Revista Exame

Pausa para o banho

Por que as melhores ideias surgem no chuveiro? Momentos de descanso, assim como férias e hobbies, são essenciais para estimular a criatividade

 (Exame/Exame)

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Ivan Padilla

Ivan Padilla

Publicado em 16 de julho de 2020 às 05h30.

Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 12h02.

"Nada melhor do que não fazer nada.” Mesmo fora de contexto, a frase da música de Rita Lee revela uma sabedoria que muitos pesquisadores de gestão de tempo se desdobram para demonstrar: se você quer ser mais feliz, precisa saber priorizar seu tempo, ainda que seja para reservar alguns minutos para não fazer nada. Nós lutamos contra as horas, tentando arranjar momentos, entre o trabalho e outras responsabilidades, que possam ser dedicados ao lazer. No final, não parece haver solução simples, uma vez que não existem horas extras no dia, mas mesmo assim é importante criar um espaço para assar um pão. Ou tricotar, fazer uma caminhada, ler um livro. Pode parecer um conselho contraprodutivo, mas ter um hobby estruturado na rotina para fugir da correria, na verdade, ajuda a acalmar a sensação de falta de tempo — e a relaxar no geral. “­Hobbies são uma ótima forma de gastar o tempo. E não apenas pela diversão. É que, se você passa 2 horas na semana montando um quebra-cabeça, criando um projeto de marcenaria ou fazendo crochê, é muito difícil falar para si mesmo que está faminto por tempo. E esse senso de abundância de tempo ajuda a se sentir mais relaxado”, explica Laura Vanderkam, escritora de livros sobre gestão de tempo e produtividade, incluindo Off the Clock: Feel Less Busy While Getting More Done (“Fora do relógio: sinta-se menos ocupado enquanto faz mais”, numa tradução livre).

Nada contra quem resolveu desenvolver habilidades culinárias durante a quarentena, mas o escritor Alexandre Teixeira, autor de Rotinas Criativas e Felicidade S.A., defende que até algo simples, como um longo banho, já traz benefícios para o bem-estar, para a saúde mental e, em conse­quên­cia, para o trabalho. Em vez de hobby apenas, ele prefere nomear a prática como “escapada”. “Um ­hobby pressupõe algo a que dedicamos tempo, carinho e paixão, que pode ser uma atividade esportiva ou cultural. A escapada abrange mais coisas. Por exemplo, algumas pessoas falam do banho. Soa esquisito, mas é uma escapada, porque é um momento pequeno de descompressão”, explica Teixeira. A ideia de dar um tempo para seu cérebro combater o estresse também é defendida pelo pesquisador Tal Ben-Shahar, que ficou famoso como o “professor da felicidade”. Ben-Shahar é um estudioso da psicologia positiva e fala que uma forma de lidar com o estresse é dar-se um tempo para a recuperação, de uma maneira muito parecida com o período de descanso dado a um músculo após um treinamento intenso.

Enquanto Ben-Shahar delimita três tempos de desconexão, de pausas curtas ao longo do dia, fins de semana e férias longas ou um ano sabático, Teixeira coloca as escapadas como atividades que se encaixam no dia a dia e as classifica em categorias próprias, distribuídas pelos efeitos positivos que proporcionam. A mais importante é a fuga criativa: “Funciona como o coração, sem ser piegas. É como o músculo, que tem a sístole e a diástole, aperta e solta. Quando a gente está trabalhando, fica mais tenso. Essa compressão, a sístole, precisa depois do oposto, a diástole. Se você quiser estimular a criatividade, precisa parar de pensar naquela tarefa. Por isso muita gente fala que tem as melhores ideias no banho”, diz o autor. Depois existem as fugas defensiva e educativa. Segundo Teixeira, a defesa serve de vacina contra o esgotamento profissional, a síndrome de burnout, sendo uma higiene mental dos infinitos estímulos e informações que recebemos de notícias, e-mails e mensagens de Whats­App. A leitura de um bom livro ou passar um tempo de qualidade com a família e os amigos ajudam nessa limpeza. E, se uma das necessidades para um profissional se manter relevante no futuro do trabalho é o aprendizado contínuo, encontrar prazer em aprender novas habilidades entra em seu saldo positivo de bem-estar.

