Manifestação em defesa da diversidade na Alemanha: reação ao avanço da direita | Markus Heine/GETTY IMAGES /
Da Redação
Publicado em 18 de janeiro de 2018 às 05h00.
Última atualização em 3 de agosto de 2018 às 10h02.
O espectro central da política no Ocidente é conhecido como o campo do pragmatismo, da razão silenciosa e da evolução, um terreno no qual os atores políticos evitam os extremos e buscam compromissos. Como os políticos centristas desconfiam de uma retórica estridente e desagregadora, eles adotaram uma visão que demonstra certo desdém com o funcionamento do mundo político. Agora, esses políticos que se situam no centro estão sendo sobrepujados. O populismo de direita e de esquerda está em alta. As antigas regras já não se aplicam. Coisas ditas há poucos anos, que teriam desqualificado um candidato, agora representam um passaporte para o coração dos eleitores. Posições políticas anteriormente consideradas tradicionais agora são desprezadas, e aquelas consideradas extravagantes hoje são muito simplórias. E alianças políticas que se sustentaram por mais de um século agora se rompem devido a profundas mudanças sociais, econômicas e culturais.
A direita está rachando. O sentimento predominante é nacionalista, anti-imigração e, muitas vezes, protecionista, dando origem a uma nova aliança. No Reino Unido, tradicionais seguidores do Partido Trabalhista nas antigas comunidades industriais e os abastados liberais e donos de empresas se unem na aversão ao modo como o mundo está mudando o “politicamente correto”. Não está claro se essa coalizão — e formações similares em outros países — conseguirá sobreviver às inerentes contradições econômicas, embora eu não subestime o poder de coesão de uma compartilhada noção de alienação cultural.
Mas, como se pode ver nos embates dentro do Partido Republicano nos Estados Unidos, no Partido Conservador da Grã-Bretanha e em toda a Europa, uma parte significativa da direita ainda se coloca como defensora do livre comércio, dos mercados abertos e da imigração como uma força positiva.
A esquerda também está se dividindo. Uma parte se movimenta a favor de uma posição estatizante em relação à política econômica e pela formação de uma identidade política muito mais radical em termos culturais. A outra parte se apega a uma tentativa de fornecer uma unificadora narrativa nacional em torno de conceitos de justiça social e progresso econômico.
Por certo, o que costumava ser considerado tradicional tanto para a esquerda quanto para a direita poderia retomar o controle de seus partidos políticos. Por enquanto, todavia, os extremos dominam, deixando muitos — aqueles socialmente liberais e favoráveis a uma competitiva economia de mercado, bem como a modernas formas de ação coletiva — sem um domicílio político. Isso é temporário, ou estamos num ponto de inflexão?
É a globalização que está mudando a política. A verdadeira divisão hoje se observa entre os que veem a globalização basicamente como uma oportunidade cheia de riscos que devem ser mitigados; e os que acreditam que, apesar de suas aparentes vantagens, a globalização está destruindo nosso modo de vida e deverá ser fortemente reprimida. Algumas vezes, expressei isso como a diferença entre uma visão de mundo “aberta” e outra “fechada”. No entanto, ainda que esses termos captem parte da essência da diferença, comecei a achá-los inadequados, uma vez que não respeitam suficientemente a noção de que os “globalizadores” estão ignorando os verdadeiros problemas em razão de como sua criação está funcionando.
Intransigência
O perigo da política ocidental é que, sem uma base ampla e estável, os dois extremos se coloquem em confrontos intransigentes. O grau de polarização tanto nos Estados Unidos como no Reino Unido é assustador. Em ambos os casos, o público está se dividindo em duas nações que não se parecem, não trabalham uma com a outra e também, na verdade, não gostam uma da outra. Isso é perigoso porque, se assim continuar, a democracia acabará perdendo seu apelo. O governo ficará paralisado. O modelo da truculência vai se tornar cada vez mais atraente. Quando nossos sistemas político e econômico se transformam numa competição animada por uma mentalidade de “o vencedor leva tudo”, aqueles que em algum momento ganham começam a considerar os perdedores como inimigos, e não como adversários.
A democracia tem alma, não apenas forma, e o nível de polarização que observamos hoje é inconsistente com ela. É por isso que precisamos de uma nova política que procure construir pontes e reunir pessoas — uma política diferente daquela centrista do passado em dois aspectos.
Em primeiro lugar, precisamos entender a necessidade de mudanças radicais, e não apenas de reformas progressivas. A tecnologia, por si só, transformará a forma como vivemos, trabalhamos e pensamos. Devemos mostrar aos que se sentem deixados para trás que há um caminho para lidarmos com os desafios da mudança e que ele é transformador. E devemos abordar suas compreensíveis ansiedades sobre questões como imigração, que são complexas e multifacetadas e não podem ser simplesmente rotuladas de “deploráveis” por nacionalistas queixosos. Em outras palavras, devemos mostrar que realmente ouvimos as queixas sobre certos aspectos da globalização.
Em segundo lugar, devemos reconhecer que a política contemporânea não está agindo de modo adequado para enfrentar esses desafios. Embora a colaboração de uns com os outros ainda seja um tabu para políticos que ocupam o espectro central em partidos tradicionais, tais políticos são ineficazes, inábeis para dizer em que realmente acreditam e incapazes de representar aqueles que com urgência precisam ser representados.
Em suma, nos dias de hoje, revolução representa uma ideia importante demais para ser deixada apenas para os que estão nos extremos. O centro também deve se tornar capaz de romper com o statu quo.
Tony Blair, primeiro-ministro do Reino Unido de 1997 a 2007, é fundador do Instituto para Mudanças Globais (Project Syndicate)