Frederico Battaglia CMO do Grupo Stellantis (Eduardo Frazão/Exame)
Editora-assistente de Marketing e Projetos Especiais
Publicado em 23 de fevereiro de 2024 às 06h00.
Última atualização em 23 de fevereiro de 2024 às 14h38.
Pelo terceiro ano consecutivo, em 2023 a Fiat foi a marca líder em vendas no Brasil. A montadora é uma das seis no país que formam o Grupo Stellantis, dono ainda de Jeep, Ram, Peugeot, Citroën e Abarth. Com modelos tão distintos no portfólio e audiências diversas, em um cenário cuja parte representativa das vendas ocorre de forma remota, a companhia tem mirado cada vez mais os dados e novas tecnologias para suas estratégias de marketing, visando conquistar a atenção dos consumidores na era digital.
“Por meio da inteligência artificial temos a oportunidade de ser muito mais consultivos no processo de compra, mesmo em uma fase ainda muito exploratória da jornada do consumidor”, diz Frederico Battaglia, CMO do Grupo Stellantis, que viu o volume de vendas digitais aumentar em quatro vezes desde a pandemia. Na entrevista, o executivo também detalha os planos para 2024, incluindo a produção local de carros 100% elétricos até 2030.
O comportamento do consumidor mudou nos últimos anos. O número de vezes que ele vai à concessionária antes de efetuar uma compra caiu. Como isso impacta a estratégia de marketing do grupo?
Uma parte muito relevante do processo de compra do consumidor acontece quase sem contato com o produto. Costumo dizer que envolve três fases. A primeira, quando ainda não há certeza da ação, mas tem-se em mente uma marca ou modelo. A segunda é um processo pessoal e bastante caótico, relacionado a algum acontecimento da vida, como casamento ou demissão. Entra-se ativamente na fase de compra e começam as pesquisas na internet. O consumidor captura tudo o que precisa saber sobre o carro e segue para o contato com o consultor comercial. Este tem um papel importante na decisão de compra, mas é impressionante como as concessionárias estão mais digitais e como a negociação acontece toda de forma remota. Precisamos levar isso em consideração e garantir que o cliente seja impactado na hora certa, com um conteúdo que o ajude na tomada de decisão.
O que o grupo tem feito na prática para captar a atenção do consumidor?
Cerca de 95% da minha área envolve fazer essa mecânica funcionar. Isso inclui também um trabalho mais tecnológico, que passa pela integração de dados, o chamado data lake (“lago de dados”, na tradução). Trata-se de um repositório centralizado projetado para armazenar, processar e proteger grandes quantidades de dados que capturamos de nossas audiências e dos parceiros. A partir desse repositório plugamos ferramentas de inteligência para transformar os dados em informação. Com isso, é possível aprender, por exemplo, quais perfis têm mais tendência a gostar de determinado conteúdo e, assim, construir dispositivos de canais e mensagens personalizadas, com narrativas que façam sentido.
Como é feita a construção dessas diferentes narrativas?
É muito importante produzir conteúdo com base nas plataformas que o consumidor está utilizando. Seja Instagram, seja TikTok, seja YouTube, todas têm uma linguagem própria. O que a gente faz, na prática, é desenvolver essa fábrica de histórias, com a maior pluralidade possível de conteúdos, que depois serão distribuídos de forma inteligente, conforme os canais e perfis de indivíduos. Posso utilizar, por exemplo, o Instagram ou contatar influenciadores para criarem conteúdos sobre o meu produto. São jeitos diferentes de contar e transmitir uma mesma história.
E quais são os desafios, especialmente diante de um portfólio tão diverso?
O primeiro desafio é cultural e envolve convencer o ecossistema de decisão da companhia de que ações feitas de maneira inovadora e diferente fazem sentido e são boas para as marcas. Talvez porque a indústria automobilística ainda seja um pouco mais conservadora. Uma parte relevante do meu papel, inclusive, passa pela construção de equipes diversas. Outra barreira é como organizar todo o ecossistema de maneira eficiente, sendo o marketing essa fábrica de conteúdos. Num passado não tão distante, trabalhávamos com uma peça em jornal, rádio e TV. Hoje, há uma série de ações, que têm de estar previstas no orçamento e ainda ser relevantes para quem as assiste. É impossível achar que as formas de contar histórias de Jeep sejam parecidas com as de Citroën. Antes de tudo, é preciso entender de qual marca estamos falando, o modelo e a sua proposta de valor. Depois, replicar os processos mantendo a coerência. É como a atividade de uma orquestra. Contamos com muitos bons parceiros, e o papel da equipe de marketing é garantir essa orquestração.
Quais são os planos da Stellantis para 2024?
Estamos aumentando, cada vez mais, o uso de inteligência artificial [IA]. Adotamos novas ferramentas, como o ChatGPT e outros modelos de linguagem, testamos e fizemos rápidas implementações em 2023. Agora temos análises mais aprofundadas, por exemplo, de comentários em redes sociais que ajudam a capturar insights e construir boas formas de comunicação. Em 2024, veremos uma aceleração brutal da utilização da IA. Também vamos anunciar uma série de lançamentos das marcas do grupo.
Quais benefícios a automação já trouxe?
A geração de cadastros [ou leads] de conversas de WhatsApp hoje é três vezes maior que no passado. Estamos chegando perto de 2 milhões de contatos por ano, ou seja, pessoas que vieram ao nosso encontro com interesse em adquirir produtos e serviços. Isso há alguns anos era na casa das centenas de milhares. O volume de vendas digitais também já é quatro vezes maior que na pandemia. É um negócio absurdo. Essa “máquina digital de dados” tem feito essa mágica de encontrar melhor as pessoas que estão interessadas em nossas marcas e convencê-las de que temos a melhor oferta.
A eletrificação está nos planos estratégicos?
Absolutamente. A Stellantis, globalmente, já divulgou o plano Dare Forward 2030, em que se compromete a ser carbono neutro até 2038. Queremos reduzir as emissões pela metade até 2030. Também já divulgamos o projeto Bio-Hybrid, que são quatro plataformas que vão desde uma hibridização mais leve até a eletrificação completa. Vamos ter produção local de carros 100% elétricos até 2030. A nossa prioridade é a descarbonização, e a eletrificação é uma das soluções, assim como a hibridização a álcool.