Cultivar um hobby torna-se um recurso que pode acabar com esses três tipos de desconexão de uma vez só. Uma atividade prazerosa estimula partes diferentes de seu cérebro das usadas em um dia de trabalho, abrindo novas possibilidades de aprendizado, ajudando na criatividade e promovendo um equilíbrio maior na rotina. No entanto, o especialista em inteligência emocional Carlos Aldan, CEO da consultoria Kronberg, comenta que, para tirar o melhor dessas práticas, é preciso que a pessoa as aborde de forma consciente. Um hobby não pode ser visto como uma tarefa, mas pensar no momento de lazer como um depósito de energia positiva contribui para manter o equilíbrio mental. No longo prazo, Aldan afirma que um passatempo aumenta não só nossa capacidade cognitiva como também a emocional. “Um hobby, independentemente de qual seja, traz um sentimento de controle mesmo quando não temos nenhum. Ele entra como um ­ritual e também como um exercício de mindfulness, durante o qual você suspende julgamentos e pode viver o momento presente na totalidade. Na hora do lazer, você deixa a mente divagar”, conta ele. Em perío­dos de crise, manter esse ritual ajuda na resiliência ao ativar circuitos neurais que permitem enxergar melhor o futuro, criando mais possibilidades e afastando, assim, o pessimismo diante de um cenário incerto.

Não se trata apenas de um truque para ver o lado bom da vida. Em uma palestra TEDx, o neurocientista canadense Max Cynader explica que o cérebro pode ser exercitado para ter mais plasticidade, ou maior capacidade de adaptação, o que afeta a memória e o aprendizado. Num estudo do Centro pela Saúde do Cérebro, do qual ele faz parte, pesquisadores descobriram que exercícios físicos ajudam na criação de conexões neurais mais fortes. Aprender a tocar um instrumento musical favorece o desenvolvimento de diversas habilidades, como solução de problemas, porque estimula capacidades diferentes do cérebro, como a memória, a visual, a motora e, claro, a auditiva.

De acordo com Thais Gameiro, doutora em neurociên­cia e fundadora da Nêmesis, empresa de soluções na área de neurociência organizacional, um hobby que envolva aprender uma nova habilidade é uma fonte de motivação e de desafios. Mais importante ainda: pode nos tirar da zona de conforto e estimular uma mentalidade de iniciante. “Quando a gente fala de executivos, ou de pessoas bem-sucedidas que avançaram na carreira, existe pouco espaço para o erro no trabalho. E eles perdem a beleza do desenvolvimento, correndo o risco de acreditar que não têm mais nada a aprender. Fazer uma coisa nova e permitir-se não saber a resposta cria essa oportunidade. A postura de aluno traz humildade e empatia. E o profissional fica mais tranquilo para dizer que não sabe algo”, explica Gameiro.

Mesmo com tantas vantagens, ainda falta tempo para nos dedicarmos às atividades de lazer. Afinal, esse é o recurso que usamos como moe­­da de troca para tudo na vida. É por isso que a professora assistente na Harvard Business School Ashley Whillans acredita que a maioria das pessoas seja pobre de tempo. Segundo seu estudo, 80% dos americanos dizem que falta tempo na vida deles. Porém, existem também os que usufruem a riqueza de tempo. A diferença entre os grupos é a abordagem das pes­soas ao tomar decisões sobre como usam suas horas. Em seu primeiro livro, Time Smart, Whillans compartilha suas descobertas como pesquisadora sobre as estratégias desse tipo de riqueza. Com outras pesquisadoras, ela acompanhou durante anos alunos na tomada de decisões de carreira, considerando quem priorizava o tempo ou o dinheiro nessas escolhas. A conclusão foi que estudantes que sempre focaram o tempo, como trabalhar menos horas e gastar dinheiro para economizar tempo, tinham mais satisfação com a vida e com o trabalho, assim como declaravam ser mais felizes. Uma das razões para isso é que esses jovens profissionais, independentemente de suas escolhas, foram movidos por um propósito, e não por um dever.

Mudar essa mentalidade é essencial para melhorar a relação com o tempo e abrir um espaço na rotina para interesses pessoais. A dica de ouro para promover essa mudança é integrar o lazer à agenda. “A chave para encontrar tempo para atividades prazerosas é planejá-las. Se você faz planos para encontrar seus amigos, você deve então planejar seu trabalho para finalizá-lo na hora certa. Se não tiver nada esperando por você, é fácil sentir que precisa continuar trabalhando e que não tem tempo para a diversão”, afirma a escritora Laura Vanderkam. Em uma palestra, Whillans alerta para os minutos perdidos checando e-mails e redes sociais. Tirando fora as grandes escolhas de vida, quem tem abundância de tempo mantém uma lista mental de tarefas rápidas que podem ser realizadas nos minutos do dia em que estão na fila do banco ou depois do almoço.

Para Alexandre Teixeira, a pessoa precisa real­mente estar disposta a limitar seu tempo no trabalho, respeitando a parcela do dia que reservou para a vida fora do horário de expediente. A partir daí, deve encontrar seu ritmo na nova rotina, otimizando as janelas que tem durante o dia para domar esses períodos a seu favor. Teixeira, por exemplo, gosta de reservar a manhã para a rotina criativa, começando com atividade física, meditação e um banho frio. Depois inicia o trabalho, sempre priorizando a tarefa mais relevante. No caso dele, a escrita.

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