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Da Redação
Publicado em 14 de janeiro de 2021 às 05h22.
Última atualização em 11 de fevereiro de 2021 às 13h46.
Os últimos dois anos do governo Bolsonaro terão um gosto de expectativa não realizada. Se a primeira metade teve a aprovação da reforma da Previdência, a segunda terá de lidar com as consequências fiscais da pandemia, mas sem capital político para aprovar o que será necessário.
É provável que passemos pelo mesmo grau de incerteza do governo Temer, depois de sua queda virtual em maio de 2017 com a delação da JBS. Entre maio de 2017 e o final de 2018, a taxa de câmbio depreciou 28%, em grande parte pela incerteza da aprovação da reforma da Previdência.
Além da sustentação ou não da regra do teto, que seguirá em discussão nos próximos anos, teremos de lidar com uma reforma administrativa mais profunda do que aquela que o governo tem sinalizado.
Pelo menos, seria uma reforma com menos reação negativa por envolver parte bem menor da sociedade, em que pese muito vocal.
O interessante da crise fiscal brasileira é que ela acontece em um momento em que o mundo começa a olhar a política fiscal com outros olhos. Depois de anos de uso extensivo da política monetária, começaram a surgir argumentos sobre como usar a política fiscal de modo eficiente para estimular o crescimento, e não apenas de curto prazo.
Em ensaio provocador, mas interessante, Jason Furman e Lawrence Summers, duas referências do Partido Democrata americano, reforçam a tese de que há espaço para o uso equilibrado da política fiscal nos próximos anos.
Isso nada tem a ver com a recente Teoria Monetária Moderna, que também prega maior esforço fiscal, mas muito focado em emprego e sem parâmetros de referência relevantes do que considerar no crescimento futuro da dívida pública.
Nesse sentido, Furman e Summers usam de um artifício que tem ficado comum, como se vê também no livro de Willem Buiter, Central Banks as Fiscal Players, de considerar a dívida pública em relação ao valor presente do fluxo futuro de PIB, e não simplesmente ao PIB.
O ponto é não comparar um estoque (dívida) com um fluxo (PIB), e sim com o fluxo esperado de PIB que serviria para pagar a dívida ao longo do tempo. Vista dessa forma, a dívida americana em proporção desse cálculo de PIB é de 2%. É um número para encher os olhos de qualquer keynesiano desavisado.
Mas os autores consideram esse cálculo para tirar a pressão do número impactante de mais de 100% de dívida sobre o PIB ao qual chegou a conta americana depois da pandemia e mostrar que haveria espaço para aumento de gasto sem pressionar a capacidade de pagamento dessa dívida.
O ponto central do artigo é que, em uma situação de taxa de juro a zero, ou muito próximo disso nos prazos mais longos, o relevante é o pagamento do serviço da dívida sobre o PIB.
Nas contas dos autores, enquanto esse número ficar em torno de 2% do PIB, há espaço fiscal para aumento dos gastos, e as estimativas deles é que a política monetária feita hoje abre espaço para esse aumento de gasto.
Obviamente, os autores sabem que tudo isso pode virar da noite para o dia nos próximos anos e sugerem um programa acelerado de gastos focados no curto prazo com o intuito de gerar impacto de crescimento de longo prazo.
Nesse sentido, as sugestões passam não por aumento de gastos correntes via contratação pura e simplesmente, como propõe a Teoria Monetária Moderna. Mas por aumento de gastos, essencialmente, em infraestrutura, saúde e ciência básica.
De fato, os Estados Unidos perderam terreno nessas três áreas nas últimas décadas e precisaram redescobrir o caminho do apoio público ao setor privado para tentar reconquistar uma liderança que se esvai rapidamente para os chineses.
Resgatar o espírito de investimento público em ciência básica talvez seja o mais relevante para gerar produtividade futura.
A discussão de um novo papel para a política fiscal em um mundo de taxas de juro baixas é bem-vinda, mas aqui é necessário o velho disclaimer: o que vale para os países desenvolvidos não necessariamente vale para o Brasil.
O serviço da dívida no Brasil é quase 5% do PIB e com risco de aumentar com a taxa de juro voltando a subir no ano que vem, sem falar na pressão na curva longa por causa da piora fiscal sem solução de curto prazo.
Por aqui, não temos espaço ainda de política monetária que permita esse possível esforço fiscal. E por trás disso está o fato de que a inflação brasileira ainda demanda resposta de aumento de juros pelo Banco Central.
Em um ano como 2021, em que o mundo desenvolvido seguirá com juros zero, o nosso quase certamente subirá para 3,5% ou mais para manter a meta de 3,5% em 2022, meta ainda elevada quando se compara com a de outros países com o mesmo tempo de metas de inflação como o Brasil (e que estaria entre 2% e 3%).
O mundo entrará, assim, em uma forte discussão teórica e empírica na academia sobre mais uso da política fiscal. Não nos enganemos sobre o receituário desta vez.
Ele não nos serve enquanto questões básicas de nossa estrutura fiscal não estejam resolvidas e enquanto a política monetária ainda precisa controlar uma inflação acima do que se vê lá fora.
Mas será um elemento adicional de pressão sobre a equipe econômica e de uma boa parte do governo que vê a política fiscal a dois anos da eleição como uma via de salvação.