Hotel Casana, em Jericoacoara (CE) (Hotel Casana/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 22 de novembro de 2019 às 05h22.
Última atualização em 22 de novembro de 2019 às 06h22.
Desnecessário dizer que é um hotel para poucos. A 15 quilômetros de Jericoacoara, no Ceará, o Casana tem a diária inicial mais cara do Brasil: 4.060 reais, incluindo todas as refeições e bebidas, com exceção das alcoólicas. Para efeito de comparação, a estada no Fasano São Paulo, só com café da manhã, começa em cerca de 2.200 reais. No Copacabana Palace, também só com a primeira refeição do dia, as diárias partem de uns 1.500 reais. São apenas oito bangalôs de até 100 metros quadrados. A lotação máxima é de 20 hóspedes — com seis beliches, um dos quartos é voltado para crianças e adolescentes de grupos que reservam o hotel por completo.
O empreendimento pé na areia, inaugurado recentemente, espalha-se por um terreno repleto de coqueiros equivalente a 15 campos de futebol. Dois bangalôs dispõem de piscinas privativas de borda infinita e todos têm banheiros com uma área a céu aberto, equipada com uma jacuzzi, um segundo chuveiro ou as duas coisas. Onde quer que se esteja, a sensação de exclusividade é inegável. Mas isso não significa que ficar sozinho seja fácil. A natureza, representada principalmente por inofensivas pererecas que adoram se acomodar nas jacuzzis e nos vasos sanitários, além de calangos e iguanas nos jardins, é um componente inexorável da hospedagem.
De propriedade de um casal mantido no anonimato, o hotel é o mais novo a alardear o conceito de pós-luxo. “A principal diferença em relação ao luxo clássico é a profunda conexão com a natureza e com a cultura local”, diz Paula Moura, a gerente-geral. As redes espalhadas pelos deques de madeira cumaru e a palha de carnaúba que cobre os bangalôs das áreas sociais são duas das mesuras do arquiteto, o francês Frédéric Fournier, ao Ceará. Ele espalhou pelos ambientes enormes ventiladores de teto, importados da Alemanha, e confeccionou o mobiliário do restaurante com ripas de pequiá. A piscina principal, também de borda infinita, ganhou revestimento de areia escura compactada e o bar foi ladeado por um lago comprido, com cobertura de vidro, onde nadam 25 carpas.
O Casana tem a própria escola de kitesurfe, que, graças aos ventos constantes, virou o esporte da região, e orgulha-se de promover atividades nada óbvias, pagas à parte, como a contemplação de estrelas em meio às dunas. Quem opta por acelerar pelas areias a bordo de um UTV, aquele carrinho invocado usado em ralis, é aguardado em uma lagoa no meio do caminho por uma equipe munida de guarda-sol, espreguiçadeira, toalhas, bebidas e comidinhas. O restaurante é comandado pelo chef Renato Machado, que secundou Felipe Bronze no Oro, no Rio de Janeiro. Para surpreender os hóspedes e em função do que as peixarias locais têm de melhor, o cardápio muda a cada refeição. O sashimi de robalo maçaricado com molho ponzu e cebola crocante e o filé de garoupa com arroz vermelho e vinagrete de frutas são exemplos do estilo do chef.
O preço salgado indica a ambição de focar os turistas estrangeiros — conversões feitas, o Casana custa o mesmo que o incensado Shangri-La’s Villingili Resort & Spa, nas Ilhas Maldivas, na modalidade all inclusive. O efeito colateral é dar a entender que o tal do pós-luxo é necessariamente mais caro. Não à toa, o principal defensor do conceito no Brasil, o Botanique, nos arredores de Campos do Jordão, foi inaugurado em 2012 como o hotel mais caro do país. Hoje suas diárias partem de 1.610 reais, durante a semana, só com café da manhã.
Fernanda Ralston Semler, uma das donas, é tida como a mentora do pós-luxo. Três anos atrás, ela criou o site Après-Luxe, no qual detalha o conceito e lista cerca de 40 estabelecimentos e profissionais que o colocam em prática, segundo ela. O restaurante L’Arpege, em Paris, laureado com três estrelas Michelin, é um deles, por cobrar caro, mas afirma honrar cada euro investido. Explica-se: outro pilar do pós-luxo é um suposto bom custo-benefício. O designer de luminárias Maneco Quinderé, nascido no Piauí e conhecido pelas peças minimalistas e experimentais, é mais um representante, já que a originalidade também faz parte da equação (o Casana já fez a solicitação para constar da lista). “Na essência, o pós-luxo privilegia experiências cada vez mais raras, como desfrutar o silêncio da natureza, e se opõe à ostentação”, diz Fernanda.
Há quem classifique o conceito como mera maquiagem para caprichar nos preços. Pegue de exemplo o novo Under Canvas, vizinho ao Parque Nacional de Yosemite, na Califórnia. Com abertura prevista para o início de 2020, ele é cercado de sequoias majestosas e pradarias cinematográficas. Os hóspedes poderão repousar em camas king size ladeadas por uma lareira e poltronas estilosas — mas dentro de barracas que só diferem daquelas de sua juventude pelo tamanho e pela qualidade da lona. Com diárias a partir de 189 dólares, a novidade defende a ideia de que pode haver luxo no camping (o termo adotado é glamping, para exaltar a presença do glamour).
O Retreat, na Islândia, não ganha da maioria dos hotéis boutique se for levada em conta apenas a arquitetura, marcada por paredes de cimento queimado e amplos janelões, ou a gastronomia. A diferença é que ele fica ao lado de uma lagoa azul cristalina com água do mar a 38 graus centígrados, aquecida por fissuras a 2.000 metros de profundidade. Está explicado por que as diárias iniciais variam de 1.200 a 2.700 dólares.