Revista Exame

Por dentro do Google, a empresa que dominou o mundo

Em apenas uma década, o fenômeno Google conquistou um em cada seis habitantes do planeta e tornou-se símbolo da empresa do século 21. Agora enfrenta o desafio de continuar a crescer sem perder sua cultura vencedora

Google: 6,4% de todo o tráfego da internet passa pelos servidores da empresa (Justin Sullivan/Getty Images)

Google: 6,4% de todo o tráfego da internet passa pelos servidores da empresa (Justin Sullivan/Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 16 de junho de 2012 às 21h47.

Mountain View - O silêncio impera nos corredores e escritórios dos 30 prédios que compõem a sede do Google, em Mountain View, uma das cidadezinhas que compõem o mítico Vale do Silício, na Califórnia.

Apesar do cenário típico de parque de diversões para adolescentes - pebolins, máquinas de fliperama e consoles do Wii estão espalhados por quase todos os andares -, os cerca de 9 000 funcionários que trabalham ali têm pouco tempo para se divertir durante o expediente. Vestidos quase sempre com jeans, camiseta e tênis, esses jovens vindos de diversas partes do mundo raramente conseguem desgrudar os olhos de seus computadores.

Alguns estão tão atarefados que chegam a pendurar uma placa nada receptiva com a ordem "Keep out"(ou "Fique fora") na entrada de suas baias ou salas.

Os googlers, como são conhecidos os funcionários da corporação mais descolada do mundo, estão ocupados demais em fazer girar o motor de uma empresa cujas vendas cresceram mais de 1 000% nos últimos cinco anos. As partidas de pingue-pongue ou vôlei de praia podem esperar o final do expediente...

Desde que nasceu, de um projeto acadêmico de Larry Page e Sergey Brin - em 1998, eles eram doutorandos da Universidade Stanford -, o Google tornou-se um fenômeno sob várias perspectivas. Page e Brin não foram os primeiros a pensar num sistema de busca de informações online (já estavam no páreo Yahoo!, AltaVista e Lycos, por exemplo).

Mas eles conseguiram criar modelos matemáticos que fizeram de seu produto o melhor em comparação com o que a concorrência oferecia. No oceano caótico de informações da internet, o Google conseguia estabelecer ordem, colocar prioridades.

Page e Brin também inovaram - e essa palavra cabe aqui como nenhuma outra - ao mudar a dinâmica da publicidade online com os links patrocinados, anúncios exibidos na lateral de suas páginas, separados dos resultados de busca, e em uma rede de sites parceiros.

Como esses anúncios aparecem de acordo com os termos buscados pelos internautas, os anunciantes têm acesso a consumidores diretamente interessados em seus produtos - e só pagam ao Google quando alguém clica em seus links. Graças a esse formato, o Google tornou-se ao mesmo tempo um gigante da tecnologia e um colosso de mídia, com faturamento superior a 16 bilhões de dólares.

E o mercado anunciante, antes restrito a um grupo de empresas, ganhou dimensões inimagináveis, acolhendo desde uma montadora como a GM até a São Bento Manutenção e Obras, pequena empresa de São Paulo que oferece serviços de chaveiro, pintor e marceneiro.

Hoje, mais de 1 bilhão de pessoas usam os produtos do Google para achar informações na internet - o que representa a proporção de um em cada seis habitantes do planeta.


Sua influência na vida cotidiana dessa multidão é tamanha que o termo Google já virou verbo em dicionários de inglês, alemão, finlandês e japonês. Em português corrente, pesquisar na internet já se transformou em "googlar". (A palavra que deu origem ao nome, "googol", significa o número 1 seguido de 100 zeros, e foi criada por uma criança, um sobrinho do matemático americano Edward Kasner.)

Segundo a consultoria Interbrand, a marca da empresa foi a que mais se fortaleceu em 2007, alcançando valor estimado em 17,8 bilhões de dólares e a 20a posição no ranking das mais valiosas do mundo.

