O designer Jeferson Araújo: “A realidade aumentada é uma porta de entrada para quem quer trabalhar com metaversos” (Dbecher/Divulgação)
Como se fossem profetas de uma nova religião, as empresas de tecnologia anunciam os ambientes virtuais do metaverso como a próxima página do testamento da vida humana. É iminente e, de acordo com os escritos da nova era, a internet deverá se tornar uma experiência empírica, imersiva, realista e viciante. Será uma superplataforma que reunirá todas as subplataformas.
Diante dos olhos e ao alcance das mãos feitas em computação gráfica estarão as redes sociais, jogos online e aplicativos que — por pressuposto — trarão mais facilidades para a sociedade e, por que não, mais felicidade com todos os seus recursos acessíveis por meio de uma economia 100% digital.
Apesar de parecer repentina, a chegada até esse ponto foi uma evolução quase natural. A computação moderna viu três mudanças de paradigmas “inevitáveis” na forma como ocorrem as interações com dispositivos eletrônicos.
Avanços que começaram como experiências rudimentares, mas rapidamente se tornaram onipresentes: a interface gráfica, popularizada pela Apple com a introdução do Macintosh, em 1984; os links de hipertexto da World Wide Web, que se popularizou nos anos 1990; e as telas “touchscreen” introduzidas com o iPhone, em 2007.
Agora há uma espécie de aceleração da consolidação das tecnologias de óculos de realidade virtual (RV) e realidade aumentada ou mista (RA), que, apesar de ainda pouco acessíveis ao grande público, devem logo se tornar subsidiadas pelas empresas dispostas a desembarcar junto com os primeiros navegantes do metaverso.
Mas antes de chegar lá é preciso considerar que, no estágio atual, ainda se trata de mundos um tanto quanto vazios. Para pavimentá-los, no entanto, já há mão de obra em formação, que, além de trabalhar, pretende educar outros profissionais no processo.
E a qualificação dos trabalhadores esperados para, por assim dizer, lançar a pedra fundamental e erguer os pilotis do metaverso não é muito diferente das demandadas atualmente nos empregos de tecnologia do mundo real. São programadores, artistas visuais, cientistas de dados, entre outros, mas dos quais se espera uma pitada de pioneirismo. Afinal, é um mundo novo.
O designer gaúcho Jeferson Araújo é um dos que se muniram dos atributos necessários e se lançaram na missão de desbravar novos mundos — virtuais. Seguido por uma legião de 1 milhão de pessoas no Instagram, Araújo ficou conhecido pelo trabalho que realiza em realidade aumentada e se tornou um dos primeiros brasileiros a ser certificado como desenvolvedor da ferramenta Spark, disponibilizada pela Meta, que controla o Facebook, para treinar quem vai criar no metaverso da empresa.
Do ponto de vista da Meta, o plano por enquanto é fazer com que pelo menos 10.000 pessoas na América Latina fiquem familiarizadas com a ferramenta Spark ou cheguem ao mesmo nível técnico de Araújo, para então subir a barra e aprofundar a profissionalização em outras tecnologias que estão nos laboratórios da companhia.
A princípio, tanto as criações de Araújo quanto os treinamentos que a Meta disponibiliza são focados em experimentações visuais que misturam o mundo real com o virtual. Os exemplos mais acessíveis de como isso funciona são os filtros de fotos tão amados pela geração Z e usados para dar um retoque no visual ou gerar brincadeiras.
Entre os filtros de Araújo, o mais famoso já conta com 20 bilhões de visualizações. E outros são criações requisitadas e contratadas por empresas como Disney, Snap e TikTok e famosos como Anitta, Pabllo Vittar e Madonna.
“Apesar de a Meta ter dominado a conversa no momento, serão vários os metaversos, com diferentes linguagens, intenções e funções. Parte da tarefa de garantir que não ocorra de uma única empresa se tornar sinônimo desse novo momento é apostar na formação e na diversidade dos profissionais”, afirma.
