Funcionário da Gerdau em São Paulo: os tributos encarecem em quase 20% os investimentos do país, um contrassenso num país que quer crescer (Germano Lüders/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 8 de agosto de 2011 às 06h00.
Rio de Janeiro e Brasília - O Plano Brasil Maior, anunciado pela presidente Dilma Rousseff em 2 de agosto, tem, pelo menos, um mérito inegável: o de colocar o tema da competitividade no centro das discussões. “Nunca tivemos conversas tão profundas com tantos ministros e técnicos de um governo”, afirma o presidente de uma empresa que pede para não ser identificado.
A presidente encomendou o pacote de medidas a três de seus ministros — Fernando Pimentel (Desenvolvimento, Indústria e Comércio), Guido Mantega (Fazenda) e Aloizio Mercadante (Ciência e Tecnologia) — e a Luciano Coutinho, presidente do BNDES. Durante mais de quatro meses, representantes de vários setores foram chamados a apresentar e discutir suas propostas.
Mesmo assim, as idas e vindas das negociações avançaram a madrugada do dia do anúncio. A dificuldade de chegar a uma fórmula que aliviasse os impostos sobre a indústria, mas não comprometesse as contas do governo, fez com que o adiamento do anúncio fosse considerado, mesmo com os convites já distribuídos.
A sugestão foi rechaçada por Dilma, que marcou uma reunião com a equipe no fim de semana anterior ao anúncio para ouvir uma nova proposta.
Do ponto de vista das medidas em si, o carro-chefe do plano é a desoneração da folha de pagamentos, uma promessa de campanha da presidente. A questão rendeu a discussão mais complexa.
No começo do ano, os técnicos do governo estudaram um modelo de cortes gradativos da contribuição previdenciária patronal, que cairia inicialmente de 20% para 14% e, depois, 2 pontos percentuais ao ano.
Diante da chiadeira do ministro Garibaldi Alves Filho, da Previdência — pasta que, no ano passado, arrecadou 93 bilhões de reais com os impostos sobre a folha —, chegou-se a uma fórmula que desonerará apenas os setores têxtil, moveleiro, calçadista e de software.
Outra medida positiva é a que acaba com a taxação de IPI e Cofins sobre a compra de bens de capital, diminuindo em boa parte o custo de investir.
Um estudo da consultoria PricewaterhouseCoppers mostrou que a tributação eleva em 17% o custo total de uma siderúrgica no Brasil. Nos Estados Unidos e no Chile, o investimento é totalmente livre de impostos. Os exportadores também tiveram um alívio.
Numa visão otimista, as medidas apresentadas seriam o primeiro passo de uma agenda reformista mais completa. Se for assim, ponto para o país.
A própria presidente afirmou que outras medidas virão pela frente. Por outro lado, se o Plano Brasil Maior se mostrar a única ação do governo para recompor a competitividade do país, então estamos com problemas.
A fala de José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Vitopel, maior fabricante de filmes flexíveis do país, resume a avaliação dos vários executivos ouvidos por EXAME: “Toda ajuda é bem-vinda. Mas isso é pouco frente ao enorme desnível de competitividade que a indústria brasileira tem em relação aos competidores”.
O desnível a que se refere Coelho é motivado por problemas estruturais que permanecem intocados. No campo da infraestrutura, a terceira tarifa de energia elétrica mais cara do mundo tira seu quinhão da competitividade dos produtos brasileiros. As estradas esburacadas e os portos congestionados e mal equipados tiram outro tanto.
Fora isso, as empresas têm de manter batalhões de funcionários para acompanhar um sistema tributário insano, que decreta uma nova regra a cada 26 minutos. E por aí a lista segue.
“É mais um plano de salvamento de alguns setores, não um plano estratégico, cujo objetivo é tornar toda a economia mais competitiva”, afirma Alvaro Cyrino, vice-diretor da Escola de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas.
A perda de participação relativa da indústria nas economias é um fenômeno até natural. A tendência é que o setor de serviços ganhe espaço quando os países ficam mais ricos. Nos Estados Unidos, a indústria chegou a representar 33% da economia em 1953, mas hoje não passa de 13%.
No caso do Brasil, essa transformação tem sido muito mais rápida — desde que atingiram o auge em proporção ao PIB em 1985, os setores manufatureiros do país perderam 43% de seu tamanho relativo.
Esse fenômeno se acentuou fortemente nos últimos três anos. A valorização do real, que já vinha estimulando as importações no Brasil desde 2004, virou a grande vilã atualmente.
A crise de 2008 apareceu como elemento agravante. Com menos dinheiro fluindo nos países ricos, os chineses saíram em busca de clientes nos países emergentes, Brasil incluído. Nesse ambiente, até produtos feitos na Zona Franca de Manaus, com isenção de impostos, estão sofrendo.
Em 2009, apenas 35% dos aparelhos de ar condicionado vendidos no Brasil eram importados. Agora 80% já vêm de fora. “Entendo a preocupação do governo.
No final das contas, são pessoas que estão trabalhando e podem perder o emprego”, diz o economista Samuel Pessoa, da consultoria Tendências.
Aflições à parte, a discussão que importa agora é o que fazer na economia para recompor nossa competitividade. E aí os economistas são unânimes em afirmar que o melhor a fazer é parar de pensar em soluções só para setores ou empresas individualmente.
É assim, por exemplo, que o governo vem agindo no campo do custo do capital — em vez de empenhar-se por reformas que reduzam os juros para todos, elege alguns empresários para receber dinheiro barato.
No caso do pacote anunciado, deu-se algo semelhante com quatro setores. “Seria muito melhor abraçar causas amplas, como a melhora na situação fiscal do governo e um plano agressivo na educação, caminho obrigatório para a inovação”, diz Pessoa. “Isso beneficiaria não apenas a indústria, mas 190 milhões de brasileiros.”