A expansão acelerada tornou o Google um dos maiores mercados abertos de trabalho de que se tem notícia. Em média, são contratadas 16 pessoas por dia - atualmente a empresa emprega 17 000 funcionários em 37 países.

Tudo isso aconteceu em apenas uma década. A combinação de inovação, tecnologia pura, relação íntima com os consumidores, rapidez, informalidade, reputação e crescimento meteórico baseado na conquista das melhores cabeças espalhadas pelo mundo transformou o Google no símbolo do que é a Empresa (assim mesmo, com letra maiúscula) do século 21.

Construir uma companhia inovadora é difícil. Mantê-la assim, quando se tem uma estrutura gigantesca nas mãos e uma miríade de interesses conflitantes para acomodar, é quase impossível.

"Preservar a cultura da nossa empresa enquanto crescemos é definitivamente um de nossos maiores desafios", disse a EXAME Eric Schmidt, principal executivo do Google desde 2001. Outras empresas, algumas vizinhas ao Google no Vale do Silício, já enfrentaram o mesmo dilema - nem sempre com sucesso.

O paralelo mais próximo dessa transformação talvez seja a trajetória da Microsoft, que após décadas de crescimento inacreditável sentiu o peso do gigantismo sobre sua capacidade de se renovar. A empresa de Bill Gates mudou o mundo de forma incontestável, fez de nerds milionários, arruinou concorrentes.

Mas, com o tempo, entrou num círculo vicioso que começa e termina na perda de talentos e na dificuldade de inovar na era da internet. Foi esse cenário que levou a Microsoft a, recentemente, fazer uma oferta de 44,6 bilhões de dólares pelo Yahoo!, numa tentativa de comprar o conhecimento necessário para duelar com o Google daqui para a frente.

É evidente que o espectro da Microsoft ronda o futuro do Google. Mas, durante um bom tempo, Page e Brin pareceram querer ignorar as mudanças que se impõem à medida que a empresa cresce e construíram uma espécie de versão corporativa da Terra do Nunca - o refúgio da história de Peter Pan, onde os habitantes nunca deixam de ser crianças.

Para eles, era preferível barrar o crescimento e reduzir as possibilidades de ganho a perder a alma. Os dois relutaram durante 18 meses para nomear um presidente executivo, apesar da insistência dos investidores de risco dos fundos americanos Sequoia Capital e Kleiner Perkins Caufield & Byers, que aportaram 25 milhões de dólares no Google em 1999. Eric Schmidt, o escolhido, veio da americana Novell.

A dupla também adiou a abertura de capital da empresa o quanto pôde. O IPO, que aconteceu em agosto de 2004 e captou 1,7 bilhão de dólares, já era esperado pelo mercado havia quase um ano.

Devido a esse esforço para manter a alma juvenil, até hoje os escritórios da sede, em Mountain View, parecem mais com dormitórios universitários do que com as dependências da empresa globalizada em que o Google se transformou.

Quem passa pela sala da engenheira Shona Brown, vice-presidente de operações, por exemplo, dá de cara com um pingüim de pelúcia e a placa "Shona's Huddle" (em português, algo como "O aconchego de Shona"). O transporte usado para se deslocar entre os prédios da sede também segue os despojados costumes dos universitários de Stanford: bicicletas azuis ou patinetes motorizadas cedidas pela companhia.


O modelo foi criado quase por acaso, ainda nos primórdios do Google. Como a então start-up era pequena e desestruturada, um colega sempre pedia a opinião de outros antes de contratar alguém.

Brin e Page se envolviam pessoalmente, imbuídos da crença de que o sucesso depende da qualidade de quem está a seu lado. O sistema era parecido com o das irmandades universitárias. Para fazer parte do Google, não era suficiente ser aprovado pelo futuro chefe.

Era - e ainda é - preciso ser aceito pelo grupo. A maratona das entrevistas tornou-se improdutiva à medida que o número de novos funcionários mudou de patamar. "Fazíamos entrevistas demais e não conseguíamos informações novas com elas", diz Laszlo Bock, vice-presidente de pessoas do Google.

