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Parece que não pode piorar, mas...

Maior projeto de energia do país, a atrasada usina de Belo Monte tem um novo empecilho. A empresa que fará a linha de transmissão quer “importar” 11 000 chineses para tocar a obra. Mas o governo não deixa

Belo Monte, no Pará: as obras da hidrelétrica já estão um ano atrasadas  (Divulgação/Divulgação)

Belo Monte, no Pará: as obras da hidrelétrica já estão um ano atrasadas (Divulgação/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 30 de março de 2015 às 18h01.

São Paulo - A hidrelétrica de Belo Monte é o projeto de energia mais polêmico do país. Levou nada menos do que 35 anos de discussões e alterações para que houvesse algum consenso entre governo, comunidade, investidores e ambientalistas, e a usina começasse a sair do papel.

Parecia que todos os problemas possíveis já tinham surgido e sido sanados. Mas Belo Monte continua se desdobrando em polêmicas. Desta vez, em torno da rede de transmissão de 2 000 quilômetros que levará a energia do Pará até o Sudeste, o chamado “linhão”. A polêmica da vez não envolve índios jurunas ou caiapós nem moradores de Altamira.

O empecilho vem da China. A transmissora de energia chinesa State Grid, responsável pela rede de transmissão, quer trazer um batalhão de funcionários e equipamentos para tocar a obra no Norte do país. O governo já disse que não pode. É a senha para mais uma polêmica. 

Maior empresa de energia do mundo, a State Grid ganhou a disputa para construir e operar o linhão de Belo Monte em fevereiro de 2014. É a maior investidora no consórcio formado com Furnas e Eletronorte, duas controladas da estatal Eletrobras. Os chineses, como de costume, foram agressivos: ofereceram um deságio de 38% sobre a receita máxima anual, enquanto os outros dois concorrentes só viam espaço para cortar 5% e 11,5%.

Também anunciaram que conseguiriam fazer a obra investindo 4,5 bilhões de reais, quando a estimativa do governo era de 5,1 bilhões de reais. O consórcio não deu detalhes sobre como faria isso, mas, passados dez meses, a conta começou a ficar mais clara. A obra, que deverá ter início em agosto, vai demandar cerca de 15 000 operários.

A State Grid quer importar 11 000 da China. O principal argumento, segundo EXAME apurou, não é o salário mais baixo, mas o conhecimento da tecnologia. O linhão será a primeira rede brasileira de frequência contínua com voltagem de 800 quilovolts — só a China tem uma rede desse tipo, que garante menor desperdício.

No Brasil, as linhas mais modernas operam na fre­quên­cia de 600 quilovolts. Mesmo com salários semelhantes, os chineses custariam menos para o consórcio. Eles não fazem paralisações, principal causa do atraso de grandes projetos de energia — como as linhas de transmissão e as usinas de Jirau e Santo Antônio, que atrasaram cerca de um ano devido a greves que incluíram ônibus queimados e alojamentos destruídos.

Empresas chinesas operam desse jeito no mundo inteiro. É essa proporção de chineses que as companhias estão acostumadas a contratar na África, em projetos de construção e petróleo em Angola e Moçambique. No Brasil, já houve tentativas. Em 2006, a chinesa Citic, contratada pela ThyssenKrupp para a obra de uma siderúrgica no Rio de Janeiro, queria trazer 4 000 operários chineses — o governo liberou 600.

A outra estratégia da State Grid para agilizar e baratear a rede de transmissão de Belo Monte é importar os equipamentos, de cabos a conversores. O argumento também é tecnológico.

O problema é que a proposta do consórcio, na época do leilão, considerava um financiamento de 55% do valor total pelo BNDES. O banco de fomento, no entanto, tem entre suas regras condicionantes em relação a conteúdo nacional. Sem o banco, o custo de financiamento ficaria 70% maior. Procurada, a State Grid não deu entrevista e respondeu, por e-mail, que atende a todas as regulamentações e que o cronograma está dentro do estimado. Eletronorte, Furnas e Eletrobras não comentaram.

O outro Palocci

Para resolver o impasse, o governo escalou Adhemar Palocci, diretor de planejamento da Eletronorte, conselheiro do consórcio de transmissão e irmão do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. A nomeação se deu depois de uma série de reuniões em 2014 nais quais participaram executivos da State Grid, da Eletrobras, da Eletronorte e de Furnas.

“Eram reuniões com mais de 7 horas de duração e sem nenhuma conclusão”, diz um executivo do consórcio, exasperado com o jeitão chinês de negociar. Em janeiro, a State Grid aceitou se enquadrar na legislação brasileira: o limite é um terço de trabalhadores estrangeiros (ou seja, seriam no máximo 5 000 trabalhadores chineses).

Participações maiores só por orientação do governo e acordo entre países. Na saúde, por exemplo, já são quase 15 000 médicos estrangeiros no país (dos quais 11 500 cubanos) graças ao programa Mais Médicos, que libera vistos temporários por três anos. No caso de Belo Monte, não há nenhum sinal de que o governo queira fazer um acordo com a China para permitir mais do que os 5 000 trabalhadores.

“Além das limitações de vistos, nossos sindicatos jamais permitiriam”, diz um executivo da operação. A State Grid apresentou uma lista de empresas chinesas prestadoras de serviço (que levam a própria mão de obra) e o consórcio passou a discuti-las nome a nome. Até agora, algumas foram aceitas, mas na mesma proporção de prestadoras de outros países.

Para resolver a pendência financeira, uma das alternativas encontradas é a emissão de debêntures de infraestrutura. A vantagem dessa operação é que os títulos podem ser emitidos com taxas melhores do que as de outros financiamentos, já que são isentos de imposto de renda. Dessa forma, a State Grid conseguiria um dinheiro barato sem precisar do ­BNDES — sem a restrição de conteúdo brasileiro.

O objetivo do governo é um só: não atrasar o início das obras, previstas para terminar em fevereiro de 2018. Em paralelo às negociações, o consórcio aguarda as licenças ambientais. Se não começar em agosto, a obra será empurrada para março, devido ao período de chuvas no Norte do país.

O maior risco é que, com a usina pronta, não haja rede para levar a energia ao Sudeste. Além de um problema de abastecimento, o governo ficaria com um pepino financeiro: teria de pagar o consórcio da usina de qualquer forma.

Seria mais um problema de uma série. A usina está um ano atrasada. A nova previsão de conclusão é 2019. Orçada inicialmente em 19 bilhões de reais, a obra já passou de 30 bilhões. Tudo o que o governo não precisa é de 11 000 novos problemas.

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