Guido Tabellini, da universidade Luigi Bocconi: turbulências são normais numa democracia jovem como a brasileira (Sérgio Garcia/AFP Photo)
Da Redação
Publicado em 7 de maio de 2016 às 05h56.
São Paulo — O Brasil enfrenta o segundo processo de impeachment de um presidente da República em 32 anos de redemocratização. O momento atual traz à tona questionamentos sobre o regime presidencialista, em que o eleito para o Executivo concentra amplos poderes. A opção seria o parlamentarismo, em que um primeiro-ministro, escolhido pela maioria do Congresso, chefia o governo.
O economista italiano Guido Tabellini, referência mundial em estudos que relacionam política e economia, é contrário à mudança. “O presidencialismo unifica os cidadãos, tende a ser menos corrupto e menos gastador”, afirma Tabellini.
O que, então, deu errado no Brasil, abalado por uma crise fiscal e escândalos de corrupção? “O sistema precisa de ‘freios e contrapesos’ eficientes.” Aos 60 anos, Tabellini leciona na Universidade Luigi Bocconi, em Milão, na qual foi reitor de 2008 a 2012. Coautor do livro The Economic Effects of Constitutions (“O efeito econômico das Constituições”, numa tradução livre), ele falou a EXAME.
Exame - O senhor defende uma mudança no sistema político brasileiro?
Tabellini - Prefiro o presidencialismo ao parlamentarismo. Talvez mudasse o regime do Legislativo de proporcional (em que cada partido tem no Congresso participação equivalente à sua fatia de votos) para majoritário (em que o partido vencedor numa determinada região fica com todas as cadeiras correspondentes no Congresso).
O primeiro regime leva à criação de muitas legendas, o que dificulta a tomada de decisões no Congresso.
Exame - Por que não mudar o sistema?
Tabellini - Num país de grandes proporções, o presidente unifica os cidadãos. Além disso, um sistema parlamentar tem de buscar o apoio de uma ampla coalizão de interesses políticos e econômicos, e isso incentiva o fornecimento crescente de bens públicos, como educação e saúde.
A consequência é um maior gasto do governo, como na Espanha e em Portugal. O presidencialismo funciona melhor no combate à corrupção, porque no parlamentarismo o Executivo e o Parlamento conspiram juntos, são uma extensão um do outro.
Exame - Por que, então, no Brasil temos grandes casos de corrupção?
Tabellini - No presidencialismo, é preciso haver “freios e contrapesos” eficientes, como uma Suprema Corte independente ou um mecanismo de impeachment para o caso de haver violações. Dessa forma, o sistema funciona melhor no combate à corrupção do que o parlamentarismo.
É preciso considerar também que são os políticos que cometem os erros — e muito tempo com o mesmo grupo político não é bom porque leva a mais abuso de poder, a erros e à corrupção.
Exame - A Operação Lava-Jato ajudará no combate à corrupção no Brasil?
Tabellini - Na Itália, nós tivemos sorte com a Operação Mãos Limpas porque o Judiciário era independente e a polícia era confiável. Nenhuma instituição evita a corrupção se os políticos estão determinados a isso. O que boas instituições podem fazer é assegurar que quem comete erros ou abusos seja punido ou removido. Isso está ocorrendo atualmente no Brasil.
Exame - Qual é sua opinião sobre o processo de impeachment no Brasil?
Tabellini - Em princípio, é correto ter a opção de um impeachment, porque há situações em que o presidente não se comporta bem e deve terminar o mandato antes do que a Constituição determina. Mas é importante que o processo siga requisitos rígidos de imparcialidade, ou então é abuso de poder.
É difícil para um estrangeiro analisar a realidade do Brasil. O que sei é que será necessário concluir este período de incerteza o mais depressa possível, porque a incerteza é ruim para a economia. Quanto maior a demora, maior o custo econômico e mais a confiança das pessoas nas instituições é minada.
Exame - O Brasil passa pelo segundo processo de impeachment em menos de 25 anos. O que isso revela sobre a democracia brasileira?
Tabellini - A questão não está nos impeachments, mas na razão de não haver políticos honestos o suficiente ou haver tantos cometendo violações graves. Leva tempo para qualquer país se adaptar às instituições.
O Brasil tem uma democracia mais jovem do que os países avançados, então são esperados momentos de turbulência. É importante passar por este período mantendo a confiança nas instituições e a independência da mídia e dos cidadãos.