Bock, ex-diretor da General Electric, foi contratado em março de 2006 para ajudar a reestruturar, entre outras coisas, o processo de seleção. No fim daquele ano, ele limitou o total de entrevistas a um máximo de nove, o que reduziu em 30% o tempo gasto com o processo de seleção - que ainda hoje leva até 60 dias. Para crescer sem abrir mão da essência, o Google terá de vencer enormes desafios.

O primeiro deles é demográfico. Nos últimos quatro anos, o número de funcionários mais que quintuplicou. Contratar quase 500 pessoas por mês, em vários países do mundo, tem desafiado um sistema que tradicionalmente revira o histórico e o perfil dos candidatos antes da contratação.

Até pouco tempo atrás, o processo de escolha de um novo funcionário poderia envolver 18 entrevistas, às vezes em diferentes lugares do mundo. Os candidatos devem responder a perguntas para testar o raciocínio, como "Quantos pães cabem em um avião?" ou "Quantas árvores cabem no parque lá fora?", e para verificar traços de personalidade, como "Você se importaria se seu colega de baia trouxesse todos os dias um cachorro para o escritório?" (a quem interessar possa, a resposta certa para essa questão é não).

Mesmo com a revisão do processo e com a supervisão de um executivo de recursos humanos que fez carreira numa empresa centenária, o sistema de contratação no Google ainda segue alguns princípios que pareceriam impensáveis numa companhia tradicional.

O aspecto mais surpreendente é que até hoje os fundadores reservam um dia por semana para revisar cerca de 40 páginas sobre cada um dos candidatos escolhidos e dão a palavra final para todas as contratações.

Na hora de buscar os talentos, a companhia também foge do modelo convencional. Alguns métodos, que o Google não revela por considerar estratégicos, permanecem em segredo até mesmo para os contratados. Um exemplo é o engenheiro paraibano Walfredo Cirne, de 37 anos.


Em setembro de 2005, ele inesperadamente recebeu um e-mail de uma funcionária do Google com quem jamais havia tido contato anteriormente. "De cara ela dizia que estava interessada em me levar para a empresa. Achei que era um spam", diz Cirne, que na época lecionava ciência da computação na Universidade Federal de Campina Grande e trabalhava num projeto que possibilita a internautas compartilhar a capacidade de processamento de seus computadores para rodar programas pesados.

"Até hoje não consegui saber como foi que me encontraram e o que exatamente chamou a atenção da recrutadora", diz ele, que agora tem a função de construir softwares para a empresa em Mountain View.

Mais recentemente, o Google colocou um freio numa de suas políticas mais polêmicas - o lema "Contrate o quanto puder". "Provavelmente poderíamos bancar o custo das contratações a mais, mas queremos ser mais conservadores com as finanças daqui para a frente", diz a americana Stacy Sullivan, vice-presidente de cultura do Google, uma veterana com nove anos de casa.

"Também temos de admitir que é impossível assimilar tantas pessoas novas, desenvolvê-las e gastar tempo suficiente para ajudá-las em sua carreira." Em vez de centrar esforços em fazer a equipe crescer, agora o Google precisa organizar a horda de funcionários que vem acumulando em seus escritórios.

Uma das tarefas mais complexas é estabelecer a hierarquia da empresa - são cada vez mais raros os departamentos com apenas dois escalões entre os funcionários mais rasos e os vice-presidentes, uma estrutura que durante muito tempo foi a regra no Google.

No final de 2006, quando a engenheira americana Irene Au chegou à empresa para comandar a área de experiência com o usuário (que estuda como tornar o uso dos produtos mais fácil e eficiente), imediatamente ganhou 60 subordinados diretos.

No Yahoo!, onde deixara um cargo semelhante, tinha apenas dez. "Precisei criar um escalão intermediário, porque era impossível atender a todos", diz Irene, que hoje possui 22 subordinados diretos.

