajuda no monitoramento das obras de mobilidade do estado, levantando dados que vão parar nas mãos do governador Geraldo Alckmin. “Vários dos meus amigos do ITA trocariam posições bem remuneradas na iniciativa privada por uma função de impacto no setor público”, diz Lopes. “Eles não vão porque não têm oportunidade e não querem fazer concurso público.” Bernardo Viana, também do ITA, tinha passado no programa de trainees da Ambev, que é o mais concorrido do país.
Preferiu ir trabalhar na Secretaria de Planejamento de Goiás, onde foi responsável por estudos para a concessão do terminal logístico multimodal da cidade de Anápolis — um projeto que pretende trazer investimento de 1,5 bilhão de reais. Tradicionalmente, a máquina pública brasileira é engessada. A remuneração para cargos mais altos costuma ficar aquém do que paga a iniciativa privada.
A influência política pode atrapalhar o serviço. Funcionários de carreira podem ser resistentes a mudanças. Um dos maiores desafios da Vetor é escolher os governos certos para alocar os jovens. O secretário precisa dar responsabilidades aos trainees. Nada de trabalho burocrático.
Por isso, as secretarias que receberam os 12 trainees neste ano e as que receberão os 35 que serão selecionados para 2016 são indicadas pelas fundações empresariais e por executivos de consultorias de gestão. Alguns consultores da McKinsey e da Bain são mentores dos trainees. O próprio Lyra Neto hoje trabalha na Falconi, uma das maiores consultorias do país.
Joice tornou-se presidente da Vetor depois de receber uma bolsa de 110 000 dólares de Stanford para tocar a ONG. Uma das secretarias mapeadas como de perfil mais moderno foi a de Educação em Salvador. O novo titular da pasta, Guilherme Bellintani, foi bem-sucedido na tarefa de tornar o Carnaval de Salvador superavitário quando foi secretário de Turismo.
Empresário da educação, Bellintani fundou uma faculdade de direito na capital baiana que em cinco anos obteve os melhores resultados no exame da Ordem dos Advogados do Brasil entre as instituições privadas. Agora criou um programa com 112 metas para tirar a educação de Salvador do último lugar entre as capitais. Dois trainees foram para lá.
Um deles, recém-formado em administração pública na Fundação Getulio Vargas de São Paulo, ajudou a identificar lugares onde oferecer novas vagas em creches, sobrepondo informações como a renda média de cada bairro, o número de mães na fila de espera e a oferta de terrenos na região.
O outro, que estudou ciências biológicas na Universidade Estadual de São Paulo, está coordenando a criação de um posto de atendimento a pais de alunos que procuram a secretaria com dúvidas sobre matrículas e sobre as exigências do Bolsa Família. “Os trainees trouxeram um raciocínio mais analítico, de bom uso de dados, que faz falta numa Secretaria de Educação”, diz Bellintani.
Embora a iniciativa seja nova, a Vetor aproveita uma tendência conhecida. A chamada geração Y valoriza atividades profissionais que geram impacto social, mesmo ganhando apenas uma fração do que receberia em grandes empresas. Criada em 1989, a ONG Teach for America, que leva estudantes recém-formados para dar aulas por dois anos em escolas públicas dos Estados Unidos, é o exemplo mais bem-acabado.
Em 2015, mais de 4 000 estudantes se tornaram professores do Teach for America. Até hoje, 42 000 recém-formados já deram aulas a meio milhão de alunos. A fundadora, Wendy Kopp, virou praticamente uma celebridade. Programas semelhantes surgiram no Chile e na Colômbia. Na Índia, a ONG Swaniti leva jovens para trabalhar com parlamentares.
Mais de 90 políticos já receberam bolsistas que passam de três a 12 meses trabalhando no desenvolvimento de projetos de lei de áreas como educação, saúde e saneamento. “Nossa missão também é tentar mostrar que trabalhar no setor público pode ser atraente”, afirma Joice Toyota.
Por enquanto, todos os gestores públicos que chefiam os trainees têm manifestado interesse em mantê-los após o fim do programa. Os três trainees da Secretaria de Governo paulista negociam uma renovação do contrato. “Mas eu acho que consigo mantê-los por, no máximo, três anos.
Temos pouca flexibilidade para avançar na remuneração desses profissionais”, diz Karla Bertocco Trindade, subsecretária de Parcerias e Inovação na Secretaria de Governo. A faixa de salário dos cargos em que os trainees são acomodados é de 4 000 reais.
Não é um começo indigno, mas as secretarias geralmente não conseguem dar muitas promoções porque as carreiras são achatadas. Independentemente de os jovens continuarem ou não, já será um grande avanço se mais órgãos públicos destinarem cargos comissionados a gente jovem e bem qualificada em lugar das tradicionais indicações políticas.