E Araújo tem contribuído na distribuição do conhecimento. No site de cursos online Domestika, ele disponibiliza por 9 dólares um treinamento introdutório em realidade aumentada. A aposta é incentivar uma geração de profissionais que vão nascer já voltados para ambientes em 3D. “A realidade aumentada é com certeza a porta de entrada para o metaverso.”
Mas, uma vez formados os construtores, como serão os negócios nesses mundos? Uma resposta pode vir ao olhar para os mais populares da atualidade, o Decentraland e o The Sandbox. Neles, os espaços ou “terrenos” para criar o que quer que seja, chamados pelo termo em inglês land, não saem por menos de 10.000 dólares. Há um ano, era possível adquirir um lote nesses mesmos metaversos por valores abaixo de 1.000 dólares.
A valorização explosiva é sinal de que o interesse das empresas é igualmente maciço. No Decentraland, que divulga a movimentação de receitas na plataforma, a venda de terrenos em novembro do ano passado já marcava 15 milhões de dólares. “Vemos a compra do Fashion District [área do mapa de Decentraland] como se tivéssemos adquirido a Quinta Avenida no começo do século 19”, disse Lorne Sugarman, CEO do Metaverse Group, quando sua empresa comprou o “terreno” por quase 3 milhões de dólares, no fim de 2021.
No contexto brasileiro de empresas de metaverso, a exploração econômica tem ocorrido de forma um pouco diferente. Ainda que existam startups inovando principalmente em educação e cultura, como a paulistana MedRoom, que dá aulas para futuros médicos usando óculos RV, uma das experiências mais relevantes, e que reúne todo o checklist de um metaverso, tem sido no jogo Grand Theft Auto V, também conhecido pela sigla GTA, da desenvolvedora americana Rockstar.
Um dos maiores desses mundos em GTA, o Cidade Alta, comandado pela empresa brasileira Outplay, já utiliza até mesmo a tecnologia de NFTs para premiar jogadores com itens exclusivos. O sistema funciona por meio de uma parceria com a plataforma Dropull, que fornece ferramentas para marcas gerarem NFTs, que podem ser convertidos em criptomoedas, outros NFTs e regalias.
O servidor também é ponto de venda disputado por agências de publicidade e companhias como Submarino, Jeep e iFood. As marcas aparecem no jogo como no mundo real, com a publicidade estampando produtos, espaços de mídias e ativações com celebridades. Muito desse interesse se deve à popularidade do chamado GTA RP, sigla para GTA roleplay, modalidade em que os jogadores criam avatares e vivem vidas virtuais, interpretando papéis.
Atualmente, cerca de 4.000 pessoas frequentam o Cidade Alta, e cerca de 700 delas são produtoras de conteúdo, que transmitem as interações em plataformas de streaming como Twitch e YouTube, em uma audiência mensal que ultrapassa 2,5 bilhões de visualizações. “O Cidade Alta tem servido como um bom ensaio de metaverso. As marcas já olham para ele como uma necessidade quando se trata de marcar presença. Se migrarmos para metaversos diferentes, como o Decentraland, certamente esse interesse nos acompanhará”, afirma Paulo Benetti, CEO da Outplay.
Mas não somente empresas e pessoas povoam o metaverso. Humanos virtuais, do tipo gerado por inteligência artificial, também são tidos como futuros habitantes. Um exemplo é a Lil Miquela, uma espécie de garota-propaganda virtual. Nas fotos que publica no Instagram — sim, ela tem um perfil —, Miquela aparece patrocinada por grifes como Prada, Chanel e Dior, nos stories dá dicas de restaurantes e viagens, e usa a web para apoiar causas sociais.
Tudo o que uma influenciadora real faz e de um jeito que acaba borrando as fronteiras entre os mundos. Por trás da criação está a Brud, uma empresa do Vale do Silício que pretende espalhar outras versões de Miquela metaversos afora. Com o passar do tempo, depois de construído, certamente os desafios do metaverso serão outros, mas com a certeza de que serão bem reais.