O fluxo aberto de informações, um dos alicerces da inovação na companhia, também foi colocado em xeque nos últimos tempos. Ainda hoje, qualquer engenheiro tem acesso a detalhes de novos projetos, de modo que todos possam colaborar para a inovação - prática incomum na maioria das grandes empresas, que preferem manter seus segredos bem guardados.

Em outubro, porém, um vazamento inédito trouxe a público a informação de que o Google lançaria dois produtos: o Open Social, que permite a programadores acrescentar ferramentas a redes sociais, como o Orkut; e o Android, sistema operacional aberto para celulares.

O "furo" deixou os executivos da empresa estarrecidos - mais que um segredo revelado, o episódio expunha uma fresta na cultura de irmandade do Google.

Dias após o vazamento, durante uma videoconferência com todos os funcionários da sede, o vice-presidente de comunicação, Elliot Schrage, pediu que dali em diante houvesse mais discrição. Do contrário, segundo ele, a cultura da companhia poderia ser destruída.

Um estirão como o do Google também deixa marcas físicas. Em alguns departamentos, a superlotação acabou fazendo com que salas de reunião se transformassem em escritórios. Por isso, a empresa não pára de comprar ou construir prédios vizinhos à sua sede.

"Tive de mudar de escritório uma vez por ano desde que entrei aqui", diz o carioca Luiz Barroso, de 43 anos, que foi contratado pelo Google em 2001 e hoje ocupa o posto de "engenheiro honorário" - o topo da carreira técnica na empresa, alcançado por apenas outros sete profissionais. Quando Barroso foi contratado, o Google tinha somente 200 funcionários.


Com o crescimento da empresa, ele foi alçado a cargos de chefia. "Com o tempo, fiquei com saudade de minha vida de pesquisador", diz ele. "Como gerente, eu gastava dois terços do meu dia recrutando e orientando novos funcionários. Não era o que eu queria fazer." Poderia ser o fim de sua carreira.

Mas no Google as coisas não funcionam assim. Barroso voltou a fazer o que gostava, com status de guru da área técnica. Nos demais escritórios nos Estados Unidos e no exterior, a corrida por espaço também segue acelerada. Já são mais de 100 endereços no mundo, e nem mesmo o presidente da companhia consegue acompanhar o ritmo.

Recentemente, Schmidt se assustou durante uma viagem pelos Estados Unidos ao ser informado por alguém do departamento financeiro de que o avião em que estavam sobrevoava um prédio da companhia. Surpreso, ele perguntou: "Nós compramos este prédio?"

Uma das necessidades que surgiram no caminho da expansão internacional do Google foi conhecer de perto os hábitos e as preferências de internautas de diversos países. Os primeiros profissionais responsáveis pela cara dos produtos da empresa pensavam apenas nos usuários americanos.

"Achávamos que todos eram como nós, mas o comportamento das pessoas no resto do mundo é bem diferente", diz a executiva Irene Au, contratada no fim de 2006 para ajudar a mudar a situação. A solução encontrada já havia sido testada por companhias tradicionais, como Procter & Gamble e Unilever: colocar gente na rua para descobrir quem eram, afinal, as pessoas que acessavam os sites do Google em 115 línguas além do inglês.

Um time de 80 pesquisadores com formações diversas - de psicólogos a antropólogos - foi despachado para países como Índia e China. Nesses lugares, eles ficaram "internados" na casa de usuários por até três semanas. As observações colhidas foram levadas para a sede e hoje ajudam designers e engenheiros do Google a desenvolver seus produtos.

Na Coréia, por exemplo, os detetives do Google descobriram que a página de abertura do site, quase toda branca, era interpretada pelos usuários como "inacabada". A solução foi adicionar elementos coloridos ao site. "O Google é uma empresa de engenheiros, centrada em fatos e dados. Estamos aprendendo a lidar com o lado humano do negócio", afirma Irene.

Com o crescimento, torna-se difícil administrar outra característica que poderia parecer caótica a qualquer outra empresa tradicional - e que representa um aspecto fundamental da engrenagem de inovação do Google. Os fundadores da empresa estimulam os engenheiros a usar 20% de seu tempo de trabalho para desenvolver novos projetos.

É inevitável que alguns desses projetos se repitam - numa empresa com aproximadamente 9 000 engenheiros espalhados pelo mundo é difícil ter idéias completamente inéditas. Com o gigantismo da companhia, a seleção dos melhores projetos tende a se tornar cada vez mais complexa - são pelo menos 9 000 idéias a ser avaliadas por ano, que podem trombar com projetos de outros profissionais e morrer.


"Quando entrei, a chance de alguém desenvolver algo que outra pessoa já houvesse feito era quase nula", afirma o americano Bret Taylor, que trabalhou na empresa entre 2003 e 2007 e foi um dos criadores do Google Maps, serviço de localização por satélite. "Hoje, essa possibilidade é muito maior, e coordenar as equipes para evitar esse problema tem um custo alto. É como um imposto natural para uma companhia que cresceu tanto", diz ele.

Taylor não foi o único a deixar o Google nos últimos tempos. Desde o segundo semestre de 2007, mais de uma dezena de engenheiros de elite -- considerados os de melhor performance -- saíram da companhia.

Boa parte desse pessoal migrou para a rede social Facebook, fundada - também no Vale do Silício - pelo ex-estudante de Harvard Mark Zuckerberg. Em março, o Facebook deu mais um golpe no Google, contratando a vice-presidente de vendas e operações globais da empresa, Sheryl Sandberg - ela se tornou a principal executiva de operações da empresa de Zuckerberg.

Em um e-mail que circula por blogs de tecnologia, Justin Rosenstein, que trabalhou três anos no departamento de engenharia do Google antes de ir para o Facebook, no início de 2007, explica por que tantos têm seguido o seu caminho: "O Facebook é aquela companhia única que aparece depois de muito tempo - é o Google de ontem, a Microsoft de muito tempo atrás".

O êxodo pode se agravar à medida que mais e mais funcionários do Google recebem a totalidade das opções de ações a que têm direito. Hoje, os papéis fazem parte da remuneração de 99% dos empregados.

Diante de uma valorização astronômica de mais de 400% na bolsa desde a abertura de capital, em 2004, o Google agora está repleto de funcionários milionários -- as estimativas são que pelo menos 1 000 deles já tenham 5 milhões de dólares cada um em ações. Ricos, jovens e sonhadores, eles podem deixar a empresa a qualquer momento para criar novos negócios. Foi o que fez o administrador turco Aydin Senkut.

Em 2005, ele embolsou mais de 10 milhões de dólares e pediu demissão, depois de seis anos na área de vendas internacionais. Funcionário número 63 do Google, ele havia se transformado em mais um na multidão. Cansou. "A empresa ficou grande demais e eu não via mais desafios", disse Senkut a EXAME.

Com o dinheiro das opções de ações, Senkut comprou uma Lamborghini, duas mansões e fundou uma empresa de venture capital, que já investiu em 35 empresas de tecnologia. "É inevitável que algumas pessoas saiam", diz Bock, vice-presidente de recursos humanos. "E não será algo ruim para o mundo se alguns ex-funcionários criarem novos Googles."


Desde fevereiro, o Google está sendo obrigado a lidar com um novo e incômodo problema: a pressão por resultados. Depois que o instituto de pesquisas ComScore revelou que a quantidade de anúncios pagos - os que são clicados por internautas e geram receita para o Google - praticamente não cresceu nos dois primeiros meses do ano, analistas e investidores ficaram assustados.

O temor de que o gigante das buscas poderia estar sendo afetado pela recessão na economia americana derrubou o preço das ações para 413 dólares em 10 de março, o menor valor desde outubro de 2006 (em novembro, os papéis tinham ultrapassado 700 dólares).

Os dois maiores mercados da companhia, Estados Unidos e Reino Unido, que respondem por dois terços da receita, estão desacelerando. No americano, a taxa de crescimento das vendas caiu de 61% em 2006 para 44% em 2007.

No Reino Unido, a queda foi de 83% para 58%. Por isso, o Google vem apostando no cres cimento dos mercados emergentes - em 2007, a operação brasileira, que reúne cerca de 200 funcionários, foi a que mais cresceu no mundo (a empresa não revela os números). "Este será um ano de transição na vida do Google", diz Ross Sandler, analista do banco canadense de investimentos RBC Capital Markets.

Com o sinal amarelo, é possível que os investidores passem a colocar o Google sob a lupa. "Como tudo ia bem, poucos se preocupavam com a gestão. Mas, agora, os questionamentos começam a aparecer."

Um deles é sobre a polêmica decisão da empresa de investir também na mídia tradicional. Em 2006, o Google decidiu levar para o mundo offline os mesmos princípios que norteiam a empresa na web -- pequenos anunciantes poderão entrar na TV, por exemplo, com publicidade direcionada de acordo com os interesses dos espectadores.

"Até o fim do ano, Wall Street deve finalmente sair do estágio de lua-de-mel com o Google e exigir que a companhia consolide seu controle em mercados em que o lucro é seguro: busca e anúncios em sites", afirmou em janeiro em seu blog o jornalista John Battelle, autor do livro A Busca, sobre a trajetória do Google e o mercado de busca.

O Google continua a ser um lugar quase idílico, com atmosfera informal, cardápios produzidos por chefs de cozinha e cachorros perambulando pelos escritórios. Mas, aos poucos, os controles estão tornando a empresa de Larry Page e Sergey Brin um pouco mais parecida com as companhias habitadas pelos simples mortais.

Desde o ano passado, por exemplo, a oferta de suprimentos como baterias e adaptadores para computadores deixou de ser livre. Agora, cada empregado tem de registrar o que pegou. A compra de laptops, que também era decidida livremente, foi limitada.


"Foi uma revolução lenta. Hoje, estamos mais conscientes do orçamento", diz Stacy, a executiva de cultura do Google. Até mesmo a generosa política de alimentação gratuita dos funcionários está sendo reavaliada - o Google oferece café da manhã, almoço e jantar aos funcionários, além de abastecer cafeterias em todos os andares dos prédios com lanches, frutas, chocolates, sobremesas orgânicas e até ovos cozidos. (Alguns novatos chegaram a engordar 7 quilos nos primeiros três meses de trabalho na sede de Mountain View.)

Segundo Stacy, uma equipe de recursos humanos está formulando um sistema para informar mensalmente a cada funcionário o valor das refeições e dos lanches consumidos.

O objetivo, pelo menos por enquanto, é apenas conscientizá-los dos custos do Google e evitar possíveis exageros. A preocupação com as finanças poderia tornar o Google uma empresa convencional? "Não", diz Stacy. "Estamos sendo apenas uma empresa responsável."

Até agora, essas mudanças não parecem causar impacto no clima entre os funcionários. Em 2006 e 2007, o Google foi eleito a melhor empresa para trabalhar nos Estados Unidos pela revista Fortune. Embora a companhia tenha registrado baixas, é possível ver dezenas de funcionários que literalmente vestem a camisa e vão ao trabalho com roupas que estampam o logotipo do Google.

Um dos objetivos comuns a todo esse pessoal é hostilizar a arqui-rival Microsoft. Em Mountain View, é possível ler frases em murais como "Amigo que é amigo não deixa ninguém usar Internet Exploder", uma brincadeira com a semelhança entre os termos "explorador" (explorer, o nome do navegador da Microsoft) e "explosivo" (exploder).

A maior ironia dessa rivalidade é que o Google - a única empresa de tecnologia a conseguir abalar a hegemonia da Microsoft - nasceu num prédio de Stanford batizado de William Gates Computer Science.

Acompanhe tudo sobre:EmpresáriosEmpresasEmpresas americanasEmpresas de internetempresas-de-tecnologiaGoogleLarry PagePersonalidadesSergey BrinTecnologia da informação

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon